O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria nesta quarta-feira (11) para responsabilizar civilmente redes sociais por conteúdo considerado ilegal publicado por usuários. A medida, considerada histórica, pode remodelar a atuação das plataformas digitais no Brasil e reacende o debate sobre os limites da liberdade de expressão e os riscos de censura.
Com seis votos favoráveis de um total de onze, a Corte decidiu que empresas como Meta (Facebook, Instagram), Google (YouTube), X (antigo Twitter) e TikTok poderão ser punidas mesmo sem decisão judicial prévia, caso não removam de forma proativa conteúdos considerados ilegais.
Decisão altera interpretação do Marco Civil da Internet
Até então, o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) previa que as plataformas só seriam responsabilizadas se descumprissem ordem judicial de remoção. Com a nova interpretação, o STF entende que, diante da notificação de conteúdo claramente ilícito — como discurso de ódio, apologia ao crime ou pornografia infantil — as empresas deverão agir imediatamente, sob pena de responsabilização.
Segundo o relator da ação, ministro Dias Toffoli, o antigo entendimento permitia a manutenção de “conteúdos sabidamente ilícitos sob a falsa proteção da liberdade de expressão”. Toffoli foi seguido por Luiz Fux, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes e o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso.
Gilmar Mendes classificou o atual cenário como um “vale-tudo digital”, no qual empresas lucram com engajamento gerado por desinformação e discurso de ódio, e considerou o julgamento um “marco para a civilização digital”.
Voto contrário alerta para risco de censura
O único voto divergente até o momento veio do ministro André Mendonça, que se posicionou contra a responsabilização automática. Para ele, exigir que plataformas removam conteúdo sem decisão judicial pode gerar censura privada, prejudicando o debate público e a liberdade de expressão, além de favorecer grandes empresas em detrimento de plataformas menores, incapazes de moderar conteúdo em larga escala.
Mendonça também destacou que o Congresso Nacional é o foro adequado para decidir alterações estruturais no Marco Civil da Internet, e não o Judiciário.
Reações e consequências
A decisão do STF causou repercussão imediata no setor de tecnologia. Representantes das plataformas digitais alertaram que a nova interpretação pode levá-las a adotar uma postura mais conservadora, removendo conteúdo por precaução e prejudicando a pluralidade de opiniões.
Juristas e defensores da liberdade de expressão manifestaram preocupação com o que chamaram de “censura prévia indireta”, uma vez que empresas privadas passariam a decidir, sob risco de multa ou responsabilização, quais conteúdos devem ou não permanecer online.
Por outro lado, entidades da sociedade civil que atuam no combate à desinformação e à violência digital elogiaram a decisão, considerando-a um avanço na proteção de direitos fundamentais e no enfrentamento à proliferação de crimes virtuais.
Julgamento ainda não foi concluído
Apesar da formação de maioria, o julgamento ainda não está encerrado. Faltam os votos dos ministros Edson Fachin, Cristiano Zanin, Nunes Marques e Rosa Weber (aposentada, mas com voto eventualmente resgatável em razão de pedido de destaque anterior). A expectativa é que o resultado seja consolidado nos próximos dias.
Impacto legislativo e futuro das redes
A decisão do Supremo deve influenciar diretamente o andamento de projetos de lei no Congresso, como o polêmico PL das Fake News (PL 2630/2020), que também trata da responsabilização de plataformas e da transparência nos algoritmos. Parlamentares contrários à decisão do STF prometem apresentar propostas para restringir os efeitos da interpretação judicial.
Enquanto isso, as redes sociais operando no Brasil terão de rever suas políticas internas de moderação e investir em mecanismos preventivos mais eficazes, sob o risco de responderem na Justiça por omissão diante de conteúdo ilegal.
A decisão do STF marca um novo capítulo na regulação das plataformas digitais no país. Para alguns, trata-se de uma medida essencial para proteger a democracia e os direitos fundamentais; para outros, um precedente perigoso para a liberdade de expressão e a neutralidade da rede. O debate sobre censura, responsabilidade e regulação digital está apenas começando.