A onda de calor que atingiu o hemisfério Norte no primeiro semestre – literalmente queimando regiões inteiras do Canadá à Grécia – chegou ao Brasil e já promete impactar o consumo de energia.
De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), quatro capitais bateram o recorde de temperatura do ano nesse domingo (24/9): Rio de Janeiro (39,9ºC), Belo Horizonte (37,1ºC), São Paulo (36,5ºC) e Curitiba (33,1ºC).
As temperaturas devem permanecer elevadas até terça (26/9) no Sudeste e Centro-Oeste, com a possibilidade de novos recordes em nove capitais e máximas de até 43ºC.
“Este cenário pode ser resultado dos primeiros reflexos do fenômeno El Niño em pleno inverno, aliados aos efeitos do aquecimento global”, explica o Inmet.
Os cientistas citam como exemplo as cidades de Cuiabá (MT) e São Paulo (SP), que tiveram o inverno mais quente dos últimos 63 anos.
“Desta forma, é possível dizer que recordes e mudanças no padrão climático serão cada vez mais frequentes em diversas partes do país”, completa a nota.
Como consequência, podemos esperar mais inundações, secas, florestas em chamas e pessoas adoecendo por conta do clima (até os computadores parecem ficar mais lentos neste calor).
Outro efeito será sobre o setor elétrico
Estimativas do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para a semana de 23 e 29 de setembro apontam para aumento de 5,8% (75.234 MWmed) na demanda de carga do Sistema Interligado Nacional (SIN), em comparação com o mesmo período do ano passado.
Entre os motivos está a elevação das temperaturas médias registrada nas principais cidades brasileiras.
A aceleração mais expressiva vem da região Norte, com 10,6% (7.707 MWmed), também relacionada à retomada de atividades econômicas da região.
Sudeste e Centro-Oeste devem registrar avanço de 6,1% (42.756 MWmed), seguidos pelo Nordeste, com 4,2% (12.350 MWmed), e pelo Sul, com 3,8% (12.421 MWmed).
“A previsão de crescimento da carga para setembro é a maior dos últimos meses, reflexo do calor mais intenso e também de uma economia mais aquecida”, afirma Luiz Carlos Ciocchi, diretor-geral do ONS.
O operador garante que a oferta de energia está sob controle, com os níveis de Energia Armazenada (EAR) estimados para o final de setembro acima de 70% em três submercados. Além disso, o período tipicamente seco está próximo do fim, reduzindo o risco de desabastecimento.
Mas ainda não dá para respirar com alívio. Embora as fontes renováveis respondam por 83,78% dos 195,6 GW de energia em operação no país, mais de 52% da geração é hidrelétrica e depende de chuvas para encher os reservatórios.
Estudo da Coalizão Energia Limpa, publicado em maio, mostra que o Brasil ainda não tem uma política concreta para enfrentar os impactos da mudança climática no sistema elétrico.
Segundo os pesquisadores, o planejamento energético não considera adequadamente as alterações no clima, e conta com um volume de chuvas representado pelo histórico de precipitação que pode não ocorrer.
A consequência disso é que, em um eventual abastecimento, o país terá que recorrer a térmicas fósseis como medida emergencial – mais caras e poluentes – repetindo a crise hídrica de 2021.
Algo semelhante está ocorrendo na China e Índia agora. A produção de energia hidrelétrica na Ásia caiu ao ritmo mais rápido em décadas, relata a Reuters, especialmente na China e na Índia, os maiores mercados da região.
Entre clima instável e demanda elevada por eletricidade, os governos estão recorrendo a combustíveis fósseis – que vão emitir mais gases de efeito estufa e contribuir ainda mais para o aumento da temperatura do planeta.
Mesmo com instalações de parques eólicos e solares em alta, as duas maiores economias da Ásia foram forçadas a aumentar a produção a carvão para compensar a escassez de energia hídrica durante as ondas de calor deste verão. A geração alimentada por combustíveis fósseis aumentou 4,5%.
A boa notícia para o Brasil, segundo os pesquisadores da Coalizão, é que existem caminhos para tornar o sistema elétrico brasileiro mais resiliente, inclusive, em função da própria mudança climática.
Segundo o estudo, os modelos climáticos também apontam para um um incremento nos ventos e na radiação solar na região nordeste, posicionando a região como exportadora de energia renovável.
“O Brasil pode exercer um papel estratégico na geopolítica global, sendo pioneiro na transição energética viabilizada a partir da construção de um sistema hidro-solar-eólico. Isto permitiria a redução dos custos da energia elétrica e uma maior competitividade global dos produtos brasileiros”, diz o estudo.
Por Nayara Machado/epbr