Físico, astrônomo, professor universitário, palestrante e escritor premiado (além de utramaratonista), o carioca Marcelo Gleiser, 64, está se preparando para uma grande mudança.
No segundo semestre, ele e a família vão deixar Hanover, em New Hampshire, na Costa Leste dos Estados Unidos – onde Marcelo é professor e pesquisador da Dartmouth College – para fixar residência na Toscana, região da Itália central.
“Estamos nos mudando no final de agosto, a ideia é morar lá permanentemente”, contou Marcelo em entrevista por chamada de vídeo.
Não é apenas uma mudança de país. É o começo de uma nova empreitada. Marcelo e a esposa, a psicoterapeuta Kari Gleiser, estarão à frente do Island of Knowledge, um novo espaço para abrigar retiros para lideranças empresariais, think tank e cursos livres.
O projeto tem, como embaixador, Lourenço Bustani, fundador da Mandalah, consultoria de inovação consciente.
O nome Island of Knowledge vem do título de um dos livros de Marcelo, A Ilha do Conhecimento, publicado em 2015. Ele também é o autor, entre outros, de A Dança do Universo e O Fim da Terra e do Céu, ambos vencedores – em 1998 e 2002, respectivamente – do Prêmio Jabuti.
Na Toscana, o cientista tem a missão de engajar CEOs a deixarem o ego de lado por um momento e conversarem entre si sobre a humanidade e o futuro do planeta.
“Eu costumo falar com lideranças, prêmios Nobel…Nada me afeta muito nesse sentido”, afirma Marcelo, laureado em 2019 com o Prêmio Templeton, condecoração que celebra “a curiosidade científica e espiritual” – e já foi concedida à Madre Teresa de Calcutá, ao físico Freeman Dyson e ao Dalai Lama.
A seguir, Marcelo Gleiser fala sobre a gênese e os desafios do projeto Island of Knowledge, sua estratégia para “cutucar emocionalmente” lideranças corporativas e também sobre seu novo livro, O Despertar do Universo Consciente: Um manifesto para o futuro da humanidade, que será publicado no Brasil em março:
Como surgiu a ideia de se mudar para a Itália e do projeto em si, o Island of Knowledge?
Sempre fui um cientista super dedicado à pesquisa, com um monte de publicações, mas sempre tive esse outro lado de uma preocupação mais humanista, de entender um pouco o mistério que é o ser humano.
Nos meus livros, você vai ver que falo de buraco negro, de Big Bang, mas também de questões existenciais, de procura do sentido da vida, ansiedades do mundo moderno… Esse foi um balanço da minha carreira, dos meus escritos, e cada vez mais comecei a me preocupar com o futuro da humanidade.
Eu era convidado duas, três vezes por ano, para fazer palestras para empresários – mas uma coisa mais de pensamento sistêmico, como tudo está relacionado entre si… sem [até então] um lado mais profundo de busca, de “por que eu faço o que eu faço e qual o meu papel?”.
Isso está mudando. Estou dando muito mais palestras para empresários – tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, e o tipo de questionamento [agora] está muito ligado à relação da liderança nesse futuro planetário
Em 2023, eu fiz 64 anos, e aí falei para a minha mulher: é agora ou nunca. A gente sempre teve esse sonho de “vamos morar na Itália”, “vamos comprar uma casa”.
Passei seis meses fazendo pesquisa, peguei oito casas que queria visitar. E em setembro de 2022 fui e numa das casas pedi ao proprietário: posso ficar aí uma semana, enquanto vejo a sua propriedade e outras? O cara falou, tudo bem, eu paguei o Airbnb… e essa é a casa.
É uma villa do século XV, com muros de pedra. E o interessante é que essa villa vem com uma igreja, tem toda uma história maravilhosa que no século XIII, quando São Francisco de Assis fez a peregrinação dele, ele passou por uma área de peregrinação, a Via Francigena.
Ela vai lá da Inglaterra, atravessa o Cana, a França, até o Vaticano. E passa ao lado da minha propriedade. E tinha uma imagem da madonna [Virgem Maria com o menino Jesus], e era um ponto de parada, os peregrinos rezavam ali.
Um conde construiu a igreja para abrigar essa imagem. Virou febre, as pessoas começaram a ir para lá e o bispo de Siena sancionou 39 milagres que aconteceram nessa igreja. No século XV, XVI, esse lugar bombou.
E quando cheguei lá, eu estava passeando e me veio uma ideia. Eu falei, caramba, se eu comprar essa propriedade, posso transformar essa igreja num retiro
Vai ter uma mistura de uma visão pro futuro, de pensamento sistêmico, com o que a gente pode criar um negócio que faz sentido em termos do que a Terra pode oferecer em termos de recursos naturais.
E ao mesmo tempo uma experiência profundamente espiritual e transformadora. O lugar leva a isso naturalmente, é belíssimo, coberto de ciprestes. Uma área muito linda da Toscana.
E aí me deu esse estalo. E por coincidência, em outubro ou novembro de 2020, fui convidado pelo Ricardo Natale pra ser o keynote speaker do Experience Club, que ele organiza no Guarujá. E nessa conferência estava o Lourenço Bustani.
Você ainda não conhecia o Lourenço?
Eu conheci o Lourenço por causa do Fred Gelli, que é meu amigão. Um super designer brasileiro, ele que desenhou o logotipo das Olimpíadas no Rio de Janeiro. É um cara que eu conheço bem há muito tempo e o Lourenço é primo dele.
Quando chamei o Fred para fazer um podcast no meu canal do YouTube, na pandemia, ele falou, “pô, chama o meu primo que tu vai gostar muito dele”. Eu falei, tá bom. Daí eu conheci o Lourenço.
Por coincidência, a gente se cruzou de novo nesse evento, do Experience, e em outros eventos corporativos em que nós dois éramos speakers. E bateu uma harmonia muito grande de visão de mundo
O Lourenço é um cara super criativo, uma pessoa que tem uma visão humanista muito profunda. Um cara do bem. Ele tem uma visão de que você não precisa perder dinheiro para se alinhar com o futuro planetário. E que se alinhou muito bem com a minha proposta.
Eu pensei: posso escrever livros, posso fazer podcasts, isso daí tudo é muito fantástico e tem um trabalho muito bom e importante de democratização do conhecimento…
Mas se você quer impactar a sociedade de maneira mais profunda, talvez seja mais eficiente oferecer um treinamento para líderes empresariais num lugar em que você mexa com as pessoas emocionalmente, intelectualmente, e elas saiam de lá com outro senso de propósito.
Essa é a proposta do Island of Knowledge. É uma incubadora de visões de mundo adequadas a um encadeamento de negócios que não sejam apenas ligados ao lucro imediato, mas que tenham uma visão global, sistêmica. A ideia de progresso ilimitado não faz mais sentido
Eu costumo falar com lideranças, prêmios Nobel… Nada me afeta muito nesse sentido. Em outubro, a Unilever do Brasil fez um evento fantástico em Seattle para 30 CEOs de empresas alimentícias. Eles foram na Microsoft, na Amazon. Eu fui o keynote speaker, e fiz uma apresentação que é essencialmente sobre: quem é você, por que você faz isso e por que você acorda todo dia de manhã.
Porque: qual é o propósito que você está fazendo? É ganhar dinheiro? Você já ganhou. Não é ganhar dinheiro, isso você já fez. O que você vai fazer a mais fora isso? Que tipo de senso de legado você tem enquanto empreendedor?
E vários deles foram com os filhos. Então, que tipo de mundo você vai deixar para os seus filhos que estão aí te olhando? Filhos com 15, 17, 18, 20 anos. E mesmo com só 45 minutos com esses caras, eu senti que essa conversa impactou.
Eu sigo um modelo, que é o chamado rei-filósofo do Platão. O Platão, no século 3 antes de Cristo, desenhou um currículo de lideranças. O rei-filósofo é o rei iluminado pelo saber, pela sabedoria.
Então, a intenção do Island of Knowledge é criar esse espaço, num lugar que é o coração da Renascença, para tentar criar uma nova Renascença no mundo do business
Esse é o plano. Já arrumei fundos, estou investindo uma grana, reformando a igreja, colocando um banheiro, fazendo mil coisas de infraestrutura mesmo — e tentando criar parcerias com empresas brasileiras e estrangeiras especializadas em levar pessoas para esse tipo de evento.
Qual é o prazo para para inaugurar e receber o primeiro grupo?
Vamos começar a receber pessoas lá em outubro de 2024. Lançamos a campanha no LinkedIn, teve um ótimo interesse grande, tanto de pessoas no Brasil quanto na Europa. Uma coisa é você fazer um grupo de 15 pessoas num hotel. Outra coisa é uma imersão da forma como a gente está se propondo aqui.
Obviamente vai ter todo o lado turístico. Vamos estar na Toscana, vai todo mundo beber Brunello, comer os maravilhosos prosciuttos etc. Mas o foco é: você entrou uma pessoa e se der certo, vai sair repensando um pouco quais são as suas metas, a sua pauta nesse mundo enquanto ser humano.
O principal produto do Island of Knowledge será um retiro para executivos? Que tipo de atividades vocês imaginam?
Vamos dizer que uma empresa esteja interessada em levar 15 funcionários para passar dias com a gente. Vamos falar: ok, quais são os objetivos?
Temos várias ideias curriculares, e muita flexibilidade de adequação, então o que vocês querem? Quais são os maiores problemas que vocês têm?
Outro modelo que estamos propondo, vamos abrir 15 vagas para empresários do mundo inteiro passarem um tempo com a gente.
Vai ter um lado filosófico, vai ter um lado de business, e pensamento sistêmico, e exercícios experienciais, que a minha esposa Kari é superfera nisso. Vamos debater questões como: o que significa justiça? O que significa propósito na sua vida?, dividindo as pessoas em grupos — uma posição versus outra posição…
Não serão aulas com powerpoint na frente. Pelo contrário, vai ter muita coisa experiencial, e dependendo da abertura do grupo, música, dança, passeios em florestas. Para tirar as pessoas desse frame of mind de “eu trabalho em São Paulo, num prédio de 40 andares, e meu horizonte é esse, daqui pra minha casa…”
Tem vários mecanismos para você elicitar esse senso de humanidade saindo do coração das pessoas. Eu e o Lorenzo fizemos isso com um grupo de empresários da Anbima, em fevereiro – curadoria dele, mas eu participei direto. Foram só dois dias, mas foi incrivelmente impactante.
Eles chegaram de manhã [no hotel, em São Paulo, onde ocorreu o encontro], tomaram o café da manhã, estava todo mundo meio duro e tal, mas depois de três horas já estava todo mundo muito mais mole, e no final todo mundo chorando.
Senti muito – não só nesse grupo – essa necessidade de identificação do lado humano. Senão, fica uma coisa meio: “eu tenho uma cota esperada de mim, tenho que chegar a esses objetivos, e se eu não chegar estou falhando…”
Uma palavra que uso muito é fracasso. A importância do fracasso. “Mas não, a gente só quer [ouvir falar de] sucesso”, eu falei, cara, você tem que entender o fracasso também.
Então, tem toda uma retórica que usamos para criar um senso de comunidade: deixa os escudos caírem e todo mundo dá a mão, e sente quem está do teu lado – e não só “a COO”, “o CFO” etc.
Temos hoje desafios extremamente complexos. Por um lado, o aquecimento global; por outro, toda a disrupção trazida pela inteligência artificial, com desdobramentos que ainda vamos entender. O que você acredita serem hoje os maiores desafios das lideranças corporativas? E como Island of Knowledge pode ajudá-las nesse sentido?
Boa, uma das aulas que eu dou é justamente sobre ética corporativa no século XXI. Então, essencialmente, a ideia é como usar essas plataformas tecnológicas de hoje com um senso ético mais aprimorado.
Vou dar um exemplo. A Google está desenvolvendo um carro autônomo. As pessoas que estão desenvolvendo esse projeto são engenheiros, na grande maioria de 30 e poucos anos, que nunca estudaram ou se preocuparam ou desprezam questionamentos filosóficos mais profundos.
Uma das consequências desse tipo de veículo autônomo, que já está acontecendo, e vai acontecer cada vez mais, é que você vai criar um número gigantesco de desempregados.
Porque, pensa bem, aqui nos Estados Unidos tem em torno de 3 milhões e meio de caminhoneiros, o Brasil deve ter 1,5 milhão, 2 milhões… E a Mercedes-Benz já tem um caminhão de 16 rodas rodando em provas lá no Arizona e em Nevada, que, em princípio, não precisa mais de motorista.
Então, você fala, o que esses caras vão fazer? E os motoristas de Uber, motoristas de táxi, motoristas de ônibus escolares? Estamos falando aí de milhões e milhões de pessoas, que muito rapidamente vão se tornar obsoletos no mercado de trabalho. E você acha que a Google está se preocupando com isso?
Porque para você fazer alguma coisa a respeito, você tem que criar todo um treino de realinhamento profissional. E você vai pegar um caminhoneiro de 50 anos e vai treinar ele em quê? Em programação Python? Não vai. Então, é um desafio social gigantesco, por isso que se fala tanto de salário universal, etc. — que para mim é um desastre.
A preocupação maior é a seguinte. Quando você cria uma nova tecnologia, essa tecnologia não desaparece, a menos que se torne obsoleta. O que acontece com ela: se ela é uma tecnologia eficiente e bem sucedida, ela vai se espalhar. É que nem a Caixa de Pandora: quando você abre, os males saem e não voltam mais.
Então, você tem duas escolhas. Ou você fica para trás, como foi o caso da Kodak, ou abraça essa tecnologia e cresce junto com ela, de maneira a não deixar que ela desumanize o mercado de trabalho.
Esse é o ponto, e é aí que entra a questão da ética corporativa: como você vai usar esse tipo de tecnologia sem desumanizar primeiro os seus empregados e os seus clientes e o resto da sociedade inteira?
Eu dei uma palestra em São Paulo, em setembro, para dois mil oncologistas. O tema foi Inteligência Artificial e o futuro da medicina. Falei justamente desse medo do job displacement, de você perder a sua especialidade, porque uma máquina vai fazer melhor do que você. Esses caras estavam realmente preocupados com isso. Falei: em vez de você se preocupar em perder, você [precisa] aprender a cooptar essa ferramenta para você crescer profissionalmente com ela.
O mesmo acontece com o sistema educacional, pedagógico. O professor fala, “caramba, os meus alunos não podem mais criar uma redação, porque o ChatGPT vai fazer o trabalho…” Você tem que encontrar modos de usar essa ferramenta de forma a fazer com que as pessoas cresçam profissionalmente ou aprendam de uma forma melhor.
Para mim, o maior desafio é você juntar um desenvolvimento tecnológico, que é um trem que não para, com uma atitude ética.
Você disse que vê a questão da renda universal como um “desastre”. Por quê? O seu temor é de uma involução?
É mais do que isso. É óbvio que, por exemplo, se eu falo que eu sou contra o salário universal, imediatamente as pessoas vão falar, “mas calma, você quer o quê? Miséria, pobreza, desgraça?”
O ponto é o seguinte, eu acho que quando você dá um salário pra uma pessoa que não trabalha, mas que pode trabalhar — porque tem pessoas que não trabalham, porque não podem trabalhar, isso é outra história — mas uma pessoa que pode trabalhar, você tira a dignidade dessa pessoa.
O ser humano é que nem uma abelhinha, precisa se sentir útil. Não interessa se você é um neurocirurgião ou se você está cozinhando no Bob’s ou no McDonald’s, ou tirando lixo da rua – todo mundo tem uma função na sociedade. E quando você tira isso, a pessoa perde o sentido de viver
Vai fazer o quê? Você pode [dizer] “ah, mas beleza, vou ficar com meus amigos tomando cerveja…”. Mas quanto tempo você vai fazer isso? E até que ponto isso vai te satisfazer enquanto pessoa? Todo ser humano precisa se sentir útil – para a sociedade e para si mesmo.
Então, para mim o problema do salário universal não é um problema econômico, é um problema psicológico. Vai criar uma onda de depressão gigantesca na sociedade: muita gente vai beber, muita gente vai se drogar, porque não vão ter mais nada.
A partir da pandemia, a questão da saúde mental ficou muito em voga nas empresas e no mundo todo. A gente vive num mundo com toda essa pressão em cima dos recursos naturais, e também uma pressão da competitividade, da inovação, e isso gera ansiedade, vivemos uma era muito ansiosa. Como você acredita que a Island of Knowledge pode ajudar as lideranças a serem mais empáticas e a melhorar a saúde mental nas empresas?
Isso é uma ótima pergunta, aliás, o Lourenço fala muito sobre isso, essa é uma palestra que ele dá, ele peita isso, ele fala realmente desse problema e tal.
Eu acho que a melhor maneira de a gente fazer isso — a minha mulher talvez tenha uma maneira mais eficiente (risos), mas uma das maneiras mais eficientes de a gente fazer isso é da gente tocar na fragilidade psicológica dos líderes.
Isso é uma coisa meio maquiavélica, mas quando você fragiliza a pessoa que tem poder, você diminui a estatura, diminui a percepção de estatura dessa pessoa. No sentido de que “eu sou o CEO, então eu estou sozinho no topo, não posso falhar, eu sou um cara que define os parâmetros para muita gente” etc.
Então você começa a cutucar essa pessoa emocionalmente, meio que provocar mesmo, falando “e você acha que está realizando alguma coisa útil para você e para a sociedade?”, você começa a fragilizar um pouco. “Quantas pessoas você se sentiu mal despedindo?”
A menos que ela seja um psicopata, quando você fragiliza a pessoa que tem liderança, você humaniza essa pessoa. E a partir daí você abre portais para que essa pessoa comece a ver as pessoas com que ela está se relacionando profissionalmente com um olhar muito mais humano.
Porque você tem que ser uma máquina para não perceber isso no dia a dia. Até eu que não sou CEO, eu tenho alunos de pós-graduação, tenho pós-doutorandos, eu trabalho com pessoas, assistentes, etc. E você está lidando com essa questão da dinâmica do poder e das decisões o tempo todo.
Eu falei da fragilidade do fracasso, outra palavra [chave] é arrogância. Sempre conto uma história que meu avô dizia que um cara arrogante é aquele que usa um chapéu tão grande que cobre os olhos. Acho essa [definição] ótima.
Então, quer dizer, fragilizar e humanizar as pessoas dessa forma, pra gente criar uma mudança de perspectiva. O que significa ser líder? “Eu sou um líder, então o que eu faço tem que estar sempre certo e todo mundo tem que me obedecer e me ouvir”. Totalmente errado pensar dessa forma.
Todo mundo erra. Eu, como cientista, tenho autoridade para falar sobre o assunto: todo mundo erra, inclusive o Einstein, o Newton…
Tem toda uma conversa que eu lanço com relação à importância do risco e do fracasso no processo de inovação. Ao longo dos últimos anos desenvolvi uma retórica que lida com essas questões super importantes e obviamente estão tendo uma ressonância com vários líderes empresariais.
A Ilha do Conhecimento — Island of Knowledge — é de certa forma uma pegada nova com relação a isso. Vamos fazer uma coisa super especial, num lugar lindo, inspirador, super espiritual; você não está indo para uma sala de reuniões num hotel em São Paulo. Tudo isso é parte do cenário psicológico que a gente tenta criar.
Além de cientista, escritor e palestrante, você é ultramaratonista. Fiquei com uma frase sua a respeito na cabeça, de uma entrevista recente: “À medida que o seu corpo vai quebrando, a sua alma vai se abrindo”. Você pretende botar os CEOs para correrem ultramaratona na Toscana?
(risos) A menos que tenha algum que já seja [ultramaratonista]… Mas você pode correr ultramaratona com o corpo e com a mente e com a alma. Então a ideia é que você retira um pouquinho “uma ultramaratona da alma”, vamos dizer assim, porque você entra lá e mal sabe como vai sair.
A diferença entre uma corrida de 3 quilômetros e uma ultramaratona é que a de 3 quilômetros você termina. Nem que você vá andando, você termina. A de ultra você nunca sabe se vai terminar. É um ponto de interrogação.
E não interessa se você é o cara normal como eu, ou se você é o melhor do mundo: você não sabe se vai terminar ou não. Eu acho que a ideia desse lugar [Island of Knowledge] é que seja mesmo um caldeirão de transformação humana. Essa aqui é a minha intenção.
E a ultramaratona é uma boa metáfora para isso. Porque, essencialmente, o que você está fazendo ali, você está destruindo o seu ego através dessas corridas. Porque, cara, dói tudo, quebra, dói, você tem dor no corpo inteiro
Você não tem energia, você precisa absorver calorias, se hidratar, [absorver] eletrólitos… um monte de coisas que se você não fizer, você quebra mesmo. E enquanto você vai fazendo isso é como se fosse tirando a roupa, ficando cada vez mais nu e mais perto da sua essência enquanto ser humano.
O esforço na Island of Knowledge talvez não seja tão extremo quanto o da ultramaratona, mas certamente a ideia é essa, tirar o ego das pessoas e botar elas para conversar sobre a humanidade.
Island of Knowledge, ou A Ilha do Conhecimento, é originalmente um livro seu, publicado em 2015. Você publicou recentemente outro, que está para sair em português, agora em março. Como o seu pensamento evoluiu nesse intervalo, considerando que tivemos aí uma pandemia no meio?
A llha do Conhecimento é um livro sobre como a gente aprende quem somos no mundo, como a natureza funciona, como nós funcionamos, como o ser humano pensa sobre o mundo. Eu sou um pouco, assim – não diria um “iconoclasta”, mas um cara que pensa de uma forma meio diferente sobre o que é ciência.
Não sou aquele cientista que acha que a ciência vai resolver todos os problemas. Então, esse livro, de certa forma, mostra como a ciência não consegue resolver certos problemas. Quais são os problemas que a ciência consegue resolver.
Então, a “ilha do conhecimento” é a ideia de que o conhecimento cabe numa ilha que vai crescendo à medida que a gente vai aprendendo mais sobre o mundo. Se é uma ilha, está cercada por um oceano, e esse oceano é o desconhecido.
A ciência — e toda forma de conhecimento e de criatividade — é um flerte com o desconhecido. O paradoxo é que quanto mais você aprende, mais a ilha cresce — mas isso significa que a periferia entre o conhecido e o desconhecido também cresce
O próprio conhecimento leva ao desconhecimento. Porque quando você desenvolve novas ideias e aprende coisas novas, você começa a fazer novas perguntas que antes você nem podia imaginar que seriam possíveis
Exemplo: todo mundo agora está falando de inteligência artificial e internet. Cinquenta anos atrás, praticamente ninguém falava disso numa forma séria, a menos que fosse ficção científica.
O que houve? Conhecimento foi gerado, a teoria da informação foi gerada, tecnologias digitais foram geradas, e aí todo esse novo mundo surgiu com novas perguntas que a gente ainda não sabe responder. Isso aconteceu com a invenção do telescópio, com a invenção do microscópio, com raio X, etc.
Então, a essência do conhecimento é não só a criação do conhecimento, mas a criação do desconhecimento. Isso leva a uma posição de humildade com relação ao que a gente sabe e ao que a gente não sabe. Que eu tento transmitir para empresas, quando falo sobre esse assunto.
Com relação ao meu livro novo: completamente diferente, é outra história. Esse livro [O Despertar do Universo Consciente: Um manifesto para o futuro da humanidade, a ser publicado em março pela editora Record] é um grito de despertar para o futuro da humanidade. Mas, em vez de ser mais um [Yuval] Harari, dizendo que o mundo vai acabar etc., eu sou o oposto. Tento criar uma visão otimista e ativa do futuro.
A minha intenção com esse livro é acionar as pessoas intelectualmente e emocionalmente para que elas gerem essas transformações que a gente precisa agora no mundo — para que o nosso projeto de civilização tenha um futuro
Como eu faço isso? Misturo filosofia com astronomia de ponta. Quanto mais a gente aprende sobre outros mundos, mais a gente entende o quão a Terra é rara. E essa raridade tem uma repercussão moral de como a humanidade deveria tratar o planeta.
Então, trago o pensamento indígena que fala por que a natureza é sagrada junto com cutting-edge science para criar o que eu chamo de biocentrismo: uma maneira moral, uma nova moralidade para a humanidade nesse século XXI, que leva a uma ressacralização da Terra — de modo que quando você considera uma coisa sagrada e rara, você trata bem dela.
Eu reli o Manifesto Comunista, para escrever um manifesto inspirado na estrutura do Marx e do Engels. Por que o mundo precisa mudar? E na segunda parte [o tema] é como mudar o mundo.
No caso deles, [a solução] é acabar com a burguesia. No meu caso, é mudar a maneira como a gente consome os bens e se comporta no mundo natural.
Por Bruno Leuzinger/Projeto Draft
Fotos: Library