O Furacão Milton, uma das tempestades mais poderosas desta temporada, está varrendo regiões com ventos intensos e causando estragos por onde passa, e países como os Estados Unidos já se mostram muito bem preparados para lidar com seus impactos. No entanto, essa prontidão internacional traz à tona uma reflexão sobre o Brasil: estamos realmente prontos para enfrentar eventos climáticos extremos? Embora o Brasil não esteja na rota direta de furacões, a frequência crescente de desastres naturais, como enchentes, queimadas e secas, mostra que ainda precisamos avançar no planejamento e na resposta rápida a crises ambientais.
Atualmente, mais da metade (55%) do território do Brasil está afetada por queimadas. De acordo com a Confederação Nacional de Municípios (CNM), praticamente 10% dos municípios brasileiros estão em situação de emergência ou calamidade em razão dessa crise climática e ambiental. O desafio, então, vai além da natureza, exigir uma articulação eficiente entre governos e instituições para proteger vidas, mitigar os impactos e garantir uma resposta rápida e coordenada diante das crises ambientais que são cada vez mais frequentes.
Para isso, a liberação de recursos federais se mostra indispensável. Estados e municípios, sozinhos, não dispõem de aportes e estrutura necessários para esse enfrentamento emergencial. “Essa liberação tem de ser ágil. Dessa forma, tanto municípios quanto estados devem ser objetivos na decretação de emergência ou calamidade, para que o reconhecimento, por parte da União, seja rápido”, afirma a pesquisadora Ana Clara Fonseca Guilherme, especialista em Logística Humanitária.
Ana Clara Fonseca Guilherme, especialista em Logística Humanitária
Ana Clara é coordenadora do curso de especialização em Logística Humanitária e Desastres, em uma universidade particular, além de ser advogada com formação em Direito e Recursos Humanos. Recentemente, foi premiada pelo 13º Prêmio AMAERJ Patrícia Acioli de Direitos Humanos, reconhecendo suas contribuições ao campo. Com uma experiência prática robusta em eventos críticos como os desastres de Mariana, Brumadinho, e as enchentes no Rio Grande do Sul, Ana Clara desenvolveu um protocolo pioneiro de resposta humanitária para ajudar gestores e organizações a lidar com crises de maneira mais eficiente e eficaz.
A especialista também incorporou ao seu protocolo a ferramenta 5W2H, uma metodologia prática e eficiente para o planejamento e execução de ações em logística humanitária. “Quando desenvolvi o protocolo, quis garantir que os profissionais tivessem à disposição uma ferramenta simples, mas poderosa, para organizar as operações de maneira clara e objetiva, especialmente em momentos de crise, quando a agilidade é essencial”, explica Ana Clara. O 5W2H orienta os gestores a responder perguntas essenciais como ‘O que fazer?’, ‘Por que fazer?’, ‘Quem será responsável?’, ‘Onde e quando agir?’, ‘Como realizar?’, e ‘Quanto custará?’, permitindo uma atuação clara e bem coordenada.
Essa ferramenta é especialmente relevante na logística humanitária, onde o planejamento preciso pode fazer a diferença entre o sucesso e o fracasso de uma operação. O 5W2H ajuda a garantir que cada etapa seja bem pensada e executada com clareza, assegurando que os recursos cheguem a quem mais precisa, no tempo certo e da maneira mais eficiente possível. Ao aplicar essa metodologia, os profissionais podem agir com mais confiança, sabendo que suas decisões foram tomadas com base em uma análise estruturada e completa.
“A gestão de crises, por parte da sociedade e, em especial, do poder público, precisa ser profissionalizada, porque tais crises climáticas se tornaram cada vez mais recorrentes — e a tendência é de que continuem assim. Foi com base nesse precedente que desenvolvi o protocolo de resposta humanitária para atender tais demandas”, com o uso da ferramenta, avalia.
Até a primeira metade de setembro, pelo menos 531 municípios se encontravam em emergência por causa das queimadas, segundo levantamento da CNM (o Brasil tem um total de 5.569 municípios). Nesses territórios municipais em emergência, pelo menos 10 milhões de pessoas estavam afetadas de alguma forma — seja pela exposição direta ao fogo, seja pelos efeitos da fumaça.
Além das queimadas, a seca no Norte, neste semestre, que tem afetado populações ribeirinhas, e as enchentes no Rio Grande do Sul, no primeiro semestre, também estão causando problemas socioeconômicos, como deslocamentos forçados, desabrigados ou desalojados, dificuldades de acesso à saúde, à educação e desabastecimento de itens de primeira necessidade.
“O enfrentamento dessa situação crítica, grave e urgente passa pela logística humanitária, que se diferencia da logística empresarial porque a primeira é focada na missão de aliviar o sofrimento e assegurar direitos básicos às pessoas em condições vulneráveis, enquanto a segunda é entendida em sua perspectiva de atividade econômica”, distingue a especialista.
A logística humanitária demanda soma de esforços e mobilização do poder público, empresas e sociedade. Sem abrir mão, contudo, do planejamento. “Não basta sensibilidade e boa vontade para mitigar os danos desses desastres e incidentes. É preciso objetividade, e a logística humanitária promove a combinação desses atributos”, pontua.