É o básico, porém muitos de nossos políticos, ocupantes de cargos de comando nos poderes Executivo e Legislativo precisam ser periodicamente lembrados de que as escolhas democráticas do povo brasileiro nas urnas não terminam no dia seguinte ao de suas posses.
Ao contrário do que muitos deles pensam, a posse é meramente o início de suas obrigações de servir à população com ética, honestidade e competência, além do dever de prestar contas aos cidadãos que o elegeram, fazendo-o não somente durante o período eleitoral, quando se candidatam a novos mandatos.
Isso tudo precisa ser reavivado, de tempos em tempos, porque nossos políticos parecem se esquecer disso logo que se sentam na cadeira do poder, assim como, passados poucos meses da eleição a maioria dos eleitores sequer se lembra em quem votou como seu representante no Congresso Nacional. É grave.
Da mesma forma, é indefensável a permanência do fundo eleitoral, nos moldes atuais, com a grandiosidade financeira de cerca de R$ 5 bilhões para financiar as campanhas dos políticos. Trata-se de mais uma imperfeição do sistema brasileiro, à qual se soma o Horário Eleitoral Gratuito, cuja gratuidade é apenas para os partidos e para os políticos, porque o tempo de exibição no rádio e na televisão custa caro e é custeado com recursos de tributos arrecadados de toda a população, inclusive daqueles com rendimento inferior a um salário-mínimo.
Hoje, o bilionário Fundo Eleitoral, baseado no cumprimento da legislação vigente, tem em seu rateio 2% distribuídos de forma igual a cada um dos 29 partidos, representando R$ 3.421.395,54 por legenda e totalizando R$ 99.230.395,54. O rateio reserva outros 35% para distribuição proporcional ao número de votos de cada partido na Câmara de Deputados. São, atualmente, R$ 1.736.531.921,95 distribuídos por 20 partidos, pois nove não tiveram votos suficientes para garantir ao menos uma cadeira na Câmara de Deputados. E dessa parcela de 35%, a maior parte (67%) fica com os sete maiores partidos (PL, PT, União Brasil, PSD, PP, MDB e Republicanos), beneficiados com as maiores verbas em 2024.
Quase metade (48%) do valor do fundo, é distribuído em função das bancadas dos respectivos partidos na Câmara dos deputados (inclusive incorporações e fusões) e totalizou em 2024 R$ 2.381.529.492,96. Novamente os sete maiores partidos foram os mais aquinhoados: ficaram com R$ 1,84 bilhão, o correspondente a cerca de 78% dessa fatia.
Finalmente, outros 15% restantes do fundo (R$ 744.227.966,55) são definidos em função da bancada no Senado, e, pelos critérios em vigor, os mesmos sete partidos foram aquinhoados com quase 75% do total desta parcela.
Como pouco é divulgado no período eleitoral acerca da expressividade do valor dos fundos, a população não se dá conta de que apenas sete partidos políticos detêm cerca de um terço (74% a 75%) do valor total. É óbvio que dificilmente os postulantes à Presidência da República, aos governos estaduais e às Prefeituras das grandes capitais serão lançados candidatos sem a aprovação dos dirigentes dos sete maiores partidos. Uma definição que remete à época da escolha dos donatários das capitanias hereditárias, nas primeiras décadas do Brasil Colônia.
Cabe, portanto, um apelo direto às redes de comunicação, aos profissionais de jornalismo, radialistas, redes sociais, blogueiros, e influencers: o Brasil precisa muito de todos eles para levar esclarecimento sobre essa situação às parcelas mais pobre e menos escolarizada da população, ensinando que o cidadão, quando prioriza o voto para um deputado ou senador de um determinado partido, está aumentando muito a chance de eleger um prefeito, um governador e um presidente da República daquele mesmo partido ou de sua coligação, com maior probabilidade de ele ser filiado a uma das sete grandes legendas dominantes: PL, PT, União Brasil, PSD, PP, MDB, e Republicanos.
É preciso valorizar mais e mais o Poder Legislativo, dignificar nossas escolhas que são tão importantes quanto à eleição do presidente da República ou de um governador. Necessária a consciência de que, ao eleger um parlamentar, está se abrindo uma grande janela para a escolha de candidato a presidente da República, governador ou prefeito das grandes capitais, pois a bancada é que dita quanto o partido recebe do fundo eleitoral.
Para que o Brasil tome o rumo definitivo na direção do bem-estar da sociedade, é fundamental que a população faça enfática cobrança junto aos nossos políticos pelo fim da reeleição, pela mudança legislativa para tornar imprescritíveis os crimes praticados contra a administração pública e para a volta da prisão após condenação por decisão colegiada em segunda instância. Esses são os pré-requisitos para garantir novo rumo ao país e dar o pontapé inicial na luta pelo fim da corrupção.
Ao contrário do que muita gente imagina, o Brasil não tem problemas financeiros capazes de incapacitar seu desenvolvimento. Este é um país rico em recursos naturais e em recursos humanos, com profissionais muito capacitados em todas as áreas, inclusive em tecnologia de ponta. Os maiores problemas brasileiros são de origem ética e política, agravados pela impunidade que transmite ao cidadão a falsa sensação de que não vale a pena ser honesto. Alterar esse quadro depende muito de um Congresso fortalecido por meio de deputados e senadores qualificados, sérios e comprometidos, com amplo apoio popular.
*Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br