A Polícia Federal (PF) deflagrou nesta quinta-feira (8/2) uma operação especial para investigar uma organização acusada de “tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito”, mesmo o ex-presidente estar passando um período longo na Flórida, nos Estados Unidos da América.
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é alvo da operação Tempus Veritatis, que foi autorizada por Alexandre de Moraes no âmbito do inquérito que apura a atuação de “milícias digitais”.
De acordo com a decisão de Moraes, a PF obteve evidências de que:
- Bolsonaro teria conhecimento da existência de uma minuta de decreto com medidas para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PF) e mantê-lo no poder;
- militares teriam organizarado manifestações contra o resultado das eleições e atuaram para garantir que os manifestantes tivessem segurança;
- e que o grupo em torno de Bolsonaro teria monitorado os passos de Moraes, incluindo acesso à sua agenda de forma antecipada.
Segundo o portal G1, o passaporte do ex-presidente foi apreendido, conforme ordem da Justiça, que também determinou que ele não mantenha contato com outros investigados.
O documento foi encontrado do seu escritório na sede do seu partido, o PL, em Brasília, alvo de busca e apreensão e já está em posse da polícia.
Em um post na rede social X (antigo Twitter), Fabio Wajngarten, o assessor de Bolsonaro, afirmou mais cedo que o ex-presidente cumpriria a ordens da PF.
De acordo com Wajngarten, Bolsonaro estava em sua casa em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, acompanhado de um ex-assessor.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, Bolsonaro disse: “Saí do governo há mais de um ano e sigo sofrendo uma perseguição implacável. Me esqueçam, já tem outro governando o país”.
Pelo menos nove aliados e ex-ministros de Bolsonaro também foram alvo da operação da PF.
Três deles já foram presos preventivamente:
- Filipe Martins, ex-assessor para assuntos internacionais de Bolsonaro;
- O coronel do Exército Marcelo Câmara, ex-assessor especial da Presidência e que era investigado no caso da suposta fraude ao cartão de vacinação do ex-presidente;
- e o major do Exército Rafael Martins de Oliveira, que atuou no batalhão de Forças Especiais da corporação.
Também há um mandado de prisão contra o coronel do Exército Bernardo Romão Correa Neto, que está no momento no exterior.
Ainda foram alvo de mandados de busca e apreensão no círculo de aliados mais próximos de Bolsonaro:
- general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI);
- general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil e vice na chapa de Bolsonaro em 2022;
- Valdemar da Costa Neto, presidente do PL, pelo qual Bolsonaro disputou a reeleição;
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro;
- o general Paulo Sérgio Nogueira, ex-comandante do Exército e ex-ministro da Defesa de Bolsonaro;
- e o almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante-geral da Marinha.
Conforme noticiado por veículos de imprensa, Valdemar da Costa Neto foi preso em flagrante durante a operação por posse ilegal de arma de fogo.
O presidente do PL foi conduzido para a sede da PF e passará por audiência de custódia.
Delação de Mauro Cid e minuta do golpe
A operação é realizada após tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, fechar delação premiada com a PF.
Cid está preso e é investigado por envolvimento na tentativa de golpe e outras denúncias envolvendo o ex-presidente e integrantes de seu governo.
As informações passadas por Cid ajudaram a embasar a investigação que levou à operação desta quinta-feira.
O ex-ajudante de ordens disse na delação que Bolsonaro teria visto a minuta de um decreto que seria usado para subverter o resultado da eleição presidencial de 2022, em que o ex-presidente foi derrotado por Lula.
A minuta teria sido apresentada a Bolsonaro em novembro de 2022 por Filipe Martins, segundo a PF.
A minuta detalhava, segundo a polícia, supostas interferências do Judiciário e decretava a prisão de autoridades, como os ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), além do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
O documento também determinaria a convocação de novas eleições.
Segundo Cid, Bolsonaro teria solicitado a Filipe Martins alterações na minuta e concordado com os termos ajustados, além de convocado uma reunião em uma reunião no dia 7 de dezembro de 2023 com os comandantes das Forças Armadas para apresentar a eles o documento para que aderissem à iniciativa.
Bolsonaro negou por diversas vezes ter conhecimento de uma minuta com esse teor.
Em nota à imprensa, o advogado João Vinícius Manssur, que representa de Filipe Martins afirmou que a petição que levou à prisão de seu cliente em segredo de justiça e “que não teve acesso à decisão que fundamentou as medidas e que já solicitou o acesso integral dos autos para estudo e posterior manifestação”.
Além disso, em um computador apreendido na residência de Cid, por exemplo, havia um vídeo de uma reunião de Bolsonaro com outros alvos da operação, como Heleno, Torres, Braga Netto e Nogueira, na qual foram reforçadas as suspeitas sem provas de fraude eleitoral.
Neste encontro, os presentes “ratificavam a narrativa mentirosa apresentada pelo então Presidente da República”, diz a decisão de Moraes.
A operação
Segundo a PF, estão sendo cumpridos ao todo 33 mandados de busca e apreensão, quatro mandados de prisão preventiva e 48 medidas cautelares.
Ainda conforme a PF, o Exército acompanha o cumprimento de alguns mandados.
De acordo com o portal UOL, o atual comandante do Exército, o general Tomás Paiva, afirmou internamente que quatro militares da ativa que estão na mira da operação serão afastados de suas funções.
As medidas da operação incluem a proibição de manter contato com os demais investigados e de se ausentarem do país, a entrega dos passaportes no prazo de 24 horas e a suspensão do exercício de funções públicas.
A operação está sendo realizada nos Estados do Amazonas, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Ceará, Espírito Santo, Paraná, Goiás e no Distrito Federal.
As apurações apontam que “o grupo investigado se dividiu em núcleos de atuação para disseminar a ocorrência de fraude nas eleições presidenciais de 2022, antes mesmo da realização do pleito, de modo a viabilizar e legitimar uma intervenção militar, em dinâmica de milícia digital”.
Segundo a polícia, houve uma construção e propagação de suposta fraude nas eleições de 2022, por meio da “disseminação falaciosa de vulnerabilidades do sistema eletrônico de votação, discurso reiterado pelos investigados desde 2019 e que persistiu mesmo após os resultados do segundo turno do pleito em 2022”.
Também houve a “prática de atos para subsidiar a abolição do Estado Democrático de Direito, através de um golpe de Estado, com apoio de militares com conhecimentos e táticas de forças especiais no ambiente politicamente sensível”.
Os fatos investigados configuram, em tese, os crimes de organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
Segundo a PF, a mesma organização criminosa também é investigada por:
- ataques virtuais a opositores;
- ataques às vacinas contra a covid-19 e às medidas sanitárias na pandemia;
- uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens (o que inclui o caso das joias).
Por BBC News Brasil
Foto: Reprodução