O conflito no Oriente Médio, entre Israel e o grupo terrorista Hamas, reacendeu o clima de nervosismo no mercado de gás natural liquefeito (GNL).
Os preços da commodity – sobretudo na Europa e Ásia – voltaram a sofrer com a volatilidade em outubro, em meio a um cenário que combinou, num só mês, a guerra na Faixa de Gaza com suspeitas de sabotagem num gasoduto no Báltico e ameaças de greve nos ativos de liquefação na Austrália.
Na Europa, o preço de referência TTF fechou o mês com alta de 14,6%; enquanto, na Ásia, o JKM subiu 23% em outubro.
Mas até quando o estresse do mercado de GNL deve persistir?
A pergunta interessa aos agentes do mercado brasileiro, que, durante os primeiros anos da estruturação do Novo Mercado de Gás, chegou a viver a expectativa de acelerar a abertura do setor por meio de importações de GNL a preços competitivos – uma janela que se fechou a partir de 2021.
E por que o assunto importa? O Brasil usa o GNL, sobretudo, como fonte de gás flexível para as termelétricas e tem dado, em certa medida, sorte. Desde o pico de preços do GNL em 2022, após a eclosão da guerra entre Rússia e Ucrânia, o país não passou por uma grande crise hidrológica como a de 2021.
Este ano, as importações do gás natural liquefeito estão em baixa: o equivalente a cerca de 1,5% do suprimento da demanda brasileira – muito distante dos 26.7% de 2021.
O setor termelétrico, contudo, não passou incólume nesse período de estresse: a alta dos preços do GNL contribuiu para afastar investidores no último leilão de termelétricas no país, por exemplo.
Além disso, o GNL é também um elemento importante de precificação para o gás como um todo no país, e não só para as termelétricas.
Cerca de 20% do volume contratado pelas distribuidoras estaduais, na nova safra de acordos de suprimento assinados com a Petrobras, está indexado ao Henry Hub, preço de referência dos EUA.
Ao mesmo tempo, investidores se movimentam para colocar de pé novos terminais de regaseificação (como a Nimofast no Paraná) ou monetizar plantas de GNL já existentes ou em fase final de construção com a venda de GNL para o mercado não-termelétrico (Eneva em Sergipe; New Fortress em Santa Catarina, e bp no Porto do Açu são exemplos).
Enfim, o Brasil não é uma ilha e, a seguir, a gas week se debruça sobre as perspectivas do mercado global de GNL.
Mais dois ou três anos de aperto
O cenário atual de aperto no mercado global da commodity ainda deve se manter pelos próximos anos.
A Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) trabalha com a previsão de que o crescimento da capacidade de liquefação, associado ao declínio da demanda em mercados maduros, aliviará as tensões sobre os preços do GNL somente entre 2025/2026.
Visão parecida com a da S&P Global
Do lado da demanda, a IEA estima que, após o seu apogeu entre 2011 e 2021, os mercados mundiais de gás entrarão num período novo e mais incerto – e que provavelmente será caracterizado por um crescimento mais lento e uma maior volatilidade e poderá levar a um pico na demanda no fim desta década.
A IEA acredita que o consumo de mercados como Ásia-Pacífico (Austrália, Japão, Coreia do Sul, Nova Zelândia e Singapura), Europa e América do Norte atingiu o pico em 2021 e deve diminuir 1% ao ano até 2026, diante da implantação acelerada de energias renováveis e ganhos de eficiência energética.
A agência lembra que, na Europa, a perda do gás russo pressionou os governos locais a procurar soluções alternativas para manter a segurança energética.
Por isso, a IEA espera que o crescimento da demanda global seja sustentado pelos mercados asiáticos (em especial a China e Oriente Médio) e África.
Do lado da oferta, a previsão é que a capacidade de liquefação cresça 25% entre 2022 e 2026 e comece, assim, a afetar a dinâmica do mercado em 2025 e 2026, aliviando parte da restrição e liberando uma demanda sensível aos preços.
A Wood Mackenzie também cita que essa nova capacidade de liquefação, no mundo, não estará disponível, em sua maior, parte, até pelo menos 2026 e que, até lá, “não há cura imediata” – ou seja, os compradores ainda enfrentarão vários anos de preços altos e voláteis antes que a próxima onda de oferta de GNL reequilibre o mercado.
Mas a chegada de mais GNL não é o fim da história. A consultoria ressalva que o investimento em nova oferta de GNL desacelerará para além de 2025, preparando o cenário para um potencial novo aperto por volta de 2030.
Ao todo, a consultoria estima que o mercado global precisará de mais 60 milhões de toneladas/ano de capacidade nova de liquefação até 2033.
Uma mudança estrutural
A Wood Mackenzie destaca que o mercado global de GNL mudou estruturalmente. A consultoria lembra que, no passado, a Europa proporcionava flexibilidade ao mercado, contribuindo para uma maior estabilidade:
- em momentos de excesso de oferta, o continente reduzia as importações discricionárias de gasodutos para usar mais GNL, limitando o efeito de baixa nos preços
- e quando menos GNL estava disponível, a Europa recorria a mais gás importado por gasodutos e ao carvão, evitando picos de preços.
Mas com a Europa cada vez mais dependente do GNL, como alternativa ao gás russo, em momentos de aperto no mercado os preços podem ser extremamente altos, à medida que a Europa e a Ásia lutam para garantir cargas marginais. A volatilidade é hoje uma constante, cita a consultoria.
O pico da demanda está, de fato, no horizonte?
As perspectivas da IEA, de que a demanda global por gás pode atingir o seu pico antes mesmo do fim desta década, não são um consenso.
A Wood Mackenzie, por exemplo, não vê um excesso de capacidade no mercado global, mesmo com a corrida por novas plantas de liquefação no mundo.
A consultoria cita as expectativas de crescimento econômico na China e acredita numa guinada da Ásia na direção de políticas de descarbonização – o que pode aquecer a demanda pelo gás.
Além disso, a Europa também precisará de mais GNL. Embora a demanda geral de gás continue a cair, as importações de gasodutos da Noruega e Argélia diminuirão na segunda metade da década – o que significa que as importações de GNL não atingirão o pico até por volta de 2030.
A McKinsey & Co. vai numa linha parecida: projeta que a demanda total de gás aumentará na maioria dos cenários até 2040, impulsionada em grande parte pelo papel de equilíbrio que o gás deve desempenhar para as energias renováveis até que as baterias sejam implantadas em escala.
E a Shell, uma das maiores players de GNL no mundo, também trabalha com a perspectiva de aumento do consumo de gás. O comércio global total de GNL, que atingiu 397 milhões de toneladas em 2022, segundo a companhia, deve atingir de 650 a mais de 700 milhões de toneladas por ano até 2040 – o que justifica mais investimentos em projetos de liquefação, na visão da petroleira, compartilhada no LNG Outlook 2023, publicado no início do ano.
E a guerra?
O conflito entre Israel e Hamas traz novas tensões geopolíticas para um mercado já estressado – pelo menos desde 2021, quando, antes mesmo da guerra entre Ucrânia e Rússia, os preços do gás na Europa saltaram em resposta a uma combinação entre uma frustração nas expectativas de geração eólica e baixos níveis de armazenamento de gás no continente.
Por ora, a guerra no Oriente Médio tem causado impactos regionais no mercado de gás. Um deles a interrupção na produção no campo de Tamar, em Israel.
Com isso, Israel reduziu em 70% as exportações de gás natural, sobretudo para Jordânia e Egito – este último um exportador de GNL.
Num cenário de aperto no mercado, contudo, qualquer solavanco é sensível. Hoje, cerca de 3% das importações de GNL europeias vêm do Egito…
Os preços da commodity reagiram aos riscos geopolíticos em outubro, mas já começam a ceder.
Os preços do gás na Europa fecharam em queda pela terceira semana consecutiva, diante de um arrefecimento na percepção de riscos sobre a oferta de gás no mercado.
O envio de gás de Israel ao Egito voltou a fluir – embora em volumes ainda limitados.
Os riscos, porém, estão aí…
a avaliação da Bruegel, think tank de Bruxelas, um prolongamento do conflito, com limitações sobre as exportações de Israel, minaria a capacidade do Egito de satisfazer suas crescentes necessidades domésticas de gás e também afetaria suas exportações de GNL para a Turquia e vários países da União Europeia.
Fora o aumento dos riscos de segurança para os navios de GNL que passam todos os dias pelo Estreito de Ormuz e para os gasodutos internacionais na região.
“Um conflito mais amplo também aumentaria as preocupações sobre a segurança da infraestrutura que conecta os fornecedores de gás do norte da África e a Europa, adicionando incerteza e volatilidade a um mercado já apertado”, cita a Bruegel.
Além disso, de acordo com a Rystad Energy, existe também um efeito a médio e longo prazos: a possibilidade de que Israel perca US$ 4 bilhões de investimentos em projetos de exploração e produção anunciados para os próximos três anos – o que “pode minar o progresso que estava sendo feito na normalização de uma região que viu significativo sucesso exploratório e a descoberta de recursos de baixo custo”.
Israel, aliás, concedeu 12 licenças a seis empresas, incluindo a bp e a Eni, para exploração de blocos offshore com potencial de produção de gás.
O governo atribui a conclusão do leilão durante o conflito com o Hamas a uma demonstração de confiança na resiliência do país.
Gás na semana
Compass faz emissão de R$ 1,7 bi atrelada à expansão no biometano. Empresa conclui emissão de debêntures vinculadas a metas ESG, dentre as quais distribuir 250 mil m3/dia de biometano até 2027; e 500 mil m3/dia até 2030. É a 1ª operação do tipo no mercado de óleo e gás da América Latina.
Unigel comunica paralisação de fábrica de fertilizantes na Bahia. Proquigel informou ao Sindiquímica que vai paralisar a fafen e demitir os 384 funcionários, diretos e indiretos, que trabalham na planta em Camaçari.
A empresa afirmou à agência epbr que o envio do aviso prévio aos funcionários é uma “medida protetiva”, que pode ser revertida a qualquer momento no período de 30 dias; e que continua em negociação com a Petrobras para viabilizar a operação da Unigel Agro Bahia.
Petrobras avança etapa na venda de térmica. Estatal iniciou a fase vinculante para o desinvestimento da termelétrica a gás natural Araucária (484 MW), no Paraná. Tem 18,8% de participação, em sociedade com a Copel (20,3%) e a Copel GT (60,9%). Todas as ações serão vendidas.
Por André Ramalho/Agência epbr