Com a influência de fenômenos globais como o El Niño e as mudanças climáticas, meteorologistas e climatologistas explicam que o calorão atual está relacionado a um processo chamado “domo de calor”.
O fenômeno é marcado pelo aprisionamento de uma grande massa de ar quente numa determinada região, que impede a chegada de frentes frias ou chuvas e faz os termômetros subirem drasticamente.
Conheça como acontece a formação desse domo de calor — e como ele acaba.
Tampa na panela
A pesquisadora Marina Hirota, professora associada da Universidade Federal de Santa Catarina, explica que esse fenômeno também é conhecido entre os especialistas como bloqueio atmosférico.
“E o que isso significa? Na atmosfera, se forma um sistema que impede qualquer outro fenômeno meteorológico, como chuvas ou frentes frias”, explica ela.
“É como se fosse uma grande bolha de ar quente”, compara a especialista.
Essa massa de ar circula de forma vertical, de cima para baixo.
Para completar, o ar quente não consegue se dissipar porque existe uma alta pressão atmosférica que “empurra” essa massa calorosa para baixo, em direção à superfície terrestre.
Conforme desce, essa massa de ar quente passa por um processo de compressão, o que gera ainda mais calor.
Essa região de alta pressão atmosférica funciona praticamente como a tampa de uma panela. Ele retém o calor dentro de um espaço definido — no caso do domo atual, é uma área grande e que abrange vários Estados brasileiros.
Há uma questão importante nesse fenômeno. “O bloqueio atmosférico pode permanecer por vários dias. E quanto mais ele dura, mais intenso pode ficar”, destaca Hirota.
“Mas não é comum que esse bloqueio atmosférico se prolongue por muitos dias, como está acontecendo agora”, acrescenta ela.
Como a massa de ar quente impede a chegada de nuvens mais densas, outro efeito dela é ampliar a incidência de raios solares. Isso, num cenário de primavera e verão (quando há mais radiação solar), deixa tudo mais quente e seco.
Hirota destaca que esse tipo de configuração de massas de ar costuma acontecer naturalmente no Sudeste e no Centro-Oeste do Brasil durante o período de inverno.
“Só que não há um aumento da temperatura, porque há menos radiação solar nesse período”, lembra ela.
“Esses dias são costumeiramente bem abertos, frios, com bastante Sol e poucas nuvens”, complementa a pesquisadora.
Eventualmente, o domo de calor perde força quando há alguma mudança nessa configuração meteorológica, que consegue romper aquela alta pressão atmosférica.
Com isso, a bolha de ar quente consegue se dissipar — e há um alívio na temperatura.
O que esperar para o futuro
O geógrafo Francisco Eliseu Aquino, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, destaca que a atual onda de calor foi influenciada e amplificada por fatores como as mudanças climáticas e o El Niño.
O El Niño é marcado pelo aumento acima da média da temperatura nas águas superficiais do Oceano Pacífico nas proximidades da Linha do Equador.
Isso modifica o clima em várias regiões do planeta, como o próprio Brasil.
“Um El Niño forte contribui neste contexto, pois ele dificulta a entrada da temporada de chuvas na Amazônia e no Centro-Oeste brasileiros.”
“E isso se combina com o desmatamento, queimadas, o uso e a ocupação inadequada do solo, para criar as condições ideais para períodos secos e com ondas de calor”, observa ele.
“Isso favorece que a estiagem e as altas temperaturas prevaleçam, ao inibir as chuvas e diminuir a cobertura de nuvens. Isso leva aos valores extremos de temperatura que observamos a partir de agosto.”
“O cenário não é nada bom, considerando que tivemos agora o inverno mais quente do Hemisfério Sul”, diz ele.
Mas o que isso significa para o futuro?
“Teremos mais áreas de alta pressão, que geram menos chuvas e mais ondas de calor”, projeta Aquino.
Segundo as projeções, o regime de chuvas no país pode passar por uma alteração importante.
Atualmente, há uma espécie de corredor que liga a Amazônia ao Sudeste e leva umidade para essa região, especialmente entre os meses de primavera e verão (a partir de setembro e outubro).
Os especialistas observam uma mudança gradual desse eixo, em que as chuvas se deslocam mais para a Região Sul — que atualmente já é castigado por temporais e inundações que fogem dos padrões históricos.
“Quando você combina todos esses fatores com o desmatamento, a modificação de áreas de nascente e vegetação nativa, a tendência é que esses fenômenos se amplifiquem”, conclui Aquino.
Por André Biernath/BBC News Brasil em Londres