Com dedicação e devoção, a jovem religiosa ensinava as crianças indígenas lá no Alto Rio Negro, no Amazonas, sobre as virtudes, belezas e os valores celestiais. As crianças enfeitiçadas pelo encantamento buscavam saber o que deveriam fazer para remar até lá e com a mesma ansiedade perguntavam também se lá no Céu tinha peixe e farinha. De pronto a religiosa respondeu que não e então todas disseram que não queriam ir para o Céu, deixando a irmãzinha triste e desolada.
Para as crianças indígenas a opção era o seu bem-estar. O fato é que o peixe e a farinha, culturalmente, é o pão de cada dia dos povos originários das ribeiras do Amazonas e seus tributários com suas práticas solidárias. Para muitos a ceia de natal é como se fosse uma representação do Céu porque os “brancos”, por sua vez, botam foram a farinha e o peixe pondo nas mesas festivas de Natal quase sempre outros sabores e gostos que para uma minoria pode parecer de pleno sabor, mas, para a maioria da nossa gente às vezes é sem graça ou bem diferente provocando até mesmo dor de barriga à lá Macunaíma.
Tudo bem! A narrativa serve-nos para pensar o quanto à mesa é também expressão das culturas e das formas de poder e mando de uma determinada sociedade às vezes fechada e excludente, socialmente, como registram os indicadores sociais do Brasil denunciando milhares de famílias famintas, que vivem entre o Céu e o Inferno, sem presente e futuro tocadas como gado marcadas por práticas de perversa desigualdade social sem acesso às políticas públicas, sem trabalho, pão e vida digna.
Nesse contexto o Céu é culturalmente diferente do mundo real das crianças do Alto Rio Negro, não significa dizer que não seja compreendido por elas. Da mesma forma, o rito de Natal dos “brancos” pode ser lido e degustado no curso das relações das aquisições dos novos saberes, fazeres e sabores diversificando o cardápio cultural dos povos em desenvolvimento que lutam para serem reconhecidos como sujeitos e não como gente-gado tocados e expulsos de suas terras como verme civilizatório.