Nos últimos dias fomos inundados por uma série de notícias sobre os problemas enfrentados pela 123 milhas. Os problemas surgiram quando pessoas que haviam adquirido passagens aéreas promocionais de viagens para diversos destinos, foram informadas pela empresa que as passagens estavam com a emissão suspensa e que haveria o crédito dos valores pagos, sob a forma de um voucher emitido pela companhia.
Imediatamente houve uma reação da sociedade, dos órgãos de defesa do consumidor e governamentais, todos eles alertando sobre a postura da 123 milhas e destacando a obrigação da emissão das passagens vendidas ou então a obrigatoriedade da devolução dos valores em dinheiro.
Passados poucos dias, temos centenas de ações judiciais pelo país contra a empresa, demandas que solicitam liminares para que ela seja obrigada a emitir as passagens comercializadas sob pena de incorrer em multas diárias e cumulativas. Não se tem plena segurança de que a mesma possua condições econômico-financeiras de cumprir um número acentuado de decisões judiciais, que se acumularão a cada dia. Além disso, organismos de defesa do consumidor promovem ações coletivas com o objetivo de resguardar os direitos de todos os consumidores lesados.
Alguns aspectos devem ser abordados, como por exemplo, deve o consumidor adquirente de passagens aéreas ter aconselhamento jurídico para verificar a viabilidade de que sua ação judicial tenha um resultado prático, ou seja, se ele ganhará a decisão judicial e ela será efetivamente cumprida, ou se ganhará e “não levará”. Em outras palavras, não basta acionar judicialmente a empresa, pois você pode ganhar a ação judicial, a decisão pode não ser cumprida e você ainda teve gasto extra com despesas judiciais e, possivelmente, advogados.
Outro aspecto que chama atenção diz respeito à boa governança das empresas que operam no mercado e a observância das boas normas de compliance. Se após a exposição de uma crise de empresas como Hurb ou 123 milhas, surgem rumores de que elas operem em um sistema de pirâmide financeira, por que somente após os problemas constatados e os prejuízos sofridos pelos consumidores é que os órgãos de fiscalização atuam? Neste momento, até mesmo a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) criada para investigação de pirâmides financeiras em cripto ativos informa que irá convocar os representantes da 123 milhas para prestar esclarecimentos.
Normas de compliance e de boa governança podem ser desrespeitadas solenemente ou podem ser apenas normas previstas por escrito em práticas internas das empresas, sem nenhuma aplicação ou fiscalização prática? Que garantia terá o consumidor de que novos casos não venham a acontecer?
Parece ser de total interesse para o turismo brasileiro que se tenha uma segurança ao consumidor viajante. Passagens aéreas, reservas de hospedagens, traslados, tudo isso compõe o básico de qualquer pacote de viagem. Se o país pretende desenvolver o seu sistema de turismo é necessário que se dê segurança ao consumidor, portanto deve haver um interesse não somente por parte de Secretarias e Ministério do Turismo, mas também de Secretarias de Defesa do Consumidor e de Direito Econômico em verificar a operação das empresas deste setor, caso contrário, poderemos estar esperando a próxima empresa em dificuldades não cumprir suas obrigações e nós mostraremos surpresos quando isso ocorrer.
Se existem órgãos reativos que atuam sempre que o direito do consumidor é violado, e de forma eficiente, é necessário que órgãos preventivos atuem com a mesma competência. Compliance, boa governança corporativa, normas de ética, políticas de atendimento ao consumidor, proteção a dados pessoais, segurança da informação, todos esses termos não podem ser apenas palavras de ordem, devem estar presentes no dia a dia de todas as empresas.
*por Francisco Gomes Júnior – Advogado Especialista em Direito Digital. Presidente da Associação de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor (ADDP). Autor da obra “Justiça sem Limites”.