Relatório do think tank Carbon Tracker aponta que nações do Sul Global – o Brasil incluído – correm o risco de se tornarem um depósito para veículos usados a combustão interna, a menos que os governos adotem políticas para surfar a onda da eletrificação, já a pleno vapor no Hemisfério Norte.
Pelos cálculos do grupo, se governos de países do Sul se comprometerem a usar veículos a combustão interna, permanecerão dependentes das importações de combustíveis fósseis.
Atualmente, as nações africanas gastam US$ 80 bilhões por ano em combustíveis de transporte, o que equivale a 2,5% do PIB do continente, estima o documento.
Por outro lado, ao seguir o caminho da eletrificação, países da Ásia, África e América do Sul poderiam economizar US$ 100 bilhões anualmente com importação de combustíveis, reduzindo déficits comerciais e dependência de refino no exterior, além de criar empregos em indústrias do futuro.
É uma decisão complexa…
O Brasil, por exemplo, tem adotado o discurso de uma eletrificação híbrida, aproveitando o potencial do etanol e outros biocombustíveis.
Por aqui, o receio é que a eletrificação puramente a bateria (BEVs) – como defende o relatório do Carbon Tracker – signifique a ruína de um setor que tem forte impacto na economia nacional.
… e uma guerra comercial
O país está disputando essas cadeias industriais globais, com a bandeira da oferta de bioenergia. No movimento para angariar parceiros comerciais para o etanol, lançou a Aliança Global de Biocombustíveis, com EUA e Índia como co-fundadores: no centro das atenções estão justamente os mercados do Sul.
Já o argumento do think tank com sede em Londres, no Reino Unido, é que nações que não têm capacidade de refino para atender à demanda doméstica por combustíveis de transporte experimentam significativa saída de capital e câmbio.
A transição da frota a combustão interna para baterias permitiria que os veículos fossem abastecidos com energia renovável gerada domesticamente – e mais barata que o combustível líquido de petróleo.
Isso depende, claro, de ambiente político e estratégia industrial para viabilizar uma transição acessível, já que os veículos a bateria são mais caros que os tradicionais.
“A dependência do Sul Global em veículos a combustão interna e na dependência de combustíveis fósseis freia a região economicamente”, afirma Ben Scott, analista sênior de Automóveis no Carbon Tracker e autor do relatório.
“Eles podem impulsionar suas economias domésticas incentivando a mudança para veículos elétricos e iniciar um ciclo positivo que traga uma eletrificação mais rápida, uma rede inteligente e aumento na produção e uso de energia renovável. Todas essas mudanças reduzirão a dependência de nações estrangeiras”, explica.
Entre as recomendações políticas estão a proibição de importação de carros usados, restrições de idade, padrões de emissões, impostos sobre veículos com base na idade, eliminação de tarifas sobre carros elétricos e apoio à produção, venda e reciclagem domésticas de BEVs.
“À medida que o Norte Global elimina as vendas de veículos a combustão interna, alguns fabricantes de automóveis podem voltar-se para o Sul para vender esses modelos mais antigos, prendendo a região na dependência de combustíveis fósseis”, observa Scott.
“Agora não é o momento para os países da África, Ásia e América do Sul estenderem a mão a empresas que querem manter o status quo”, defende.
Por Nayara Machado/epbr