Cerca de 46 projetos de lei que buscam regulamentar o uso de inteligência artificial (IA) no Brasil estão em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal e podem avançar em 2024.
O presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já afirmou que o tema é prioridade para o primeiro semestre do Legislativo.
Em um levantamento feito pela CNN, é apontado que existem 34 projetos na Câmara e outros 12 no Senado. Muitos deles são semelhantes e tratam de temas complementares. Entre os assuntos mais citados nas proposições, estão:
- Uso de “deepfake” — recursos que alteram rostos e vozes de pessoas com resultados verossímeis, por meio de IA — para criar imagens e áudios falsos de pessoas para uso político, publicitário ou em pornografia;
- Reprodução e manipulação de voz e imagem de pessoas que já morreram;
- Direitos autorais e plágio em obras criadas por IA;
- Uso do reconhecimento facial;
- Sanções específicas para crimes cometidos com uso de IA;
- Aplicação da IA nos sistemas da administração pública federal, estadual e municipal;
- Regulamentação do uso de veículos autônomos terrestres.
A discussão da inteligência artificial no Congresso é recente. Os projetos mais antigos datam de 2019, mas a maior parte das proposições são de 2023. Apesar da crescente atenção da população aos debates sobre o tema, os projetos não andam no Legislativo.
O projeto mais encaminhado e encapado por Pacheco é de sua autoria e estabelece balizas para o desenvolvimento e a aplicação desses sistemas. A matéria foi apresentada em 2023 e propõe um grande arcabouço que abarca grande parte dos demais projetos.
O PL regulamenta conceitos, fundamentos e princípios para o desenvolvimento e uso de sistemas de IA no Brasil, direitos das pessoas afetadas por sistemas de inteligência artificial e define regras para categorização dos riscos eventualmente contidos nos sistemas de IA a serem identificados por meio de avaliação preliminar.
A matéria aguarda relatório do senador Eduardo Gomes (PL-TO) na Comissão Temporária sobre Inteligência Artificial (CTIA), colegiado criado especialmente para subsidiar a elaboração de proposições relacionadas ao uso da inteligência artificial no Brasil.
Caso seja aprovado no colegiado, o projeto ainda precisará passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e pelo plenário do Senado. Depois, segue para aprovação na Câmara dos Deputados.
Inteligência artificial nas eleições
Um dos temas mais presentes nos debates entre os parlamentares é o uso indevido da inteligência artificial durante as eleições, o que possibilita a disseminação de mentiras e difamação de candidaturas.
Apesar da preocupação de deputados e senadores com a proibição do uso da IA nas campanhas ser capaz de acelerar a aprovação de leis nessa linha, as regras só serão válidas nas eleições de 2026. Para valer em 2024, seria necessário que as matérias dessa temática fossem aprovadas um ano antes do pleito, em outubro de 2023.
O que pode mudar o cenário nas eleições municipais são as propostas elaboradas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para alterar a resolução que trata de propaganda eleitoral. O objetivo é disciplinar o uso dessa tecnologia e estabelecer meios para evitar o uso com a finalidade de disseminar desinformação e conteúdo falso.
Pela minuta apresentada no começo de janeiro, o uso de IA na propaganda eleitoral só poderia ser feito se houver a divulgação “explícita e destacada” de que o conteúdo foi “fabricado ou manipulado e qual tecnologia foi utilizada”.
A sugestão também prevê proibir a utilização de material manipulado que seja “sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados” e que tenha potencial de afetar o equilíbrio e integridade do pleito.
Nesses casos, conforme a minuta, após notificação, o provedor responsável pela circulação do conteúdo ficaria responsável por adotar providências para “apuração e in disponibilização”.
As propostas foram discutidas em audiências públicas entre 23 e 25 de janeiro. Para ter validade, os documentos precisam ser aprovados pelo plenário do TSE. Isso deve ser feito até março, para que possam ter efeito já nas eleições deste ano, mas ainda não há data marcada.
Substituição de empregos por IA
As inquietações sobre a extensão da IA têm aparecido, inclusive, no mercado de trabalho. Atualmente, três em cada quatro profissionais brasileiros acreditam que a IA substituirá seus empregos.
Os dados são de um levantamento realizado pela Page Interim, com 5.354 profissionais da América Latina. De acordo com a pesquisa, 76,6% dos entrevistados no Brasil creem que essa tecnologia afetará parcialmente os postos de trabalho na área em que atuam.
Entre os motivos apontados pelos trabalhadores estão o desemprego, a privacidade e a segurança de dados. Atualmente, cada vez mais empresas vêm apostando na IA em setores estratégicos, e isso pode impactar a oferta de vagas.
Um dos projetos apresentados no Congresso prevê a regulação do uso de IA na prestação de serviços, obrigando o prestador a informar o contratante da aplicação da inteligência artificial durante o trabalho.
Outros projetos querem impor a criação de fundos arrecadatórios para a manutenção de empregos e a proibição de demissões, a fim de diminuir o impacto da IA no mercado de trabalho.
Pornô fake
Apesar do uso político da “deepfake” vir crescendo nos últimos anos, a maior parte da aplicação dessa ferramenta está relacionada à manipulação de imagens de pessoas em situações pornográficas com o intuito de constranger a vítima que, na sua maioria, são mulheres.
Os falsos nudes, ou “deepnudes” — uma variação do termo “deepfakes” — têm se mostrado um desafio cada vez mais frequente com a popularização do uso de IA. Casos de pessoas que foram extorquidas e chantageadas por conta das imagens falsas vêm se proliferando e não poupam nem mesmo crianças e adolescentes.
Um projeto quer equiparar a manipulação e divulgação de imagens de mulheres para pornografia com o crime de violência doméstica e familiar, o que poderia ser enquadrado dentro da Lei Maria da Penha.
Outra matéria prevê a proibição do uso, criação, distribuição e comercialização de aplicativos e programas destinados à criação de imagens ou vídeos pornográficos ou obscenos falsos.
Ambos os projetos ainda não têm previsão de serem postos para discussão e aprovação.
Por Marcos Amorozo/CNN – Brasília
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