De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), praticamente um bilhão de pessoas é portadora de alguma condição mental diagnosticável, em especial a ansiedade e a depressão. Apesar de não haver dados de como elas impactam na mortalidade global, pessoas com condições não-transmissíveis são três vezes mais suscetíveis a desenvolverem depressão. Portanto, é possível concluir que elas compõem o quadro de morbidade das doenças cardiovasculares e do câncer, que são as principais causas de morte no Brasil.
É fato que precisamos diagnosticar e tratar os pacientes de condições de saúde mental. No entanto, a jornada desse paciente é complexa. Frequentemente, o primeiro atendimento é com especialistas em doenças físicas, pois há queixas associadas, como dores, distúrbios do sono e problemas digestivos. Um estudo realizado com um banco de dados de operadoras privadas de saúde apontou que, no período de quatro anos, cerca de 90% dos pacientes não tiveram nenhuma consulta com o psiquiatra no seguimento, sendo comum a procura de ortopedistas, ginecologistas e cardiologistas.
Como esses profissionais muitas vezes têm dificuldade para diagnosticar, estimar a gravidade e tratar doenças mentais, os pacientes retornam às unidades de saúde com os mesmos sintomas. Outro estudo realizado na saúde suplementar identificou 1.802 atendimentos com diagnóstico de depressão e a realização de 115,2 exames e 8,7 consultas no pronto-socorro por paciente.
Os resultados desse estudo foram discutidos por um grupo de especialistas e a conclusão foi que a razão da reincidência desses pacientes é a dificuldade em dar o diagnóstico correto, uma vez que esse processo é complexo, principalmente para profissionais que não são da área de saúde mental. Por outro lado, não é possível garantir atendimento especializado a todos os pacientes. Estima-se que há apenas 3,7 psiquiatras para cada 100.000 pessoas no Brasil. Como resolver esse problema, então?
Um ensaio recentemente publicado na revista American Journal of Industrial Medicine sugeriu que, entre as ações fundamentais para abordar questões de saúde mental, estão aumentar o número e diversidade dos profissionais capacitados na prevenção e abordagem dessas condições e desenvolver uma diretriz para prevenir e controlar o seu impacto na qualidade de vida dos pacientes.
É exatamente esse o objetivo das linhas de cuidado, que são materiais que padronizam o atendimento aos pacientes com base nas melhores evidências disponíveis, abordando estratégias de prevenção, tratamento e reabilitação. Elas visam, de forma geral, orientar profissionais de saúde no cuidado com o paciente, estabelecendo um “percurso assistencial” de acordo com as diferentes necessidades dos indivíduos, reduzindo a variabilidade nas condutas e melhorando os desfechos clínicos. Mas, acima de tudo, elas promovem acesso à saúde e, por isso, as linhas de cuidado em saúde mental são tão importantes. Com elas, independentemente da especialidade médica e de onde esse médico trabalha, ele poderá ter acesso às melhores condutas de saúde mental.
As linhas de cuidado em saúde mental abrangem uma série de estratégias e modelos de atendimento. As principais abordagens incluem a customização de acordo com as necessidades de cada paciente, considerando a gravidade da sua condição atual, e a avaliação adequada com diagnóstico preciso possibilitando a elaboração de planos de tratamentos centrados nas pessoas. Os planos devem considerar, além de tratamentos medicamentosos, a medicina de estilo de vida, uma vez que isso impacta diretamente na melhora do paciente com transtorno mental.
É importante que as linhas de cuidado sejam multissetoriais e multiprofissionais. Como as condições mentais têm sido consideradas doenças do trabalho, é fundamental envolver diferentes stakeholders, como os planos de saúde, a área de segurança no trabalho, recursos humanos e sustentabilidade. Com frequência, as empresas adotam soluções pontuais com prestadores de serviços, mas no nosso atual contexto social, em que há fácil acesso a informações, inclusive falsas, é importante utilizarmos cada vez mais as evidências científicas e os conceitos consagrados pela literatura médica.
*por Dr. Alberto José Niituma Ogata, Doutor em Saúde Coletiva (USP) e Pesquisador associado do Centro de Estudos em Planejamento e Gestão em Saúde (FGV Saúde)