O Brasil precisa de uma política industrial para minerais críticos, capaz de estimular o processamento interno de matérias-primas essenciais à transição energética e levar desenvolvimento econômico às regiões ricas em recursos, defende o advogado Adriano Drummond Trindade, sócio da área de Mineração do escritório Mattos Filho.
Trindade observa que os países ricos têm sua lista de minerais estratégicos para seu parque industrial e, a partir desse diagnóstico, estão desenhando mecanismos de estímulos para a produção mineral.
O Brasil também tem a sua lista, desde 2021, mas ainda falta uma política pública.
“O Ministério de Minas e Energia está trabalhando em um plano, mas tem que sair logo. Esse assunto está super desenvolvido em outros países e a gente está ficando para trás”, comenta.
Na visão do especialista, o país precisa definir o mais breve possível quais são as suas políticas e iniciativas em termos de minerais críticos.
Ele observa que o grande debate global hoje gira em torno da cadeia de suprimentos e capacidade de processamento dos insumos para fabricação de tecnologias como torres eólicas, painéis fotovoltaicos e baterias.
O cenário é dominado pela China, mas outros países – especialmente Europa e Estados Unidos – querem diversificar suas compras, e a América Latina está no radar.
Só que, no Brasil, as margens de lucro para quem processa o mineral ainda são pouco atrativas, o que faz com que os minérios sejam exportados antes do processamento.
Incentivo ao processamento
Um plano de minerais críticos deve olhar para isso e dar resposta às ineficiências tributárias que dificultam o processamento local, avalia Trindade.
“Precisa de um debate sobre capacidade de processamento e cadeias de suprimento, da mesma forma que está ocorrendo nos foros internacionais”.
Esta semana, Parlamento e Comissão Europeia chegaram a um acordo sobre a Lei de Matérias-Primas Críticas (CRMA), que estabelece uma série de ações para garantir o acesso da UE a um abastecimento “seguro, diversificado, acessível e sustentável de matérias-primas essenciais”.
A meta do bloco é ter capacidade para extrair 10%, processar 40% e reciclar 25% do seu consumo anual de matérias-primas estratégicas até 2030. A UE deve também diversificar as suas importações para mais de 65% do seu consumo.
Dentre as ações previstas pelos europeus estão a identificação de projetos estratégicos ao longo da cadeia de valor, licenciamento mais simplificados e acesso facilitado ao financiamento.
“Como é que você faz com que as empresas decidam fazer uma bateria aqui, no Brasil, ou processar o lítio em etapas mais avançadas aqui, em vez de exportar? Você não pode simplesmente proibir a exportação de lítio. Você precisa de políticas industriais”, diz Trindade.
Para o advogado, a recente projeção do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, é um exemplo disso.
“Até julho de 2022, era necessária uma aprovação governamental para exportar lítio. Depois que essa norma caiu, é que o Vale do Lítio começou a avançar de uma forma bem mais intensa”.
Outro gargalo apontado pelo advogado é o longo período do processo de licenciamento, que precisa passar por diferentes órgãos federais, estaduais e municipais.
“O licenciamento é uma etapa super importante, leva tempo. E deve levar tempo porque é um processo cuidadoso, que tem que considerar as várias partes interessadas. Mas, às vezes, não precisa levar tanto tempo”, diz.
Ele acredita que o prazo poderia ser reduzido de dez anos para dois ou três, mantendo o rigor na análise, mas destravando processos burocráticos que costumam atrasar as decisões.
Ele cita o programa Pró-Minerais Estratégicos criado no governo de Jair Bolsonaro (PL), e em revisão pelo governo Lula (PT) na tentativa de facilitar o diálogo entre os agentes públicos envolvidos no licenciamento.
“O Pró-Minerais Estratégicos foi uma tentativa de facilitar o diálogo, porque são vários órgãos diferentes que vão licenciar e todo esse diálogo, às vezes, leva muito mais tempo do que precisaria. Você conseguiria fazer esse diálogo interinstitucional, sem perda de qualidade, em um período muito mais rápido”, completa.
Mundo de olho nos minerais latinos
A receita da produção de minerais críticos (grafite, bauxita, níquel, zinco, lítio, cobre e neodímio) na América Latina e no Caribe totalizou cerca de US$ 100 bilhões em 2022.
A região concentra 40% da produção global de cobre, 35% do lítio e detém cerca da metade das reservas de lítio – essenciais na fabricação de baterias.
De acordo com projeções da Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês) a transição para um cenário de emissões líquidas zero deve elevar as receitas da produção de minerais críticos a US$ 246 bilhões em meados do século.
Oportunidade para o Brasil
A pesquisa mineral é um dos sete subeixos do grupo Transição e Segurança Energética do novo PAC, lançado em agosto deste ano, com previsão de monitorar R$ 540,3 bilhões em investimentos públicos e privados relacionados à transição.
Recentemente, governo e BNDES formaram um grupo de trabalho para avaliar áreas estratégicas para financiamento nesse contexto. Entre elas, a criação de uma cadeia de suprimentos e produção de painéis fotovoltaicos e minerais críticos à transição energética, dentro da própria região de extração no Brasil.
Em destaque está o lítio. Lançada na bolsa de valores de Nova York, Nasdaq no primeiro semestre, a iniciativa Lithium Valley Brazil quer atrair investimentos internacionais para exploração do lítio no Vale do Jequitinhonha, no norte de Minas Gerais, que concentra a maior reserva desse mineral no Brasil.
Já são R$ 750 milhões em investimentos previstos para exploração de matéria-prima essencial à fabricação de baterias na região.
No final de julho, a canadense Sigma Lithium realizou a primeira exportação do mineral produzido com zero carbono no Vale.
Por Nayara Machado/epbr