*Isabella Santos, Priscila de Figueiredo e Taís Tricai
As cotas de aprendiz e as cotas para Pessoas com Deficiência (PcD) são medidas de inclusão obrigatórias no Brasil, previstas na legislação trabalhista, com o objetivo de promover a diversidade e a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho.
- Cota de Aprendiz:
Prevista na Lei nº 10.097/2000, determina que empresas de médio e grande porte contratem jovens de 14 a 24 anos como aprendizes. O percentual de contratação deve ser entre 5% e 15% do total de empregados cujas funções demandem formação profissional. Os aprendizes devem estar matriculados em programas de aprendizagem que combinem trabalho e capacitação teórica. - Cota para PcD:
Regulada pelo Art. 93 da Lei nº 8.213/1991, exige que empresas com 100 ou mais empregados destinem de 2% a 5% das vagas a pessoas com deficiência ou reabilitados pelo INSS, dependendo do número total de empregados. O objetivo é promover a inclusão social e eliminar barreiras no ambiente de trabalho.
Ambas as cotas visam fortalecer a inclusão, mas as empresas enfrentam desafios como adequação de infraestrutura para PcDs e disponibilidade de programas formativos para aprendizes, bem como disponibilidade de candidatos interessados e qualificados para contratação.
Tanto para a cota de aprendiz quanto para a cota para Pessoas com Deficiência (PcD), existem possibilidades de flexibilização em situações específicas, desde que justificadas e aceitas pelos órgãos competentes.
Para solicitar a exclusão de determinada função do cálculo de cotas, a empresa deve formalizar uma justificativa junto à Inspeção do Trabalho ou ao Ministério Público do Trabalho, apresentando documentos técnicos e evidências que respaldem a impossibilidade de inclusão (laudos, estudos ergonômicos, ou relatórios de segurança do trabalho).
Cota de Aprendiz
- Funções Incompatíveis com Aprendizes: Se a empresa comprovar que as funções desempenhadas pela maioria de seus colaboradores são incompatíveis com a aprendizagem, ela pode reduzir o número de aprendizes. Por exemplo, atividades que envolvam periculosidade, insalubridade ou exigem qualificação técnica avançada podem ser justificativas.
- Convênios ou Substituições: Em alguns casos, empresas podem firmar parcerias com entidades formadoras ou destinar parte da cota para instituições sem fins lucrativos que atuem em projetos sociais de aprendizagem.
Cota para PcD
- Dificuldade de Recrutamento: Caso a empresa comprove a inexistência de pessoas com deficiência qualificadas para ocupar as vagas disponíveis, pode pleitear flexibilização ou ajustes junto ao Ministério Público do Trabalho (MPT) ou à Secretaria do Trabalho. É necessário apresentar esforços documentados, como processos seletivos e parcerias com instituições que promovam a inclusão.
- Adequações no Cálculo da Cota: Dependendo da estrutura e natureza das atividades da empresa, pode haver ajustes no cálculo do percentual exigido, especialmente em casos de dificuldades de adaptação.
A possibilidade tem sido acatada pela jurisprudência. Veja-se:
EXCLUSÃO DE MOTORISTAS NA BASE DE CÁLCULO DAS COTAS PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E APRENDIZES. POSSIBILIDADE. O art. 93 da Lei 8.213/91, embora não traga exceções explícitas, pode ter sua aplicação afastada em casos específicos, conforme a teoria da derrotabilidade das normas, a fim de evitar injustiças ou resultados inadequados. No caso dos motoristas de transporte de cargas, a atividade é incompatível com a contratação de pessoas com deficiência, tendo em vista os riscos inerentes à função e a necessidade de condições físicas e habilitação profissional específicas, em observância aos princípios da igualdade substancial e não discriminação. Quanto à cota de aprendizes, o art. 52, § 1º, do Decreto nº 9.579/2018 exclui do cômputo as funções que demandem habilitação profissional de nível técnico, como é o caso dos motoristas de transporte de cargas (categorias D e E), conforme exigências do Código de Trânsito Brasileiro. Ademais, a própria natureza da atividade de motorista de cargas, envolvendo riscos elevados e jornadas incompatíveis com as limitações do contrato de aprendizagem, torna inviável a contratação de aprendizes para esse fim. Assim, é plenamente possível e justificada a exclusão dos motoristas da base de cálculo das cotas para pessoas com deficiência e aprendizes, à luz da legislação vigente e dos princípios norteadores da matéria. Sentença reformada. (TRT-9 – ROT: 00009572120235090195, Relator: JANETE DO AMARANTE, Data de Julgamento: 18/07/2024, 7ª Turma)
Por outro lado, para as funções compatíveis, o esforço em buscar a contratação de aprendizes e pessoas portadoras de deficiência tem o condão de denotar a boa-fé das empresas em tentar cumprir a legislação, todavia a dificuldade enfrentada é inequívoca.
Necessário destacar, que é imprescindível neste tipo de situação, que o órgão fiscalizador leve em consideração o tipo e grau de deficiência do trabalhador e a natureza das atividades realizadas na empresa empregadora de forma a não obstar ou causar limitações na prestação laboral ou incompatibilidade com a aprendizagem.
Ainda que, o princípio da função social da empresa, vale ressaltar que não há como lhe atribuir integral responsabilidade de qualificar, preparar e profissionalizar aprendizes e pessoas portadoras de deficiência física. Não podendo esquecer que é obrigação do Estado a inclusão social do portador de deficiência, bem como sua adaptação social, não sendo justo delegar aos empresários de forma isolada, que cumpram essa responsabilidade, quando ele próprio não propicia os meios para contratação do profissional portador de deficiência.
Neste sentido é o entendimento do desembargador Ricardo Tadeu Marques da Fonseca (do TRT da 9ª Região -PR), cuja obra transcreve-se:
“As pessoas com deficiência no Brasil tiveram sempre atendimento assistencial e, por isso a sociedade desconhece o potencial produtivo que essas têm a oferecer, mais ainda ignoram dados a respeito os empresários, cuja preocupação precípua converge para a obtenção do lucro. Ressalte, entretanto, que, apesar de se reconhecer a função econômica da empresa, deve-se ter em mira sempre sua função social, tal como determina a Constituição nos arts. 1º e 170. Não se exige que a empresa abdique da rentabilidade, mas todo empresário deve ter presente a repercussão social de sua atividade quanto ao emprego, quanto ao meio ambiente e quanto à sustentabilidade social.
As empresas têm alegado que as pessoas com deficiência no Brasil carecem de qualificação mínima para atender às exigências do mercado de trabalho, o que de fato se corrobora pelas estatísticas oficiais do IBGE.” (…).
O entendimento jurisprudencial tem se firmado favorável à tese acima declarada, quando efetivamente demonstrado a impossibilidade do cumprimento da cota legal prevista no art. 93 da Lei nº 8.213/91. Veja-se que não se discute a validade da norma, mas sim o seu impossível cumprimento posto a inexistência de pessoas portadoras de deficiência e reabilitadas disponíveis no mercado de trabalho.
A jurisprudência firmada pelo C. TST tem afastado a aplicação de multa às empresas que demonstram o descumprimento do sistema de cotas decorrente da ausência de interessados no vínculo empregatício, veja-se, por exemplo, decisões da 3ª e 5ª Turmas do TST, relatadas pelos ministros Mauricio Godinho Delgado e Emmanoel Pereira, que consideraram indevida a penalização quando a empresa comprova esforços para preencher as vagas. Da mesma forma, o TRT-2, em recente julgamento sob relatoria da desembargadora Anneth Konesuke, reafirmou que a inexistência de omissão deliberada e a adoção de medidas efetivas para a inclusão afastam a caracterização de dano moral coletivo.
Ainda, com base no acima exposto, é necessário certificar-se da possibilidade de comprovação das medidas necessárias às contratações, tendo em vista que o ônus probatório recairá sobre a empresa.
Caso não sejam comprovadas as condutas proativas em busca do preenchimento das vagas, o entendimento majoritário é pela aplicação e manutenção das multas competentes.
“[…] O entendimento que prevalece na jurisprudência ao interpretar referida norma é que a empresa ou entidade devem atuar de forma proativa em busca destas vagas. Neste contexto, consigno entendimento da 2ª Turma do C. TST mantendo a validade de auto de infração em razão do “comportamento acomodado na divulgação de vagas e na ausência de promoção de cursos profissionalizantes ou de capacitação para os interessados (“a empresa não atuava de forma proativa, mas, ao contrário, esperava que surgisse empregado que se adequasse às mesmas condições de labor oferecidas ao trabalhador não portador de deficiência, em descompasso com a norma legal”) (TST – Ag: 109853620185030148, Relator: Maria Helena Mallmann, Data de Julgamento: 10/12/2021, 2ª Turma, Data de Publicação: 17/12/2021). “