O norte da Faixa de Gaza foi atingido durante a noite de sexta-feira (27/10) “em uma escala que nunca vimos antes”, disse o repórter da BBC no território, Rushdi Abualouf, em meio ao bombardeio mais pesado de Israel desde o início do atual conflito com o Hamas.
Imagens mostram um cenário de completa destruição.
A comunicação foi cortada em Gaza, lar de 2,3 milhões de palestinos, o que dificulta saber, na prática, o que está acontecendo.
Cerca de 100 aviões de combate foram usados na operação, descrita por Israel como “invasão limitada”.
Na manhã deste sábado (28/10), o porta-voz das Forças de Defesa de Israel, Daniel Hagari, afirmou que os militares israelenses estavam “combatendo um inimigo mais fraco”.
Ele confirmou que as tropas entraram no norte de Gaza durante a noite, acrescentando que as forças “ainda estavam no campo”.
Segundo Hagari, vários comandantes do Hamas foram mortos durante a noite como parte da ofensiva ampliada.
Ele acrescentou que caminhões de ajuda humanitária entrarão hoje em Gaza carregando alimentos e água.
Também informou que houve 311 mortes de militares israelenses desde o ataque do Hamas em 7 de outubro e que baixas foram sofridas durante as operações noturnas.
Hagari confirmou ainda que 229 pessoas são mantidas como reféns em Gaza.
Segundo ele, “estamos trabalhando para atingir os objetivos que estabelecemos para nós mesmos e que foram definidos para nós. A dissolução do Hamas, a segurança das fronteiras e um esforço nacional para trazer de volta os sequestrados.”
Sobre o destino dos reféns, Hagari disse que “trazer de volta os sequestrados para casa é um esforço nacional supremo. E todas as nossas atividades, operacionais e de inteligência, visam atingir o objetivo”.
Num comunicado divulgado na manhã deste sábado, as famílias dos reféns fizeram um apelo ao ministro da defesa israelense e aos membros do gabinete de guerra para se reunirem com eles imediatamente.
“Esta noite foi a mais terrível de todas as noites. Foi uma noite longa e sem dormir, tendo como pano de fundo a grande operação das Forças de Defesa de Israel na faixa, e a absoluta incerteza quanto ao destino dos reféns ali detidos, que também foram sujeitos ao pesado bombardeios”.
O comunicado acrescenta que a operação terrestre põe em perigo o bem-estar dos 229 reféns em Gaza.
“As famílias estão preocupadas com o destino de seus entes queridos e aguardam uma explicação. Cada minuto parece uma eternidade. Exigimos que o ministro da Defesa, Yoav Gallant, e os membros do gabinete de guerra se reúnam conosco esta manhã!”
Na noite de sexta-feira, questionado se os ataques significavam a concretização do plano de invadir Gaza por terra, anunciado em 15 de outubro, o porta-voz do governo de Israel Eylon Levy tergiversou.
“Israel expandiu a operação terrestre na Faixa de Gaza, mas, além disso, não vou comentar questões operacionais”, disse Levy.
Por volta de 2h da manhã de sábado (28) no horário de Brasília, as forças israelenses afirmaram ter matado o líder das operações aéreas do Hamas, Asem Abu Rakaba. Ele teria liderado o uso de drones e parapentes no ataque a Israel em 7 de outubro.
Enquanto isso, antecipando uma possível expansão do conflito para outros países, o Departamento de Estado dos EUA orientou na sexta-feira os seus cidadãos a deixarem o Líbano enquanto há voos comerciais disponíveis, “devido à situação de segurança imprevisível”.
Disparos entre as forças israelenses e o poderoso grupo xiita libanês Hezbollah têm se intensificado dia após dia. Israel colocou soldados e equipamentos militares na região de sua fronteira com o Líbano e evacuou dezenas de milhares de civis que ali viviam.
Na rede social X (antigo Twitter), o Departamento de Estado afirmou: “Não há garantia de que o governo dos EUA irá evacuar cidadãos americanos e seus familiares em uma situação de crise.”
Foto: EPA
‘Forças estão expandindo atividade terrestre’
Na sexta-feira, Israel disse que expandiria as atividades em terra.
“Nas últimas horas, aumentamos os ataques em Gaza. A Força Aérea ataca amplamente alvos subterrâneos e infraestruturas terroristas, de forma muito significativa”, disse o porta-voz Hagari, das Forças de Defesa de Israel.
“Na continuação da atividade ofensiva que realizamos nos últimos dias, as forças terrestres estão expandindo a atividade esta noite”, acrescentou.
Na ocasião, Hagari pediu mais uma vez que a população da Cidade de Gaza deixasse a região em direção ao sul do território.
Segundo ele, os moradores da Cidade de Gaza deveriam buscar “condições mais seguras”, já que as IDF “persistiriam” com ataques à cidade e seus arredores.
Ele fez referência específica ao hospital Al Shifa, que disse estar sendo usado para “atividades terroristas”.
Anteriormente, em outro pronunciamento, Hagari alegou que o Hamas estava utilizando o hospital como escudo para túneis subterrâneos e centros de comando. O Hamas negou esta acusação.
Al Shifa é o maior hospital da Faixa de Gaza.
Milhares de pessoas desalojadas estão abrigadas em hospitais de Gaza, incluindo no Al Shifa.
Segundo o editor internacional da BBC Jeremy Bowen, as negociações conduzidas pelo Catar entre Israel e o Hamas estavam progredindo, “chegando perto de um acordo para a libertação de reféns e talvez para algum tipo de cessar-fogo ou trégua humanitária”.
Entretanto, a “expansão” das operações de Israel na sexta-feira interrompeu o processo.
“Com tanques e soldados israelenses prontos para entrar em Gaza, não parece haver muita esperança na retomada [das negociações] enquanto essa ofensiva está acontecendo”, afirmou Bowen.
Resolução da ONU
Na tarde desta sexta-feira, a Assembleia Geral da ONU aprovou uma resolução pedindo por uma trégua humanitária imediata em Gaza.
A resolução — apresentada pela Jordânia em nome do grupo de países árabes — também condenou todos os atos de violência contra civis palestinos e israelenses, incluindo todos os “ataques terroristas e indiscriminados”.
O texto também pediu a imediata libertação dos reféns mantidos pelo Hamas em Gaza, mas não faz menção específica aos ataques de 7 de outubro contra Israel
Foram 120 votos a favor, incluindo o do Brasil, 14 contra e 45 abstenções.
Israel reagiu fortemente à resolução.
“Hoje é um dia que será considerado infame. Todos nós testemunhamos que a ONU já não detém nem um pingo de legitimidade ou relevância”, disse o embaixador de Israel na ONU, Gilad Erdan, acrescentando que seu país vai usar “todos os meios” para combater o Hamas.
As resoluções da Assembleia Geral não têm cumprimento obrigatório, mas têm peso moral devido à universalidade dos seus membros.
O secretário-geral da ONU, António Gueterres, também fez um apelo por um cessar-fogo no X, dizendo que “este é o momento da verdade”.
“Repito meu apelo por um cessar-fogo humanitário no Médio Oriente, pela libertação incondicional de todos os reféns e pela entrega de suprimentos vitais na escala necessária. Todos devem assumir suas responsabilidades. Este é o momento da verdade. A história julgará todos nós”, escreveu.
O Brasil foi um dos países que aprovou a resolução da ONU nesta sexta-feira.
Durante café da manhã com jornalistas, no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que é “insanidade” do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, querer acabar com a Faixa de Gaza.
“O ato do Hamas foi terrorista, que não é possível fazer um ataque, matar inocentes, sequestrar gente da forma que eles fizeram, sem medir as consequências do que acontece depois. Porque, agora, o que nós temos é a insanidade do primeiro-ministro de Israel querendo acabar com a Faixa de Gaza, se esquecendo que lá não tem só soldado do Hamas, que lá tem mulheres e crianças, que são as grandes vítimas dessa guerra”, disse Lula.
O presidente explicou que o Brasil não reconhece o Hamas como organização terrorista porque o país segue as avaliações do Conselho de Segurança da ONU.
“A posição nossa é clara. Toda guerra não tem apenas um culpado, ou um mais culpado.”
Sem contato
Há diversos relatos sobre a dificuldade de comunicação com as pessoas na Faixa de Gaza.
O Hamas afirmou que as telecomunicações no território foram quase completamente cortadas.
A Paltel, a Empresa de Telecomunicações da Palestina, divulgou um comunicado nas redes sociais confirmando a “interrupção completa de todos os serviços de comunicação e internet com a Faixa de Gaza”.
Em nota, Deborah Brown, pesquisadora da ONG Human Rights Watch, disse que o “apagão” nas telecomunicações “traz o risco de acobertar atrocidades em massa e de contribuir para a impunidade de violações de direitos humanos”.
Os Médicos Sem Fronteiras e o Crescente Vermelho Palestino divulgaram que perderam o contato com alguns membros de suas equipes em Gaza.
“Estamos profundamente preocupados com a capacidade das nossas equipes em continuar a prestar os seus serviços médicos de emergência, especialmente porque este conflito afeta o número central de emergência ‘101’ e dificulta a chegada de veículos e ambulâncias aos feridos”, disse o Crescente Vermelho Palestino em um comunicado.
A organização afirma estar também preocupada com a segurança das suas equipes que trabalham na Faixa de Gaza e faz um apelo ao mundo para “exercer pressão sobre as autoridades israelenses para fornecerem proteção imediata a civis inocentes, instalações médicas e às nossas equipes”.
Outra organização humanitária, a ActionAid, também disse perdeu contato com os seus funcionários em Gaza.
“O apagão isola a população, tornando quase impossível que procurem ajuda, partilhem as suas histórias ou mantenham contato com os seus entes queridos.”
“Este isolamento aprofunda o sofrimento daqueles que já enfrentam uma grave crise humanitária no meio de um aumento no bombardeamento aéreo de civis”, afirmou a ONG em um comunicado.
Baseada em Jerusalém, a repórter da BBC Alice Cuddy afirmou que na sexta-feira conseguiu falar com contatos seus em Gaza mas, à noite, suas ligações e mensagens não pareciam chegar ao território palestino.
A maioria das pessoas com quem Cuddy vinha falando estava abrigada em Khan Yunis, após ter fugido de suas próprias casas em outros lugares. Mas uma família que vive na parte central de Gaza contou à repórter mais cedo que tinha optado por não deixar sua casa por enquanto.
“Continuaremos morando aqui até encontrarmos uma maneira segura de sair”, disse o pai pelo telefone de sua casa, cujas janelas e portas foram destruídas após ataques a edifícios próximos.
“Estamos em uma situação muito miserável. Principalmente as crianças, elas têm medo.”
O repórter Mehdi Musawi, da BBC Árabe em Londres, também afirma ter tido dificuldades de falar com suas fontes em Gaza durante todo o dia.
“No início da noite, todas as linhas de comunicação estavam fora do ar. E então, imagens ao vivo de Gaza mostraram escuridão total, exceto por flashes e bolas de fogo à distância”, diz Musawi.
“Enviei uma enxurrada de mensagens para as pessoas com quem havia falado antes, mas nenhuma resposta veio, nem mesmo um duplo visto para confirmar o recebimento.”
O conflito
O grupo palestino Hamas, que controla a Faixa de Gaza, lançou em 7 de outubro um ataque surpresa a Israel, matando mais de 1.400 e capturando reféns.
Israel reagiu com bombardeios que já mataram mais de 7.000 pessoas, segundo o Ministério da Saúde em Gaza controlado pelo Hamas.
Em 14 de outubro, as forças israelenses anunciaram para breve uma ofensiva ainda maior por ar, terra e mar contra o território.
Israel também deu um ultimato aos moradores no norte da Faixa de Gaza — cerca de 1,1 milhão de pessoas — para se deslocarem para o sul do território.
Esse prazo, estendido algumas vezes, expirou no dia 15 de outubro.
O norte de Gaza — que inclui a Cidade de Gaza e dois campos de refugiados — é uma das partes mais densamente povoadas do território.
Na ocasião, o Hamas disse aos civis que ignorassem a ordem de evacuação, descrevendo-a como “propaganda falsa”.
No entanto, milhares de palestinos obedeceram à ordem de Israel e abandonaram suas casas.
Apesar disso, Israel bombardeou e continua bombardeando várias localidades no sul do território.
Segundo a agência da ONU para os refugiados palestinos, a situação no sul de Gaza é tão ruim que alguns civis estão voltando para o norte.
O ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, disse que a campanha militar em Gaza “pode levar um mês, dois ou três, mas no final não haverá mais Hamas”.
Por BBC News Brasil