No universo do esporte profissional, o talento dentro de campo é apenas uma parte da equação. Fora das quatro linhas, os atletas enfrentam um cenário jurídico complexo, que pode ser determinante para o sucesso ou o fracasso de suas carreiras. No Brasil, o futebol e outras modalidades esportivas mobilizam paixões e cifras milionárias. A falta de conhecimento sobre direitos e deveres expõe os atletas, sobretudo os mais jovens, a riscos como contratos abusivos, perda de autonomia e risco de infrações disciplinares. Por isso, o conhecimento jurídico deve ser compreendido não como um acessório, mas como um verdadeiro escudo de proteção ao longo de toda a trajetória esportiva.
Sendo assim, a assessoria jurídica, muitas vezes subestimada, revela-se um pilar essencial para que o atleta compreenda e defenda seus interesses em um cenário marcado por desequilíbrios de poder e complexidade normativa. Questões como o direito de imagem, a estrutura dos contratos esportivos e o funcionamento da Justiça Desportiva são determinantes não apenas para sua proteção, mas também para a valorização da carreira. O direito de imagem, por exemplo, tornou-se um dos ativos mais valiosos no esporte, impulsionado pelas redes sociais e pela presença dos atletas em campanhas publicitárias. Ainda assim, negociações mal conduzidas ou explorações indevidas são frequentes, reflexo da ausência de orientação especializada. Esse tipo de falha evidencia como o desconhecimento jurídico pode comprometer tanto os ganhos quanto a reputação pública do esportista.
Alguns casos emblemáticos ajudam a ilustrar como o direito pode ser uma poderosa ferramenta de transformação no esporte, desde que compreendido e utilizado de forma estratégica. Um exemplo marcante é o Caso Bosman, de 1995, que redefiniu o mercado de transferências no futebol europeu. O jogador belga Jean-Marc Bosman moveu uma ação contra seu clube, o RFC Liège, e contra a UEFA, questionando regras que limitavam sua transferência ao fim do contrato. A decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia garantiu o direito à livre movimentação dos atletas e eliminou restrições baseadas em nacionalidade, consolidando uma vitória histórica para a classe. Mais do que um triunfo jurídico isolado, o caso evidenciou o impacto transformador que o conhecimento das normas e a atuação jurídica bem orientada podem ter sobre a carreira de um atleta, e sobre todo um sistema esportivo.
A Lei Pelé (Lei n.º 9.615/1998) e a Lei Geral do Esporte (Lei n. 14.597/2023 ) representam um avanço notável por regulamentar as relações esportivas, tanto trabalhistas como referente ao esporte não profissional e de formação. Contudo, a efetividade dessas leis, assim como a do próprio sistema de Justiça Desportiva, depende diretamente do nível de compreensão que os atletas têm sobre ela. Essa vulnerabilidade é agravada pelo perfil socioeconômico de grande parte dos atletas brasileiros.
Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), analisados pela Revista Quero, mostram que apenas 1,4% dos jogadores contratados entre dezembro de 2018 e março de 2019 cursaram o Ensino Superior, o que representa apenas 47 atletas. Desses, somente 20 concluíram a graduação. Esse déficit educacional contribui diretamente para o desconhecimento sobre direitos fundamentais e aumenta a dependência de terceiros para decisões contratuais, financeiras e legais. Em um ambiente marcado por interesses comerciais e desequilíbrio de poder, a ausência de formação jurídica básica compromete a autonomia do atleta e aumenta os riscos de exploração.
Casos recentes evidenciam como a falta de orientação jurídica pode gerar consequências graves. O atacante Bruno Henrique, por exemplo, foi indiciado por suposta fraude ao forçar um cartão amarelo, com base no artigo 200 da Lei Geral do Esporte. A acusação, que prevê pena de dois a seis anos de prisão, reacendeu o debate sobre intenção, interpretação legal e provas, reforçando a importância de uma assessoria jurídica qualificada e de atletas minimamente instruídos sobre seus limites e responsabilidades legais. Outro episódio notório envolveu Neymar, que perdeu uma disputa contra o Barcelona referente ao não pagamento de um bônus contratual. Mesmo em posição de destaque no cenário internacional, o jogador foi afetado por cláusulas mal interpretadas ou acordos mal conduzidos. Esses casos mostram que, independentemente do nível em que atuem, os atletas precisam compreender, ou ao menos estar assessorados por quem compreenda, os aspectos legais de sua profissão.
O esporte é, sem dúvida, uma arena de sonhos, mas também de riscos. Um contrato mal negociado, um direito de imagem desvalorizado ou um deslize disciplinar podem transformar oportunidades em armadilhas. Há vários exemplos de casos que mostram o poder transformador do direito desportivo, mas também deixam claro que sua eficácia depende do conhecimento e da ação preventiva dos próprios atletas. Diante de um cenário de desigualdade socioeconômica que acentua a vulnerabilidade de boa parte dos profissionais do esporte, a educação jurídica se torna um ato de empoderamento. Ao investir em conhecimento e assessoria especializada, o atleta não apenas protege sua carreira, mas valoriza seu maior ativo: ele mesmo. Que o talento brilhe em campo, mas que a segurança jurídica sustente esse brilho fora dele.
**Por João Antonio de Albuquerque e Souza, Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJDAD)