Setembro é o mês de conscientização da saúde mental. Apesar de esse ser um assunto para o ano todo, trazê-lo à tona com foco em seus desdobramentos e soluções pode ajudar muita gente a identificar problemas e buscar ajuda. Como perceber e auxiliar alguém que está em um estágio avançado da depressão? É o que conta Micarla Lins, empresária que passou por isso em 2016, inclusive com três tentativas contra a própria vida.
Micarla nasceu em Recife e foi criada em São Gonçalo, considerado um dos locais mais perigosos da região metropolitana do Rio de Janeiro. Vivia com o pai, pedreiro, e a mãe, dona de casa. Desde a adolescência, por se dedicar e gostar muito de estudar, sofria bullying na escola. Com o passar do tempo, aquela ‘zoação’ passou a agressão emocional e física. “Era muito difícil lidar com tudo aquilo. Queriam cortar meu cabelo, me bater, porque eu gostava de estudar, era a ‘nerd’ da classe”, relembra. A solução encontrada pela mãe foi mudar Micarla de escola, o que aconteceu mais de três vezes. “A escola de Niterói (RJ) foi onde consegui me encaixar, fazer amigos e me dar melhor, mas logo tivemos que mudar de casa, viemos para Cabreúva (SP) e eu sofri muito com a perda de amigos e daquele lugar onde havia me encontrado”.
Os pais de Micarla, por serem muito simples, não entendiam a dificuldade e a necessidade da menina em estudar. Fazer faculdade ainda era só um sonho impossível. “Aos 18 anos eu decidi sair de casa em busca de uma oportunidade de vida melhor e assim poder ingressar na faculdade, pois meus pais não queriam que eu estudasse, apenas trabalhasse. Essa decisão de morar sozinha foi um grande desafio, pois eu trabalhava e estudava simultaneamente. Tinha que me sustentar e não tinha ajuda nem apoio dos meus pais. Comecei nessa época a ter crises de pânico. Eu passava muito mal, fui parar várias vezes na emergência. A sensação era de que ia morrer”, conta.
Nessa fase, Micarla tentou buscar ajuda psicológica e médica, mas encontrou muitas barreiras. “Nem os profissionais de saúde do hospital estavam preparados para atender problemas mentais como a depressão e a síndrome do pânico. E eu não tinha opção de pagar por um psicólogo, além de mal conseguir comprar os remédios que eles receitavam. Tudo é muito demorado no tratamento público, além do preconceito que as pessoas têm com esse tipo de problema invisível. Cheguei a tomar sete comprimidos diferentes em uma fase”, relembra.
“E aí, de repente, uma publicação de rede social viralizou e tudo mudou”, lembra Micarla. O ano era 2016 e o post nas redes sociais da empresária trazia uma defesa sobre a comunicação sem preconceito linguístico. Ela compartilhou sua emoção ao receber uma mensagem escrita pelo pai, semianalfabeto, que no texto se desculpava por não saber escrever que a amava. Os internautas se emocionaram e a postagem viralizou, chegando a ser compartilhada milhares de vezes e repercutida pela mídia em matérias jornalísticas.
Mas o que poucos sabiam é que enquanto era um dos assuntos mais comentados nas redes sociais, Micarla enfrentava a depressão profunda que a levou a três tentativas de tirar a própria vida. “Eu não estava bem, tinha desistido de viver. Eu vesti uma máscara e fui falar do post, contar a história do meu pai e defender o que acreditava sem abrir a situação emocional que estava passando. Depois de toda a repercussão eu sumi de todas as plataformas, deletei minhas contas e me fechei ainda mais. Na universidade recusaram meu pedido de atendimento psicológico porque eu ‘parecia bem na mídia então não podia estar com depressão’ e isso foi realmente um baque muito grande”, afirma.
Desse episódio, Micarla tirou mais uma lição: depressão não tem rosto nem aparência. “Se você convive com alguém que tem, preste atenção nas falas da pessoa, mesmo que pareçam brincadeira, podem demonstrar o um pedido de socorro”, alerta. Ela mesma brincava com os colegas que já tinha cansado de viver, que não queria mais estar ali.
Depois da terceira tentativa contra a própria vida, ela se deu conta de que se não mudasse os pilares e se motivasse não sairia da depressão e não se livraria tão cedo dos remédios que tomava para controlar seu emocional. “Uma amiga sentiu minha falta e mandou os Bombeiros no meu apartamento. Tiveram que me reanimar, eu quase ‘consegui’. Os médicos no hospital não acreditavam que eu tivesse conseguido sobreviver”, relembra emocionada.
E foi então que ela percebeu o despreparo das pessoas em lidar com sobreviventes. “Ninguém sabia como me tratar, o que falar, alguns me culpavam, outros me olhavam como uma bomba-relógio. Muita gente falava que a vida é bela e eu tinha que viver, como se fosse uma escolha minha, como se fosse fácil virar essa chave em mim”.
Foi quando ela entendeu que, se de fato quisesse sair disso, teria que mudar todos os aspectos da vida, buscar inspirações, ler, se informar e traçar objetivos claros. “Mesmo com todos esses obstáculos, eu ganhei uma determinação inabalável, afinal eu sobrevivi por um milagre e isso me fez seguir minha jornada de autoconhecimento em busca do meu propósito, o que me levou a ser a primeira mulher brasileira a ganhar um torneio na modalidade de oratória e argumentação”, explica.
Em janeiro de 2022, Micarla saiu de seu antigo trabalho como estagiária de marketing, recebendo um salário modesto, e tomou a corajosa decisão de empreender na comunicação assertiva. “Em pouco mais de um ano, minha vida se transformou e me tornei uma palestrante do TEDx, abordando o papel da voz das mulheres na comunicação. Também recebi um convite para palestrar em um congresso de empreendedorismo feminino em Dubai”, orgulha-se.
“Apesar de minhas conquistas materiais, meu principal propósito é o de lutar contra o preconceito linguístico, pois essa é uma batalha pessoal que me motiva a compartilhar a história de meu pai e ser uma voz ativa na defesa do respeito e valorização da comunicação positiva. Além disso, quero ensinar as pessoas a terem uma comunicação influente e persuasiva, para que sejam vistas como autoridade e assim consigam multiplicar seus ganhos financeiros, já que a habilidade na comunicação é treinável e abre muitas portas no mercado de trabalho e na vida pessoal”, finaliza Micarla.
Micarla Lins – Campeã de oratória, palestrante internacional, TEDX Speaker e primeira mulher a ser Juíza-Chefe do Campeonato Mundial de Debates em Espanhol, Micarla é referência em comunicação e oratória para mulheres, mentoreando desde empresárias multimilionárias a influencers com milhões de seguidores. Em 2016, acabou viralizando com um post sobre a declaração de amor de seu pai com erros de português e sua defesa de que não é necessário escrever perfeitamente para se comunicar e emocionar. Apaixonada pela vida, superou uma depressão profunda e está sempre buscando oportunidades de fazer a diferença. Hoje sua missão é ajudar outras mulheres a perderem o medo de falar em público, desbloquearem seu potencial de comunicação e contarem suas histórias de maneira autêntica e inesquecível. @micarla