Formada em fonoaudiologia, Juliana Algodoal se especializou em observar e melhorar as nuances da comunicação no ambiente de trabalho. Sua atuação é reconhecida pela Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia por levar a prática ao meio empresarial. Hoje, a especialista atende lideranças, que carregam uma responsabilidade extra no quesito comunicação: devem não apenas orientar times, como também empresas inteiras.
A habilidade dos líderes em se expressar, portanto, é um assunto de governança. A gestão adequada de equipes, sabendo criar, de forma consciente, ambientes confortáveis para o diálogo, seja ele para críticas ou novas ideias, vai impactar este aspecto do ESG da companhia, estabelecendo relações com funcionários que podem determinar se estes serão quiet quitters ou verdadeiros embaixadores de uma marca, por exemplo.
“Na comunicação, um feedback prolixo, em que a pessoa dá muitas voltas, por exemplo, dificilmente será eficaz”, conta Juliana. “Tenho uma cliente executiva que oscila entre ser uma mãe ou um carrasco do time, o que gerou reclamações. Ela está trabalhando para ter uma comunicação mais clara”, exemplifica.
NetZero procurou Juliana para entender melhor como o ESG e a fonoaudiologia podem ter uma conversa produtiva, e a especialista trouxe diversos exemplos que vão interessar líderes e também profissionais interessados em alcançar posições de liderança.
Como uma boa comunicação pode ser uma estratégia real de ESG, com impacto positivo?
JULIANA ALGODOAL: Toda comunicação passa por transformar. Quando você me faz uma pergunta, você, como jornalista, está pensando em facilitar a minha compreensão. E eu estou pensando em dar a melhor resposta para você. As empresas, pessoas que lideram, não têm este histórico de aprendizado da comunicação, em que o bom falante fala bem para quem vai ouvir. Eu digo aos clientes: “Você precisa falar para o seu time entender. O vocabulário para você falar com quem vai te ouvir.”
Hoje, nós estamos caminhando para que o CEO, ou o executivo de relações, tenha um papel de falar em nome da empresa quase tão importante quanto a marca. Isso requer planejamento e coerência.
Uma boa comunicação vira ESG quando eu respeito ideias diferentes. Aceitar diversidade não é discurso falado. Preciso falar de forma diversa, ouvir o que as pessoas estão dizendo, além de fazer campanhas internas. É falar e agir de forma coerente com o que você está falando.
Um exemplo supercomum de liderança feminina: quando há uma mulher em mesa de diretoria, naturalmente pensam que ela está ali para escrever o relatório, e não respeitam o que ela pode entregar em termos de competência. Se você respeita essa mulher, isso é ESG. Se você faz um processo de contratação antirrascista, colocando profissionais negros, com comunicação certa e mostrando o valor deles independente da raça, vocês está fazendo ESG.
Quando você permite que dentro de um grupo as pessoas possam apresentar ideias diversas, respeitando as diferenças e buscando um norte de inovação, isso é ESG.
Vários executivos dizem para mim que “o chefe é liberal desde que eu pense o que ele quer”. Isso não é diversidade, não é ESG. Se eu tenho uma terra fértil que as pessoas possam falar com respeito, dentro do contexto, isso é ESG. Quando eu contrato pessoas diferentes de mim.
Perguntar-se o “como” é importante. Como eu posso me comunicar para essas pessoas crescerem, para a cadeia produtiva ter um retorno melhor, como isso pode ser feito de uma forma mais leve, mais inteligente? O líder no seu papel vai direcionando “os comos”.
Na sua opinião, como lidar com a diversidade de forma produtiva no ambiente de trabalho?
O cérebro categoriza. Quando eu categorizo, eu economizo. É natural do ser humano julgar, e uns podem colocar rótulos nos outros, de forma não-diversa, e há outros que podem julgar apenas para avaliar uma situação. O cérebro “vai para o mezanino” para ter uma visão melhor, julgar a situação e decidir o caminho a ser tomado.
Quando eu tenho um conceito de ESG dentro de mim, eu atuo sobre meu cérebro de modo consciente para não permitir que eu me feche em um caminho, e assim amplie meu repertório. É algo que a pessoa precisa querer, ter esse olhar, falar com pessoas diferentes e se colocar em papéis e situações diferentes. Quando ela se comporta assim, atrai pessoas assim, em um ciclo virtuoso.
Comunicando de forma clara o meu papel e da minha empresa, sendo um papel consciente de transformação, faço que nem a pedra no lago, crio ondas do bem, apoiado em uma comunicação que escuta sem julgar, que quer saber mais das pessoas.
Como é a demanda por aprimoramento de comunicação no mercado executivo do Brasil?
Atendo muitos profissionais que precisam se expor e não estão preparados para falar de uma forma clara para o mercado. As pessoas não se preocupam muito. Assim como para cada ocasião temos uma roupa, na praia, na festa, a fala é a mesma coisa. A fala profissional é a adequada àquele lugar.
As pessoas começam a falar em público e ficam com medo, com vergonha, medo de falhar, medo do julgamento. Se logo no começo as coisas saem diferente do planejado, e ela começa a se julgar, o cérebro trabalha para ser improdutivo em vez de produzir, minando aquela relação.
A comunicação deve estar alinhada ao espaço que aquele profissional ocupa. A estratégia precisa combinar com a pessoa, com a empresa. Quando eu vou falar, preciso cuidar da minha comunicação, pois 55% é gesto e aparência – se mexo os braços, como estou vestida, os movimentos que eu faço. Outros 38% é a voz que eu uso, se faço ênfase, pausas, metáforas, se eu uso a minha voz para dar vida ao meu conteúdo, e 7% é o meu conteúdo em si.
É preciso cuidar da forma de transmitir o conteúdo, que voz, que gesto eu vou usar. A forma de usar os gestos para valorizar o que você vai transmitir. O cérebro produz 600 palavras por minuto, mas nós somos capazes de falar até 125 palavras por minuto com qualidade. E ainda, o cérebro é capaz de ouvir 40 palavras por minuto.
Cite, por favor, casos desafiadores que chegam até você.
Mulheres que vão para a liderança e são vistas como profissionais agressivas, que querem suavizar o jeito de falar. Trabalhamos ferramentas para engajar melhor o time, e ela ser uma boa protagonista. Tenho uma executiva que oscila entre ser uma mãe ou um carrasco do time, o que gerou reclamações. Ela está trabalhando para ter uma comunicação mais clara.
Tenho caso de uma mulher muito introvertida, que precisa exercer liderança no palco. Ela não gosta de palco. Neste caso, pensamos em estratégias para gerar conforto para ir ao palco.
Tenho um executivo ótimo no que ele faz, mas é muito crítico. O time dele gosta dele, mas os pares não. Ele faz caras, bocas e usa um tom de voz agressivo para demonstrar os pontos de vista dele. Tenho clientes que querem uma comunicação autêntica. Em termos de comunicação a autenticidade leva uma empresa para um próximo nível.
Quais os erros mais frequentes que líderes cometem na comunicação com as equipes?
As empresas não estão comunicando o que elas estão fazendo de forma clara. Empresas muito bacanas, que podem servir de exemplo, comunicam seus feitos de forma errada, e não inspiram.
A maior parte do C-level é introvertido, ou reservado. Elas acham que, se está tudo certo dentro da empresa, não precisa ir para fora, mas o mercado está pedindo isso. Um cenário com executivos com medo de falar, em empresas grandes em que há coisas que não estão bem resolvidas, pode gerar estresse. É um alinhamento importante.
Outra coisa importante é a solidão da liderança. Estes profissionais às vezes não tem alguém que fala o que precisa ser falado. São pessoas com muita qualidade, com dores e alegrias na carreira, escolhas, tem uma história ali. Quando estas pessoas estão sozinhas, podem não saber o que é ESG, e ficam sem ter para quem perguntar. Por isso os grupos de C-level são importantes, onde executivos se reúnem para discutir em ambiente seguro, sem julgamento.
O erro pode ser acerto, depende de como você olha. As empresas precisam pensar que todas as vezes que a empresa olha para a população dentro delas, é preciso perguntar se é um público com diversidade de ideias. O que é possível fazer para a diversidade aparecer dentro desse público, com profissionais suficientemente incentivados a ampliar sua atuação.
A empresa precisa ter um olhar diferente, não é só o dinheiro, é o que fazer com o dinheiro. Dentro do voluntariado, por exemplo, se você contrata um refugiado, às vezes pode ser necessária uma aula de português, ensinar um ofício.
É um erro não dar espaço para diversidade de ideias, principalmente. As empresas às vezes pensam que atingiram o ápice, que já é suficiente e elas não querem fazer mais. Outro erro é pensar que investir é papel do governo, e que a empresa já está fazendo muito. Companhias pecam também por não contratar quem está perto, por exemplo, no entorno de onde elas estão localizadas.
O trabalho remoto pode ser um complicador para uma comunicação adequada?
Pode sim. Há algumas questões: primeiro: as pessoas quando elas falam, olham para si mesmas em vez de olhar para a câmera. Tecnicamente, se a reunião dura mais de uma hora, as pessoas se cansam e acabam sendo mais agressivas, podem falar de forma mais rápida.
O fundo de tela tem um significado. Se falamos em ESG, por exemplo, é preciso pensar no fundo de tela que vamos colocar. Vai ser ‘você mesmo’? Vai ter uma imagem mais profissional?
Empresas precisam conversar com as equipes na decisão de adotar formato híbrido, ou voltar ao escritório. As pessoas têm vida pessoal, questões de saúde. É importante perguntar às pessoas, é possível fazer isso.
O trabalho presencial tem um ganho de você passar na mesa da pessoa e ganhar o tempo que seria um call. Você vai ao banheiro e no caminho vê as pessoas, se cortou o cabelo, pergunta como está o filho. Isso gera conexão. Mas tem quem gosta de ficar em casa.
No caso de mensagens escritas, quando eu escrevo para você, se você me conhece vai ter um contexto e pode colocar a minha voz falando, mas você pode ler de acordo com a sua emoção e interpretar diferente da minha emissão. Por isso o áudio está fazendo sucesso, ele complementa a mensagem. É importante não responder sem pensar, no email, no WhatsApp.
Quais as características de um líder que se comunica bem, e os efeitos que ele causa na equipe?
Um líder que se comunica bem separa a opinião dele da opinião do outro. Ele faz perguntas, se interessa pelo que as pessoas vão falar, escuta sem julgar, mas tentando entender.
Fala de forma clara, assertiva, dando a informação que a pessoa precisa, pois às vezes as pessoas têm vergonha de perguntar. Esse líder tem presença, não fica olhando o celular, ele para para ouvir o que a pessoa está falando.
A mesma coisa para fora. Se a empresa se dispõe a ser ESG, não precisa falar de questões confidenciais, mas vai compartilhar o necessário para a mensagem ESG chegar onde precisa chegar, selecionar o que o mercado precisa saber para que a empresa esteja num caminho de ESG e vista como tal.
Por Marco Britto/NetZero