BRASÍLIA – Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), em parceria com o Ministério de Portos e Aeroportos (MPor) e com a Women’s International Shipping and Trading Association – Brazil (WISTABrazil) anunciaram, nesta terça-feira (12), o lançamento da elaboração do Guia de Combate ao Assédio no Setor Aquaviário.
Inspirado no Manual Lilás, o Guia de Combate ao Assédio no Setor Aquaviário será um manual de boas práticas para combate ao assédio contra mulheres que trabalham nos portos e na navegação brasileira.
A cerimônia contou com a participação de toda a diretoria colegiada da Agência, bem como importantes representantes de órgãos públicos, atores e ativistas do setor portuário e da luta pelo enfrentamento ao assédio às mulheres.
A abertura dos trabalhos coube ao diretor-geral da ANTAQ, Eduardo Nery, que afirmou que o lançamento do guia é mais uma demonstração de que o combate ao assédio no setor foi incorporado pela Agência e contará com o apoio de toda a diretoria. Nery falou ainda de sua experiência em relação à pauta, mostrando que é preciso lutar para combater práticas abusivas no setor.
“Me sinto honrado de estar participando. Confesso que, em relação a essa pauta, tinha dificuldade em entender, uma vez que entendia que era irracional alguém pensar que, por conta de gênero, uma pessoa possa ter capacidades inferiores. Tive o prazer de conviver com grandes mulheres a quem sempre admirei. E, após conversar com elas, pude saber da luta e do sofrimento que todas passaram para poder atingir cargos relevantes. Hoje, tenho certeza de que esse ativismo é muito importante para o setor portuário e para o Brasil”, falou.
O Guia de Combate ao Assédio no Setor Aquaviário visa promover ambientes seguros, dar clareza do que se considera condutas abusivas, incentivar a criação de um ambiente de respeito e, principalmente, aproximar todo o setor aquaviário às políticas de apoio ao combate à violência de gênero.
Para o desenvolvimento da ferramenta, serão realizadas oficinas para o levantamento das ações e definição das diretrizes que darão a orientação para a elaboração do documento. Para as oficinas, serão convidadas empresas do setor aquaviário, academia e autoridades governamentais e não-governamentais que atuem ou desenvolvam práticas de combate à violência contra a mulher.
Ações de equidade
O evento contou com uma mesa redonda de discussão entre importantes mulheres do setor. Os debates foram conduzidos pela relatora do guia e diretora da ANTAQ, Flávia Takafashi, que explicou que a ferramenta será mais uma entrega da Agência no Protocolo de Intenções, assinado em março de 2022 com a WISTA Brasil, com o objetivo de estabelecer parceria para a cooperação no desenvolvimento de estudos e no compartilhamento de informações não confidenciais acerca do setor aquaviário brasileiro.
A primeira entrega feita pela ANTAQ trata do levantamento sobre equidade de gênero no setor aquaviário, onde mais de 300 empresas foram entrevistadas. Todo o levantamento já está disponível no painel “Resultados da Pesquisa de Equidade de Gênero“, disponível no site da ANTAQ. Para saber mais, clique aqui.
“A ideia deste guia se baseia em todos os relatos e casos de assédio que tivemos no setor. Iremos pegar todo esse Manual Lilás da CGU e traduzi-lo para o setor portuário. Será uma elaboração conjunta com todos os agentes do setor. Entendemos que o Guia é uma ferramenta de política pública e de regulação para o setor. Se queremos eficiência e pujança e representatividade par economia, precisamos criar um ambiente de conforto para exercer suas funções”, explicou a diretora.
Debates
A primeira debatedora foi a ministra do Superior Tribunal Militar (STM), Maria Elizabeth Rocha, que fez um comparativo entre o setor portuário e as forças armadas ressaltando que ambas ainda são redutos de masculinidades a despeito de a mulher estar cada vez mais presente. Ressaltou ainda que medidas como o guia oferecem aos trabalhadores um ambiente seguro para desempenho de suas funções.
“Acredito que o setor aquaviário é tão composto majoritariamente por homens como as forças armadas. A questão que dialoga com todo esse processo que estamos enfrentando e vivendo é o psico-terror, assédio moral, stalking, assédio sexual e, lamentavelmente, temos julgado isso, depois de maior integração feminina, em profusão no STM. E, normalmente, é sempre o gênero feminino o mais atacado. Infelizmente percebemos um aumento neste tipo de crime. É importante que medidas proativas como essa sejam efetivadas”, disse.
Outra debatedora foi a Procuradora-Geral Federal, Adriana Venturini. A advogada ressaltou que, neste ano, o Brasil contou com importantes avanços no combate ao assédio sendo eles a criação do Guia Lilás, elaborado pela Controladoria-Geral da União (CGU) em março, e a Lei 14540/2023, que institui o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual e demais Crimes contra a Dignidade Sexual e à Violência Sexual no âmbito da administração pública, direta e indireta, federal, estadual, distrital e municipal.
“Precisamos unir forças, elaborar manuais e realizar eventos para podermos transformar a sociedade que, infelizmente, é misógina e excludente. Nossa constituição cidadã traz uma série de princípios humanos importantes como a dignidade da pessoa humana, valor social do trabalho e proibição de qualquer discriminação. Tivemos muitos eventos pontuais importantes desde 1988, que trouxeram luz ao problema, mas não mudaram a realidade. Em 2023, tivemos avanços importantes como o Guia Lilás e a Lei 14540/2023 e, de fato, a PGF foi pioneira”, disse.
O debate contou com a presença da presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Fernanda Macedo Pacobahyba, que falou sobre a necessidade de reeducar a sociedade. Para isso é importante entender que é preciso romper paradigmas através do diálogo.
“A educação é iluminadora uma vez que somos seres a partir da linguagem, que nos molda e nos traz conhecimento. E a educação vem a partir da linguagem que nomeia movimentos e ações. Antes, a mulher vivia em ambientes fechados hermeticamente com linguagens e verdades próprias. De um tempo para cá, percebemos que não há sentido nessa hermeticidade e diálogo excludentes. Estamos saindo da linguagem de poder, que elegeu estandartes e excluiu todos os outros. Não à toa o movimento contrário vem com uma rebordose muito grande”, comentou.
Já a palestrante e presidente da comissão de direito marítimo e portuário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) nacional e vice-presidente da OAB de Pernambuco, Ingrid Zanella, falou sobre a política de enfrentamento ao assédio no Brasil. A advogada defendeu a necessidade de melhorias na Lei no intuito de trazer maior segurança para mulheres denunciarem assédios.
“É uma honra estar aqui para não tratar de processos, ou desenvolvimento específico do setor aquaviário, mas tratar de um desenvolvimento social do setor que é um norte para o país. Estamos construindo toda uma legislação para o combate ao assédio e acredito que ela deva ser ágil, célere e efetiva. Precisamos, por exemplo, trazer sigilo aos processos de violência sexual e de gênero que tramitam no Legislativo. Isso evita que as mulheres se sintam desconfortáveis em denunciar, deixando as margens do magistrado seguir ou não com o processo”, comentou.
A secretária-executiva do Ministério de Portos e Aeroportos, Mariana Pescatori, foi outra debatedora do painel ressaltando a parceria entre ANTAQ e MPor no lançamento do Guia. Falou ainda sobre a importância de buscar temas de combate ao assédio com o objetivo de chegar em todas as esferas do setor aquaviário, seja ele no âmbito público ou no privado.
“Sabemos que ainda temos um ambiente masculino, mas ver que a diretoria da ANTAQ abraçou essa causa junto ao Ministério é muito relevante. Precisamos de instrumentos para evoluir dentro do setor portuário. Não só no ambiente público, mas que chegue à ponta, podendo ser usado por terminais e autoridades portuárias. Só vamos conseguir trazer esses temas para o setor com a presença feminina. Muito do que vem sendo feito se dá graças a mulheres em cargos relevantes que estão levando a pauta a diante”, afirmou.
Outra debatedora foi a empresária, atriz, ativista e modelo brasileira Luiza Brunet, que compartilhou suas experiências com violência doméstica e sexual sofridas ao longo de sua carreira e como essas questões impulsionaram sua luta. Defendeu a necessidade da participação masculina na luta pela igualdade, em especial dentro do ambiente de trabalho.
“Hoje, o que mais gosto de fazer é movimentar as mulheres para dizer da importância de ter um ambiente de trabalho seguro, mas que haja autonomia emocional e financeira. A primeira devido ao fato da mulher se encontrar em estado de vulnerabilidade dentro de um relacionamento abusivo e esquecer do seu valor e de suas qualidades. A segunda é a busca de trabalhos seguros e com paridade. Também precisamos dos homens do nosso lado. Não acredito que a pauta feminina será alavancada sem sororidade entre os sexos”, comentou.
O evento de lançamento e o debate entre as autoridades e ativistas está disponível no Canal da ANTAQ no YouTube
Acordo de Cooperação
Após o debate, ANTAQ e OAB celebraram um Termo de Cooperação Técnica que tem como objetivo a divulgação da campanha de conscientização, prevenção e enfrentamento ao assédio moral e sexual contra mulheres que trabalham nos portos e na navegação brasileira.
Intitulado “Enfrentamento ao Assédio no Setor Aquaviário”, o termo adota obrigações entre as partes. São elas: Ações de combate ao assédio moral e sexual dentro da própria instituição ou praticados contra mulheres que trabalham nos portos e na navegação brasileira; e promoção em conjunto workshops e seminários de capacitação para o enfrentamento ao assédio moral e sexual ocorridos na própria instituição ou nos portos e na navegação brasileira.
Fonte: ANTAQ