“Voltar ao normal” era uma das frases que mais se repetiam nas redes sociais durante a pandemia de covid-19. A retomada das atividades presenciais, no entanto, apresentou novos desafios em relação à jornada de trabalho e o varejo já sente este impacto mediante a dificuldade de novas contratações e da manutenção dos atuais colaboradores. Nada será como antes. A força de trabalho não está disposta a cumprir jornadas extenuantes, a engajar-se na realização de atividades que não façam sentido para a sua vida e a enfrentar o trânsito das grandes cidades para estar presente no escritório quando boa parte das tarefas são executáveis em home office.
Ao mesmo tempo, as mulheres que, historicamente, são as que mais lidam com as exigências da família e do mercado de trabalho, as mais pressionadas a escolher entre a carreira e a maternidade – uma vez que a sociedade e as corporações nela inseridas entendem que o cuidado é competência exclusiva da mãe – são estimuladas a buscar respostas e soluções para esses e outros desafios que o mundo contemporâneo exige de todos nós.
Motivado pelo cenário atual e por dois pilares fundamentais aos negócios – saúde e sustentabilidade -, o Instituto Mulheres do Varejo (IMV) promoveu, na noite desta terça-feira, 19, o evento “Saudabilidade e Sustentabilidade”, no Arena Magalu, em Santana, zona norte da capital paulista.
Entre as lideranças femininas de destaque, Luiza Helena Trajano, presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza, discursou na abertura e reforçou seu apoio aos movimentos que fortalecem e inspiram as mulheres. “Acreditem na nossa força, se unam e ajudem a unir o Brasil”, destacou a empresária em mensagem às mulheres, durante sua entrevista para a MERCADO&CONSUMO.
Presidente do IMV, Sandra Takata disse que as pessoas estão sofrendo mais com a saúde mental depois da pandemia global de covid-19. “As pessoas estão mais preocupadas com o bem-estar. Tem havido muitos afastamentos por saúde mental e atinge muito mais a nós, mulheres. O evento tem esse desafio de tratar da saudabilidade e da saúde sustentável”, comentou. “Queremos discutir possibilidades e promover mais consciência para o setor”, explicou Sandra.
Palestras
Professor da Escola de Administração de Empresas da Faculdade Getúlio Vargas, Paul Ferreira iniciou sua conferência com uma provocação. “A gente sabe muito sobre saúde mental, então, por que as organizações continuam tendo problemas com isso?”. Em pesquisas que liderou, os resultados apontaram que os executivos estão mais engajados com a saúde mental do que os colaboradores: 6 em cada 10 ante 3 em cada 10, respectivamente. Para o professor, a mudança não pode ser feita pressionando os trabalhadores a agir do modo que empresa entende ser o certo, porque algumas dessas ações podem resultar em perda de identidade e contribuir para números ainda maiores de transtornos mentais.
No painel Cultura, Empregabilidade e Visão de Mundo, apresentado em conjunto por lideranças femininas, Daniela Dinz, diretora de Conteúdo do Ecossistema Great People & Great Place to Work, apresentou números alarmantes: 16% do total de trabalhadores estão realmente comprometidos com o trabalho e a maioria só está a serviço para pagar as contas. Em 1997, 5% dos colaboradores entrevistados tinham menos de 2 anos na empresa. Em 2023, o percentual saltou para 44%. Esse cenário gera um custo global avaliado em US$ 7 trilhões. Uma das soluções para o enfrentamento desse problema é observar e absorver exemplos das organizações premiadas como as melhores para se trabalhar. De acordo com Daniela, elas incluíram ações para o bem-estar e para a saúde mental de suas equipes.
Há 7 anos, a Unilever deu um passo nessa direção e construiu o que se tornou o programa “Cuidar”, que oferece serviços focados em bem-estar e saúde mental, contando, inclusive, com um canal 0800 para situações emergenciais. “Precisamos desse olhar humanizado para os nossos colaboradores, pois são eles quem fazem os nossos resultados”, disse Lucyane Rezende, HR Business Partner Director da Unilever, durante a apresentação do case.
Jaqueline Ferrarezi, gerente de Soluções de Talentos para Relacionamento Corporativo do Linkedin, apresentou números sobre o comportamento entre homens e mulheres na maior rede profissional. Os dados mostram que as mulheres estão mais engajadas com temas sobre mudanças climáticas, possivelmente, porque pensam mais a longo prazo e consideram como sendo importante para o seu desenvolvimento pessoal o bem-estar das próximas gerações, como a de seus filhos. Têm menos voz, comentam menos nas redes, e uma das explicações para o dado é o medo de sofrerem críticas ou serem perseguidas pelo que pensam, o que influencia em sua autoconfiança, saúde e capacidade de liderar mais.
Fundadora da Emprega Comunidades, Rejane Santos criou, na verdade, o “Linkedin da favela”, como a empresa social ficou conhecida desde 2017. O objetivo é reduzir o abismo da empregabilidade que perpetua a miséria nas comunidades pobres e vulneráveis. A plataforma oferece visibilidade para homens e mulheres das periferias em parceria com empresas que apoiam a inclusão e a diversidade. “Quem só vê carência, não vê potência”, disse Rejane. A formação dos candidatos varia entre escolarização básica e nível superior completo. A maioria dos cadastrados são mulheres (70%) e também são as mais penalizadas com o desemprego ou rejeição por serem negras, morarem distante e terem filhos. Mais de 10 mil pessoas já conseguiram um trabalho pelo Emprega Comunidades.
Shizuko Matsudaria, vice-presidente da Jetro, em São Paulo, mostrou estudos e medidas realizadas pelo governo japonês para suprir a a falta de mão de obra jovem no país diante do envelhecimento populacional. Fernanda Dalben, diretora de Marketing do Grupo Dalben, falou sobre maternidade e trabalho. Grávida do filho João, espera o rompimento de todas as barreiras que obrigam as mulheres a se colocarem diante de um dilema inaceitável: ser mãe ou crescer em seu trabalho.
Rafa Brites, influenciadora de jornadas e empreendedora, encerrou o evento com o tema “Maternidade Real”. Logo no início de sua fala, provocou as empresas: “Todos falam no ‘por que’ do trabalho, do engajamento, mas ninguém fala por quem, exceto no cadastro dos beneficiários”, disse. “A saúde mental da mulher está atrelada aos afetos da sua vida”, complementou. Para a influenciadora, oferecer pacotes de bem-estar e submeter a mulher a jornadas de trabalho extenuantes, que dificultam a convivência com os seus familiares, não vai impedir o adoecimento. Rafa Brites destacou que as organizações têm grandes oportunidades de conexão com seus funcionários quando integram as famílias.
Estrutura e participantes
A conferência contou com 35 patrocinadores e dedicou um corredor para degustação, ativações e lançamentos de produtos, como o clube de benefícios Legado Infinito exclusivo para quem é membro do Mulheres do Varejo. O produto foi desenhado em parceria com o IMV pelo Clube Infinity e busca atender demandas específicas do público feminino, como suporte em casos de violência, desde táxi e hotel para sair e não precisar voltar para casa imediatamente até suporte jurídico. O pacote oferece também cesta natalidade, cobertura para pets, entre outros serviços de saúde pessoal e para o lar. “Esta é uma parceria inédita e nosso foco é proteção”, disse Maria do Rosário Azevedo, representante da empresa.
Para Samuel Vanio Costa Junior, presidente do Grupo Enxuto, é importante que o varejo apoie eventos como este, principalmente, os supermercadistas. “Nossos clientes são 70% mulheres e, na minha empresa, por exemplo, 67% ocupam cargos de liderança ou atuam como colaboradoras. Vejo que este debate não pode ficar só entre as mulheres, os homens também precisam se envolver para ajudar as mudanças a acontecerem mais rapidamente”, comentou.
Thamyres Fernandes, presidente do Grupo D’Marias, uma empresa de alimentos com finalidade social e focada no empoderamento feminino, ressalta a importância de divulgar ações e produtos com propósito e oportunidade para as mulheres, destacadamente, para as mais vulneráveis.
Texto Isis Brum/M&C
Fotos: MERCADO&CONSUMO