Em meio a um aumento de mais de 100% nos casos prováveis de dengue no Brasil nas duas primeiras semanas de 2024 em comparação com 2023, o governo federal anunciou a chegada de 750 mil vacinas para iniciar uma campanha de imunização no país.
O Ministério da Saúde divulgou nesta quinta-feira (25) que vai iniciar as aplicações em 521 municípios de 16 Estados e do Distrito Federal a partir de fevereiro.
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A previsão da pasta é que, até o fim de 2024, o governo receba uma quantidade de vacinas capaz de imunizar 3,2 milhões de brasileiros de 10 a 14 anos com as duas doses necessárias para o ciclo completo — respeitando um intervalo de três meses entre elas.
Esse número é suficiente para proteger o equivalente a cerca de 1,5% da população do país. O governo ainda não tem uma previsão de quando iniciará a imunização de outras faixas etárias da população.
O governo federal se baseou em três critérios para definir os pontos de vacinação: cidades com mais de 100 mil habitantes, com alta transmissão de dengue em 2023 e 2024 e com maior predominância do sorotipo DENV-2, ou subtipo 2 da dengue.
Esse sorotipo é um dos quatro em circulação no país e contra o qual a vacina teve o melhor resultado.
Mas quem tem plano de saúde pode se vacinar numa clínica privada e pedir reembolso? E qual a previsão para vacinar os adultos?
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informou nesta quarta-feira (24) que o Brasil tem 51.081.018 de usuários de planos de saúde.
Por meio de nota, a ANS afirmou que os planos de saúde não são obrigados a cobrir vacinas, mas que alguns contratos contemplam imunizações.
“Caso o beneficiário tenha um plano de saúde com cobertura de serviços adicionais que inclua vacinas, ele deverá verificar junto a sua operadora se há cobertura para imunização da dengue”, diz o texto.
Explosão de casos de dengue
O número de casos prováveis de dengue mais que dobrou nas duas primeiras semanas de 2024, em relação ao mesmo período de 2023.
Foram registrados 55.859 casos prováveis de dengue na primeira quinzena de 2024 ante 26.801 no período anterior. Houve uma queda, no entanto, no número de mortes: foram seis nesse ano e 17 no ano passado.
A reportagem encontrou diversas clínicas que já oferecem a vacina Qdenga, fabricada pelo laboratório Takeda, antes mesmo do início da aplicação pelo governo federal. Os valores, identificados pela reportagem por dose aplicada na cidade de São Paulo, variam de R$ 349 a R$ 428.
Procurada, a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-SP) reforçou que os planos de saúde não são obrigados a cobrir a aplicação de vacinas. Por esse motivo, diz o órgão, em geral não é possível pedir reembolso para esse tipo de procedimento.
O órgão alerta, no entanto, que os consumidores devem ficar atentos às exceções, pois alguns contratos preveem esse tipo de reembolso.
“Os convênios podem escolher se oferecem ou não o serviço”, diz o Procon.
Planos de saúde
Marcos Novais, superintendente-executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), diz que a maior parte dos convênios opta por não reembolsar ou oferecer a vacina porque essa é uma necessidade universal.
“Se o plano de saúde fosse cobrir a vacina, na prática, é o mesmo que pagar por ela. Se eu estou cobrindo a vacina, eu estou cobrando de você. E ainda estaria cobrando mais de uma vez de você porque há uma rotatividade anual de 30% dos beneficiários. Então você estaria vacinando pessoas que entram e saem do convênio o tempo todo”, explica ele.
Ele afirma que, quando há uma despesa em que 100% da população precisará ter acesso, como com as vacinas, o plano de saúde perde sua funcionalidade.
“Internar por dengue não é 100% de certeza de que vai ocorrer. A vacina é 100% de certeza de que você vai usar. Na prática, você vai cobrar de todo mundo. [Nos planos de saúde], tudo passa por estatística e probabilidade”, diz.
Novais explica que algumas operadoras cobrem vacinas porque muitas empresas decidem pagar mais por esse serviço para evitar que seus funcionários faltem por motivos médicos.
O superintendente da Abramge diz ainda que as vacinas custam mais caro na rede particular porque o poder de negociação delas com as fabricantes é inferior ao do governo.
“O governo tem um poder de negociação muito grande. As clínicas pagam muito mais caro e, por conta da rotatividade das carteiras, vai vacinar muita gente”.
“E quem está nesse sistema de saúde suplementar vai pagar essa conta várias vezes. Esse é um tipo de cobertura que não faz sentido estar na cobertura dos planos de saúde”, diz Novais.
Quem pode tomar?
A vacina contra a dengue conhecida como Qdenga foi incorporada ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) pelo Ministério da Saúde, e a previsão é que comece a ser oferecida a partir de fevereiro de forma gratuita.
As doses podem ser tomadas por pessoas de 4 a 60 anos — não há estudos para avaliar a eficácia e a segurança da vacina fora dessa faixa etária.
Pode receber o imunizante tanto quem já teve dengue e quanto quem nunca foi infectado.
Não podem ser vacinados gestantes, lactantes, pessoas com alergia a algum dos componentes presentes no imunizante, quem tem o sistema imunológico comprometido ou alguma condição imunossupressora.
Qual o nível de proteção oferecido pela vacina da dengue?
A vacina contém vírus vivos atenuados da dengue, que foram enfraquecidos de forma controlada.
Essa técnica permite desencadear uma resposta imunológica eficaz sem causar a doença completa. No futuro, isso possibilita uma reação mais rápida do corpo em casos de exposição real à doença.
A dengue possui quatro sorotipos, e quando alguém é infectado por um deles, adquire imunidade contra aquele tipo específico — mas ainda fica suscetível aos demais.
Embora a empresa responsável pela vacina tenha divulgado uma eficácia global de 80%, esse percentual engloba os resultados de todos os sorotipos.
Ao analisá-los individualmente, a eficácia do imunizante variou para cada sorotipo.
Passados 18 meses após a segunda dose, para o tipo 1, a taxa foi de 69,8%. Para a dengue 2, houve o melhor resultado, de 95,1%, e para o subtipo 3, o menos satisfatório, de 48,9%.
Em relação ao subtipo 4, a Takeda afirmou à BBC News Brasil que a quantidade de casos testados não foi suficientemente alta para chegar a uma conclusão.
Felipe Naveca, pesquisador em saúde pública da Fiocruz, destaca que a eficácia reduzida contra o subtipo 3 e a ausência de dados para o subtipo 4 são desafios do imunizante administrado em um número elevado de pessoas.
Como pano de fundo, está a ressurgência de ambas as variantes da dengue no Brasil após um período prolongado sem novos casos no país — 15 anos sem casos de dengue 3 e cinco anos sem casos de dengue 4.
“Temos uma parcela significativa da população com até 15 anos que não teve exposição principalmente à dengue 3, que apareceu pela última vez em 2008. Isso os torna suscetíveis à infecção por esse vírus”, diz Naveca, que coordena laboratórios de arboviroses e viroses emergentes da Fiocruz.
Os sorotipos 3 e 4 não causam, necessariamente, quadros mais graves.
Na dengue, a gravidade da doença está associada à infecção secundária — ou seja, uma pessoa que teve dengue pela primeira vez, por qualquer sorotipo, corre um risco maior de desenvolver uma forma mais severa ao ser infectada novamente.
Assim, para quem for se vacinar, é importante considerar a proteção menor quando a infecção secundária for por dengue 3 ou 4. Os especialistas ouvidos pela reportagem dizem que, mesmo assim, a vacina é essencial para evitar casos graves e diminuir o risco de morte ao contrair a doença.
O pesquisador destaca a boa eficácia da nova vacina contra a dengue 1 e 2 e a possibilidade de ela reduzir os riscos de uma segunda infecção pela doença, especialmente para populações que vivem em áreas endêmicas.
Como prevenir a dengue?
A vacina é uma das maneiras mais eficazes de prevenir a infecção pela doença, mas como as doses não são suficientes para toda a população e não são todos os grupos que poderão tomar o imunizante, resta a prevenção.
Para isso, deve-se reduzir a infestação de mosquitos que transmitem a dengue por meio da eliminação de criadouros: evite água parada e mantenha cobertos com telas ou tampas reservatórios ou qualquer local que possa acumular água.
Além disso, há formas de proteção individual como usar repelente.
Por Felipe Souza/BBC News Brasil – São Paulo
Fotos: EPA, Agência Brasil e Shutterstock