Por André Leão *
O ano de 2023 apresentou desafios e novas perspectivas para o futuro da governança global de energia. A continuidade da guerra da Ucrânia e o surgimento do conflito entre o Hamas e Israel geraram temores nos Estados e nos agentes econômicos globais em relação aos impactos que poderiam ter no mercado internacional de petróleo e gás.
Além disso, mudanças em instituições internacionais prometem alterar os arranjos de poder em torno da questão energética.
Os maiores exemplos são a tentativa de preservação da Organização de Países Exportadores de Petróleo (Opep) como um ator relevante, especialmente por meio da Opep+ – diante de uma conjuntura na qual se pretende reduzir o uso de combustíveis fósseis –, e o anúncio da expansão do Brics, ao qual se incorporarão importantes produtores mundiais de petróleo.
Esses fatores certamente reverberam sobre a posição brasileira na governança global de energia. A recente divulgação de que o país fará parte da Opep+ em 2024, aliada à intenção da Petrobras de explorar novas frentes de petróleo, sobretudo na margem equatorial, teve grande repercussão na opinião pública.
Às vésperas da realização da COP28, nos Emirados Árabes Unidos, a informação sobre o ingresso brasileiro como país associado na Opep+ gerou dúvidas em relação às pretensões do Brasil de se posicionar como um líder ambiental global que, ao mesmo tempo, também pretende expandir seu plano de exploração e produção de petróleo. Ao governo, será necessário deixar claro porque as alegações de contradição devem ser afastadas.
Segurança energética global
A guerra da Ucrânia escancarou a vulnerabilidade da segurança energética da Europa e o embate geopolítico entre os Estados Unidos e a Rússia.
A alta dependência europeia em relação ao gás russo e as incertezas sobre os caminhos que o governo de Vladimir Putin seguiria levaram os europeus a implementarem ações visando diminuir as importações do gás da Rússia, substituindo-o por outros fornecedores de gás natural liquefeito, por exemplo, os Estados Unidos.
Essa medida, aliada à decisão dos governos europeus de impor sanções ao petróleo russo, de fato reduziu a participação da Rússia no mercado energético europeu. Em contrapartida, assegurou aos Estados Unidos a possibilidade de expandir seus interesses econômicos ao ganhar mais espaço nesse mercado.
A saída para Putin também foi diversificar suas exportações de petróleo e seus derivados, sobretudo para parceiros do eixo Sul Global, como o Brasil, onde a participação do diesel russo no mercado interno superou a do diesel estadunidense.
Assim como a guerra russo-ucraniana, o conflito entre Hamas e Israel também levantou questões sobre a segurança energética global. Novamente, a ausência de previsibilidade sobre os rumos da guerra poderia desequilibrar a relação entre a oferta e a demanda de gás e petróleo, bem como elevar os preços do barril. Embora tenha havido leve aumento no início, posteriormente houve uma acomodação e queda dos preços.
Diante desse cenário, a Opep busca fortalecer seu protagonismo na geopolítica energética global. Como forma de tentar controlar os preços do barril de petróleo, em setembro de 2023, Arábia Saudita e Rússia anunciaram a manutenção dos cortes na produção do combustível.
Em dezembro, a Opep divulgou que, a partir de 2024, alguns membros do bloco reduzirão novamente a oferta em aproximadamente 2,2 milhões de barris. Em um momento em que as mudanças climáticas têm sido o principal objeto de debates na comunidade internacional, a Opep busca veicular a ideia de que o petróleo não deve ser visto como um empecilho para a transição energética.
Diante da possibilidade de perda de espaço do petróleo para as fontes renováveis, a instituição visa preservar sua posição de poder na governança global de energia, que deverá sofrer mudanças devido à ampliação do Brics.
O alargamento desse bloco pode favorecer a estratégia da China de garantir sua segurança energética.
Na medida em que grande parte do seu consumo interno de petróleo é proveniente de importações, viabilizar a adesão ao grupo de alguns dos maiores produtores do combustível (Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã) ajuda o gigante asiático a se resguardar de instabilidades que surgem no sistema internacional, como as guerras da Ucrânia e de Israel, e fortalece suas parcerias estratégicas com os membros do bloco.
Reposicionamento do Brasil na conjuntura energética
Todos esses movimentos que impactam a conjuntura internacional do setor energético permitem compreender as ações externas recentes do Brasil. Uma nova distribuição de poder provoca alterações na leitura dos agentes responsáveis pela formulação da política externa brasileira, o que, consequentemente, leva a um reposicionamento do país no sistema internacional.
Nesse sentido, as decisões do governo de inserir o Brasil na Aliança Global para Biocombustíveis e na Opep+ indicam um objetivo de retomada do protagonismo brasileiro por meio de uma política exterior multilateralista, a partir da qual se busca uma reversão do isolamento diplomático ocorrido na administração de Bolsonaro.
Embora o anúncio do ingresso na Opep+ tenha ocorrido em um momento inadequado, justamente às margens da COP28, a participação brasileira no grupo viabiliza a ocupação de um espaço de poder importante, que permite ao país debater questões sensíveis sobre a geopolítica do petróleo.
Tal decisão não significa um abandono do compromisso com a transição energética, considerando-se a posição do Brasil como um dos maiores produtores de energia limpa do mundo e a sua liderança na aliança sobre biocombustíveis, juntamente com Estados Unidos e Índia.
Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.
*André Leão é pesquisador do Ineep (Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) e doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ)