Por Robério Braga*
Depois de navegar em águas mansas e águas revoltas, barrentas e negras, desde o serpentear do seu rio Juruá, Amazonino Mendes iniciou o singrar em águas azuis e serenas que conduzem seu barco e o encaminham para os paramos elevados da mansidão que todos esperamos alcançar, sob a guarda de anjos e cânticos que ajudarão no despertar do espírito para a continuidade da vida, depois de muitas lutas que redundaram em vitórias, alegrias e doídas decepções.
Tendo sido daqueles que cumpriram até o último suspiro a missão a que dedicaram inteiramente na passagem terrena, não descansou as armas nem teve repouso como guerreiro, muito menos abandonou os sonhos e as esperanças que o animaram por muitas luas, desde jovem estudante, orador vibrante e líder inconteste. Foi abrindo caminhos, firmando estacas, fortalecendo o corpo e aprendendo a enfrentar desafios que foi perdendo e vencendo.
Os primeiros anos juvenis pareciam sinalizar o destino da culminância de sua carreira política. Diga-se política, na acepção mais ampla que se possa configurar, sobretudo transformadora, muitas vezes audaciosamente transformadora e propugnadora, capaz de aspirar um mundo melhor para todos. Há de ter aprendido, logo nesse tempo antigo, como contribuir de forma efetiva para que esse mundo sonhado se tornasse mais próximo da realidade de cada pessoa e que, para tanto, seria preciso sair do discurso inflamado e da agitação social voltando-se para a prática do cotidiano. Depois, há de ter descoberto que somente o bom exercício do poder constituído pela liberdade democrática – somente ele – seria capaz de promover essas realizações e a de muitos de sua geração e de cada um dos seus compatrícios.
E foi assim que, posto diante das responsabilidades augustas de governar, sentindo-se responsável pelo que cativara em seu coração e na alma de muitos amazônidas, se manteve firme nos propósitos que encantaram a sua juventude: dividir o pão; alargar o alcance da justiça social; abrir portas e oportunidades; permitir que os seus governados sonhassem como ele sonhou, e, mais que isso, conseguissem chegar ao topo de suas aspirações.
Por isso tantas realizações em seus mandatos políticos, tantas conquistas, incontáveis vitórias invisíveis aos olhos comuns porque ínsitas na intimidade de milhares de cidadãos e cidadãs de todas as idades e condições socioeconômicas, seja por haver satisfeito o leite para o filho, conferido o “direito a vida”, imposto a dignidade ao trabalho, permitido a glória da escolarização em língua nacional para os indígenas, posto a eloquência dos bens culturais e artísticos à disposição de quantos desejassem deles usufruir e com eles buscarem a realização pessoal, oferecido a possibilidade da satisfação de graduação em curso superior seguida de outros títulos acadêmicos que se encontram, também, em casas humildes de rios e barrancas.
Mais do que isso, aquilo que não se contém em edificações de concreto – que fez às fartas concedendo emprego e condições de vida a muitos homens e mulheres e modificando paisagens urbanas de nossa terra -, foi com seu idealismo, ânimo realizador e firmeza na condução de políticas públicas que carregou consigo as gerações antigas que clamavam por letramento e alfabetização e os pequenos que esperavam o alimento na tapera mais simples, assim como fez os artistas valorizados e despertou novos para essa senda de felicidade. Além de tanto, se impôs nacionalmente na defesa dos nossos direitos ao desenvolvimento. Não cedeu espaço nem mesmo para viver por si e para si só – dedicou-se de corpo e alma ao cumprimento da missão que desejava e o povo lhe conferiu muitas vezes.
Despediu-se sem dizer adeus nem até breve. O fez em silêncio como os que sabem que devem partir, mas não podem revelar que a hora se aproxima. Manteve-se de pé na trincheira que escolhera e na qual esgrimava com maestria. E a última palavra que me dirigiu há poucos dias, foi para dizer que estava saudoso, tal como acaba de deixar o Amazonas inteiro: saudoso.
Que siga em águas azuis pelo tanto que gostava de navegar e pelo muito que fez.
*O autor é advogado, historiador, e foi auxiliar de Amazonino como secretário de Estado por mais de 20 anos