Após a euforia com recordes no Ibovespa ao fim de 2023, o novo ano que inicia traz um sentimento de ressacada no mercado brasileiro. No acumulado na primeira metade de janeiro, o principal índice da bolsa local acumula queda de 2,38%, próximo dos 131 mil pontos, segundo fechamento nesta sexta-feira (12).
Entre as expectativas mais otimistas para o fim deste ano, o Santander prevê o mercado atingindo 160 mil pontos, próximo da projeção de 157 mil pontos do Bradesco BBI. Com um ponto de vista mais sóbrio, o Inter enxerga o Ibovespa aos 147 mil pontos, enquanto Itaú e Bank of America projetam alta aos 145 mil pontos.
Apesar das derrapadas nos primeiros pregões, analistas reforçam o viés positivo para o ano, mas pontuam que o cenário segue carregado de incertezas.
Na cena internacional, todos os olhos estão voltados à política monetária do Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA), e se as expectativas de início do corte de juros realmente se concretizarão ao logo do primeiro trimestre de 2024.
A política de juros também deve dar o tom nas variáveis domésticas, com as previsões apontando para a manutenção do movimento de cortes iniciado pelo Banco Central (BC) na segunda metade do ano passado.
Em paralelo, investidores aguardam por novos sinais do governo federal no campo fiscal, principalmente diante dos desafios do compromisso assumido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entregar déficit zero ao fim deste ano.
Desempenho passado garante resultados futuros?
Carlos Lopes, economista do Banco BV, pontua que parte da perda de fôlego observada no início do ano reflete a incorporação nos ativos da expectativa de queda dos juros ao longo dos próximos meses, justamente um dos principais fatores que levaram o Ibovespa a bater recordes no ano passado.
“Agora o mercado fica na dúvida se de fato isso vai se concretizar”, diz.
Diante desta incerteza, diz o especialista, investidores tendem a usar o desempenho passado para projetar novos ganhos futuros.
“Se o ano passado mostrou um crescimento expressivo, a tendência é que o mercado espere por um novo crescimento, ainda que mais moderado, para 2024″, diz.
O movimento típico de ajustes de posições e o baixo volume de negócios no início do ano também explicam o clima de ressaca observado no mercado brasileiro na primeira metade de janeiro, destaca Carlos Hotz, planejador financeiro e sócio-fundador da A7 Capital.
O especialista aponta que tradicionalmente o mês de dezembro é embalado por altas, enquanto o início de ano é marcado pelo pé no freio nos investimentos.
“Com isso, temos a falta de novidades positivas no âmbito de políticas econômicas por conta do recesso e algumas incertezas na situação geopolítica”, acrescenta.
Novo ciclo de alta
Para Hotz, apesar do patamar recorde alcançado no ano passado, o preço das ações seguem “muito descontados”, o que abre oportunidade para novos aportes dos investidores — sempre de forma cautelosa.
“Seguimos bem otimistas, achando que esse ciclo de alta nem começou, ainda vai começar”, destaca o sócio da A7.
“Tem alguns fatores que corroboram esse otimismo: historicamente, quando se vive um ciclo de queda de juros, tem uma bolsa um pouco mais leve”.
Na mesma linha, Lopes pontua que os preços já incorporaram bastante do otimismo, mas que as expectativas ainda dão margem para esperar novas valorizações.
“Tem um espaço para ganhos se tiver de fato um cenário positivo para os juros no mundo”, pondera.
Todos os olhos no Fed
A materialização dos cortes de juros nos Estados Unidos é fundamental para a manutenção do viés positivo para o Ibovespa. Analistas acompanham mês a mês as divulgações do desempenho da economia, sobretudo da inflação e geração de emprego, para balizar as expectativas do início do afrouxamento monetário.
Apesar dos dados de dezembro ainda mostrarem atividade aquecida, dificultando o trabalho do Fed em cortar os juros, a maior parte do mercado ainda espera pelo início de cortes no primeiro trimestre deste ano, segundo a plataforma Fed Watch, do Grupo CME.
Apesar desse otimismo do mercado, os membros do Fomc, o colegiado do Fed que decide o rumo dos juros, dão sinais difusos para o início dos cortes nos próximos meses. Em dezembro, o presidente do Fed, Jerome Powell, ressaltou que é cedo para esperar reduções.
“Talvez se os dados de inflação e atividade americana continuarem mais aquecidos, pode ser que o Fed jogue para frente e o mercado passe a ajustar as expectativas [de corte] para o segundo semestre”, diz Hotz, da A7.
Além da política de juros nos EUA, analistas apontam para os desfechos dos conflitos na Europa e Oriente Médio, sobretudo os impactos sob o preço de commodities, setor que concentra as empresas com maior peso no Ibovespa.
Na mesma linha, o desempenho positivo da China após a forte perda de fôlego no pós-pandemia também é ponto de atenção para impulsionar os negócios no mercado brasileiro.
BC deve manter corte nos juros
Os juros no Brasil também são parte fundamental para as previsões otimistas. Em agosto, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC cortou a Selic em 0,50 p.p., trazendo a taxa básica para 13,25% ao ano. Foi a primeira vez em três anos que o BC mexia nos juros para baixo.
O movimento se manteve nos encontros seguintes — setembro, outubro e dezembro —, sempre em doses de meio ponto, fazendo com que o juros encerrassem o ano na casa de 11,75% ao ano, o menor patamar desde março de 2022.
A expectativa do mercado aponta para a manutenção do ritmo de cortes, encerrando ano no patamar de 9%.
Risco fiscal e eleições
No cenário doméstico, o risco fiscal é o principal viés de incertezas, apontam os especialistas. Em 2023, a equipe econômica assumiu o compromisso de entregar déficit zero ao fim deste ano, meta que é vista com descrença pela maior parte do mercado e inclusive por membros do governo.
O aumento da receita para equalizar as contas depende de uma série de medidas que passaram pelo Congresso e foram desidratadas ao longo das negociações. Para Lopes, do Banco BV, fica a expectativa para os efeitos desses planos para as contas do governo ao longo dos próximos meses.
“Agora a expectativa é olhando para 2024 se essas receitas de fato vão se concretizar ou se precisará ter uma revisão dessa meta”, diz.
Junto ao risco fiscal, os analistas destacam as eleições municipais previstas para outubro e novembro deste ano. Hotz aponta que o compromisso de corte de gastos sinalizado pelo governo pode ficar prejudicado diante dos pleitos.
Em ano de eleição, ‘fechar a torneira’ é muito complicado. Esperamos que haja um meio termo para que essa torneira não e abra, e lá na frente a gente pague a conta”, contextualiza.
Por Gabriel Bosa/CNN