Apelidos e piadas às custas da aparência de crianças acima do peso podem até parecer meras brincadeiras, porém trazem consequências de longo prazo. É o que indicam pesquisas que associam bullying e obesidade, apontando que ser o alvo de zombarias leva a maior reclusão, culpa, depressão e transtornos alimentares.
“É assim que nascem os traumas”, pontua sem meias-palavras o hipnoterapeuta e neurolinguista Thiago de Castro. Ele trabalha há mais de 13 anos ajudando pessoas a se livrarem do excesso de peso, e a ciência comprova sua análise.
Este é o caso de uma comparação aprofundada de 35 estudos publicada na revista Obesity, que acompanhou mais de 160 mil adolescentes no total. A conclusão foi de que sofrer bullying está associado ao aumento do Índice de Massa Corporal (IMC) e à obesidade na adolescência. O efeito foi ainda mais forte em meninas do que em meninos.
Consequências para a vida toda
O bullying por conta da obesidade ou do sobrepeso na infância deixa cicatrizes que vão muito além da fase escolar. As ofensas, apelidos pejorativos e a exclusão social vivenciadas por crianças nessa situação podem ter consequências graves na vida adulta, impactando diretamente a relação com a comida, o corpo e a autoestima.
As provocações por conta do peso abrem portas para o desenvolvimento de depressão e ansiedade. A sensação de inadequação e vergonha, intensificadas pelas ofensas e pela exclusão social, podem levar a um quadro depressivo, com sintomas como tristeza profunda, desânimo, perda de interesse em atividades prazerosas e até mesmo pensamentos suicidas. A ansiedade, por sua vez, pode se manifestar através de crises de pânico, sudorese excessiva, insônia e dificuldade de concentração.
A relação com a comida também se torna complexa e problemática. A culpa e a vergonha associadas ao peso podem levar ao desenvolvimento de comportamentos alimentares disfuncionais, como compulsão alimentar. Eles, sua vez, contribuem para o aumento do peso e intensificam o ciclo de sofrimento.
Da ciência para a vida real
Thiago de Castro usa sua própria história para exemplificar os efeitos danosos dessas experiências ainda na infância. “Quando eu era criança, estava 15 quilos acima do peso. Eu já achava que estava muito gordo. Nessa época, recebi vários apelidos, como ‘gordinho’, ‘Seu Barriga’, ‘pançudo’, ‘bolo de gordura’. Eles ficaram na minha mente por muito tempo. Na época, não existia a nomenclatura bullying, era apenas uma ‘brincadeirinha’ dos colegas. Mas essa brincadeira gerou vários traumas”, ele relata.
Sua experiência foi exatamente aquela apontada pelos estudos. Engordou ainda mais, chegando aos 155 quilos e acumulando questões de saúde, como gastrite, esofagite, refluxo e depressão. Apenas após 27 anos convivendo com a obesidade foi que Thiago conseguiu quebrar esse ciclo. “Não foi um processo fácil. Muito pelo contrário, foi um longo processo até conseguir limpar todos os traumas da infância”, pontua.
Saídas possíveis
É importante ressaltar que alguns fatores aumentam o risco de uma criança sofrer bullying por obesidade, como histórico familiar de obesidade, baixa autoestima e falta de apoio social. No entanto, a prevenção é possível e deve ser um esforço conjunto da família, da escola e da sociedade. A promoção de hábitos alimentares saudáveis, a prática regular de exercícios físicos e o diálogo aberto sobre a importância da diversidade corporal são medidas essenciais para criar um ambiente mais acolhedor e inclusivo para todas as crianças.
Desta forma, torna-se responsabilidade de toda a sociedade combater o bullying de qualquer espécie e conscientizar de forma generalizada sobre a obesidade. Embora seja uma doença crônica que pode e deve ser tratada, ela não define pessoas. Reduzir seres humanos às suas aparências físicas é, portanto, desumanizá-los.
“Sei o quanto as palavras podem ser danosas. Esses traumas podem nos acompanhar durante toda a vida. Não brinque com as palavras de uma pessoa que está acima do peso, pois só ela sabe o que passa, sente e o que isso representa para ela. Não podemos também romantizar a obesidade. Obesidade é uma doença crônica, mas tem tratamento. Se a pessoa realmente quer mudar, ela precisa mudar a mentalidade para emagrecer. Essa mudança começa com amor, acolhimento e carinho”, completa o especialista.