O diretor de Relações Públicas do Tribunal Penal Internacional (TPI), Fadi El Abdallah, afirmou que os países que integram a corte assumiram um compromisso de combater a impunidade e que é importante o Brasil continuar reconhecendo a sua jurisdição.
El Abdallah lembrou que cada país é soberano para decidir fazer parte ou não da corte internacional, mas afirmou que “quando um estado adere (ao TPI), então esse estado está enviando uma mensagem firme a todo o mundo de que não vai permitir que crimes muito graves fiquem impunes, tenham sido esses crimes cometidos no seu território ou em outros territórios onde a jurisdição do TPI é aplicável”.
Segundo o diretor do TPI, os estados-membros apoiam “a justiça que defende as vítimas e não aceitam a impunidade dos perpetradores de crimes horríveis”.
“Quando um estado adere à corte, isso também significa que este estado acredita no direito internacional e deseja que as relações a nível internacional sejam reguladas pela lei, e não por outras formas”, disse ele.
Na opinião do diretor, fazer parte da corte também permite que os países membros “tenham os seus próprios pontos de vista refletidos no direito internacional, e especificamente no direito penal internacional, para ajudar a moldar a forma como este direito penal internacional será desenvolvido no futuro”.
Polêmica de Lula sobre o tribunal
El Abdallah concedeu uma entrevista exclusiva depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter afirmado que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, não seria preso se fosse ao Brasil –apesar de o tribunal ter expedido um mandado de prisão por crimes de guerra contra o líder russo.
Como um dos 123 países que reconhecem a jurisdição da corte internacional, no entanto, o Brasil teria a obrigação de prender o presidente russo.
A polêmica aumentou ainda mais quando o presidente Lula tentou consertar a situação, mas acabou questionando a participação do Brasil no tribunal. “Quero muito estudar essa questão deste Tribunal Penal, porque os Estados Unidos não são signatários dele, a Rússia não é signatária dele. Então, eu quero saber por que o Brasil é signatário de um tribunal que os EUA não aceitam. Por que somos inferiores e temos de aceitar uma coisa?”, disse o presidente.
Além disso, o ministro da Justiça, Flávio Dino, ele mesmo um ex-juiz federal, criticou o tribunal, dizendo que a diplomacia brasileira pode rever a adesão do país ao TPI.
Dino afirmou que o tribunal sofre de “desbalanceamento” porque algumas potências como China, Rússia e Estados Unidos não reconhecem suas decisões.
Tanto Lula como Dino, no entanto, esqueceram de dizer que outras nações muito importantes são integrantes da corte e têm políticas fortes de respeito aos direitos humanos, como Alemanha, Canadá, Japão, França e Reino Unido (esses dois últimos, membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU).
Também não lembraram que o Brasil apoiou muito a formação do tribunal, que teve sua primeira sessão em 2002, e já contou, inclusive, com uma juíza brasileira, Sylvia Steiner.
As declarações de Lula causaram polêmica, especialmente na Europa, onde foram interpretadas como um apoio velado ao líder russo –além de uma afronta a um acordo internacional importante do qual é signatário, situação que fica pior ainda quando se lembra que o Brasil vai assumir a presidência do G20 em dezembro deste ano.
Como funciona o tribunal
Diplomaticamente, El Abdallah evitou responder diretamente ao presidente brasileiro, mas lembrou das obrigações do Brasil com relação à corte.
“Eu não vou comentar diretamente o que o presidente Lula disse, mas acho que é uma boa oportunidade para explicar ao público em geral no Brasil como funciona o TPI e quais são as obrigações do Brasil sob o direito internacional. E porque ele é importante para o Brasil e para o direito internacional em geral, para continuar a ter o apoio da sua nação”.
O diretor lembrou que o TPI é um tribunal permanente que foi criado para investigar e, quando necessário, processar indivíduos (e não Estados) quando há acusações relacionadas a crimes específicos: crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio.
Além disso, a corte não substitui os tribunais nacionais, mas os complementa. Só é acionado quando os tribunais nacionais são incapazes ou não conseguem fazer o seu trabalho.
“É um tribunal que foi criado por um tratado. Não faz parte das Nações Unidas, não vem com uma jurisdição universal sobre o mundo inteiro. É baseado em tratado (o Estatuto de Roma), o que significa que os estados podem decidir de forma soberana aderir ou não a este tratado”, lembrou ele.
El Abdallah, no entanto, lembrou que o Brasil é “um dos membros deste tratado e, com isso, concordou com um conjunto de obrigações de cooperar com o tribunal dentro da estrutura legal do tribunal”, disse ele sobre a responsabilidade de o Brasil prender Putin caso ele visite o país.
O diretor lembrou ainda que “o Brasil contribuiu em grande parte, inclusive com a presença de juízes do Brasil servindo no TPI, para decisões muito importantes. Isto permite que a cultura jurídica da nação também faça parte do futuro do direito penal internacional”.
“Não vivemos num mundo perfeito, e atualmente não temos todos os estados do mundo como membros, mas temos mais de dois terços deles. Mas acho que muitos dos amigos e aliados do Brasil, como todas as nações europeias, como, se não me engano, todas as nações latino-americanas, uma grande parte do continente africano, incluindo a África do Sul, fazem parte. Então, há uma grande comunidade das nações que estão ao lado da Justiça e das vítimas e não querem permitir a impunidade. E acho que todos nós esperamos isso”, disse ele.
Questionado se o TPI estava preocupado com uma possível saída do Brasil da corte, El Abdallah disse que não podia decidir pelas autoridades brasileiras.
“Mas penso que os estados, a sociedade civil, a comunidade jurídica e o TPI defendem o direito internacional e especificamente o direito penal internacional. Isso deve ser respeitado e isso inclui também o respeito e o apoio às suas próprias instituições”, disse ele.
Por Américo Martins/CNN em Londres