Episódios de tragédias e perdas significativas frequentemente provocam profundas reflexões e questionamentos na sociedade. Ao mesmo tempo, esses eventos desafiam pais, educadores e profissionais a desenvolverem abordagens adequadas e sensíveis para conversar sobre a morte e o processo do luto com crianças e adolescentes. A resistência ao diálogo sobre esse tema ainda é uma realidade, assim como evidencia uma pesquisa da University College London, realizada em 26 países, incluindo o Brasil, que revela que 63% dos pais com filhos entre 5 e 10 anos nunca conversaram com suas crianças sobre a morte.
O recente acidente aéreo envolvendo um avião, com 58 passageiros e quatro tripulantes, totalizando 62 pessoas a bordo, que caiu em um condomínio em Vinhedo (SP), sem deixar sobreviventes, teve um grande impacto no Brasil e no exterior, ganhando manchetes. Da mesma forma, as chuvas no Rio Grande do Sul, que atingiram mais de 90% das cidades do estado e resultaram em um alto número de mortos e desabrigados, mobilizaram o país em uma grande onda de solidariedade.
Esses e outros episódios pedem uma abordagem cuidadosa na forma como a informação é transmitida. Ao lidar com o luto, especialmente em relação a crianças, é fundamental considerar a idade, sua capacidade de compreensão e a linha de crença em que está inserida, que pode variar amplamente, incluindo a visão de que não há vida após a morte, por exemplo. Em tais contextos, recursos lúdicos são úteis, como a metáfora comum de que o ente querido “se tornou uma estrela”, pois oferecem uma forma simplificada de comunicação. Além disso, é recomendável ajudar a criança a identificar e nomear seus sentimentos gradualmente, como tristeza, raiva e choro, para que ela possa entender e expressar suas emoções.
Independentemente da realidade em que a criança ou adolescente se encontram, a honestidade na comunicação é essencial. Cada pessoa expressa sua dor de maneira única, e por isso, é crucial contar com uma rede de apoio que ofereça empatia e um ambiente seguro para que possam compartilhar seu sofrimento sem julgamentos.
Esses casos geralmente ganham rápida repercussão e recebem ampla cobertura nos meios de comunicação, especialmente nas redes sociais, que estão facilmente acessíveis às crianças através de dispositivos eletrônicos. De acordo com uma pesquisa da Opinion Box, 61% das crianças brasileiras de 0 a 3 anos têm acesso a smartphones, e 12% já possuem seus próprios aparelhos. Muitas vezes, as crianças não possuem a maturidade emocional e psicológica para lidar com o volume de informações sobre tragédias veiculadas nos diferentes meios. Portanto, é fundamental evitar que elas sejam expostas a esses conteúdos, protegendo-as de uma exposição que pode ser prejudicial e difícil de processar.
No campo educacional, é importante que as escolas e seus profissionais também estejam atentos aos comportamentos das crianças e adolescentes em relação ao luto, como isolamento, negação ou uma postura afetiva distante. Esses sinais devem ser observados e abordados em colaboração com a rede de apoio, garantindo um suporte integrado. Para isso, a literatura oferece uma rica variedade de recursos, exemplificados por obras como “O vovô não vai voltar? Trabalhando o luto com crianças”, de Carmen Beatriz Neufeld; “Quando a saudade brilhar”, de Gabriela Marcondes; e “Quando as coisas desacontecem”, de Alessandra Roscoe e Odilon Moraes.
A seguir, algumas dicas para uma comunicação saudável durante o processo de luto:
- Permita que a criança ou adolescente expressem seus sentimentos e preocupações;
- Ofereça informações claras e adequadas à idade sobre o que aconteceu;
- Entenda e respeite o contexto religioso ou de crença da família em que a criança está inserida;
- Reconheça e aceite as emoções sem julgamento;
- Esteja presente e disponível para conversas e conforto;
- Use atividades criativas como desenho ou escrita para ajudar a expressar o luto;
- Busque apoio na literatura especializada sobre o tema.
*por Fernanda é pedagoga com pós-graduação em Desenvolvimento Infantil, tendo formação especializada em educação infantil na Itália (metodologia Reggio Emília) e Argentina, é diretora e fundadora da Escola Infantil Petit Kids. Apesar de ter começado sua carreira como publicitária, profissão que trouxe essa carioca para São Paulo, a maternidade a fez mudar de profissão. Abriu sua própria escola em fevereiro de 2015 com o propósito de educar sua filha de forma mais humanizada. Daí passou a estudar a nova área, se tornando além de mantenedora escolar, uma diretora engajada na busca de uma forma de educar afetiva e acolhedora.