A Livraria Cultura é conhecida por todos os brasileiros, mas a antiga loja icônica situada no prédio do Conjunto Nacional, fica presente no imaginário e na memória afetiva dos paulistanos e dos indivíduos que já passaram pela maior metrópole do país e pela antiga loja icônica situada no prédio do Conjunto Nacional. Recentemente, a livraria abriu um novo estabelecimento no conhecido bairro nobre de Pinheiros. Contudo, vale lembrar o que ocorreu na loja antiga quando uma dívida de R$ 15 milhões resultou em um despejo após uma decisão acertada do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Este caso deve ser alvo de amplo estudo para que seja deixada uma lição para que outras situações similares não voltem a se repetir.
No início do ano, a Corte tomou uma decisão de grande relevância para o mercado jurídico e empresarial. Sob a relatoria do ministro Raul Araújo, rejeitou o pedido da Livraria Cultura para suspender a ordem de despejo do imóvel localizado na Avenida Paulista. A medida, determinada pelo juízo responsável pela recuperação judicial da empresa, exigiu a desocupação do imóvel devido ao acúmulo de débitos de aluguel.
O caso chama a atenção não apenas pela notoriedade da Livraria Cultura e pela localização emblemática do imóvel, mas também pela relevância jurídica do precedente que se formou. Há uma mensagem clara para empresas que se encontram em recuperação judicial: o processo não é um “escudo” contra obrigações contratuais, especialmente em relação a contratos de locação de imóveis, conforme prevê a Lei de Recuperações e Falências (Lei 11.101/2005).
Em uma análise jurídica, a decisão do STJ foi fundamentada no artigo 49, § 3º, da Lei de Recuperações e Falências. O que ocorre é que este dispositivo estabelece que os credores titulares de contratos de locação de imóveis não estão sujeitos aos efeitos do plano de recuperação judicial. Isso significa que o locador pode retomar o imóvel em caso de inadimplemento do locatário, ainda que este esteja em recuperação judicial.
A lógica por trás dessa norma é preservar o equilíbrio contratual e evitar que o processo de recuperação judicial seja utilizado de forma indevida para atrasar ou descumprir obrigações contratuais. No caso específico da Livraria Cultura, o ministro Raul Araújo seguiu esta diretriz, garantindo ao locador o direito de retomar o imóvel diante da inadimplência prolongada que já durava mais de três anos.
Além disso, a decisão trouxe mais segurança jurídica aos credores. Se o STJ tivesse decidido em sentido contrário, permitiria uma interpretação que beneficiaria as recuperandas de forma desproporcional, colocando em risco os interesses dos credores de contratos de locação. Isso poderia gerar uma sensação de insegurança no mercado de locações comerciais e enfraquecer a confiança no sistema de recuperação judicial brasileiro. Foi preservado o chamado direito de propriedade sobre a coisa.
A jurisprudência firmada pelo STJ, portanto, estabelece um precedente relevante. A partir dessa decisão, espera-se que locadores de imóveis comerciais se sintam mais seguros para exigir o cumprimento de suas obrigações, mesmo que o locatário esteja em recuperação judicial. Trata-se de um entendimento que reforça a previsibilidade jurídica e contribui para a estabilidade das relações contratuais no mercado imobiliário e empresarial.
Do mesmo modo, passado um ainda breve período do ocorrido e com a inauguração agora de uma nova loja, o caso da Livraria Cultura deixou até aqui um caminho para as empresas que pretendem recorrer à recuperação judicial. Um dos maiores desafios desse processo é o equilíbrio entre a preservação da atividade empresarial e o cumprimento das obrigações com os credores.
A experiência no mercado mostra que é mais aconselhável que as empresas tenham uma abordagem mais cautelosa com relação aos contratos de locação de imóveis. Isso inclui, desde o início do processo de recuperação, a negociação com os locadores para evitar o risco de despejo. No entanto, essas negociações não podem se basear em expectativas irreais de proteção judicial.
Vale ainda lembrar que a jurisprudência firmada pelo STJ impactou ainda o mercado de locações comerciais, especialmente para os grandes centros urbanos, onde a relação locador-locatário é sensível e muitas vezes marcada por longas negociações. Locadores passam a ter mais segurança jurídica para exigir o pagamento de aluguéis e, se necessário, retomar os imóveis. Isso fortalece a previsibilidade e a confiança no mercado imobiliário.
Por fim, um planejamento jurídico das empresas, em conformidade com a Lei 11.101/2005, passa por identificar os imóveis essenciais para a continuidade das operações e prever os custos de locação no fluxo de caixa. Isso permite ajustar o plano de recuperação de forma mais realista.
Além disso, torna-se prudente buscar acordos com os proprietários dos imóveis, seja por meio de repactuação dos valores de aluguel, seja por meio de prorrogações de prazos de pagamento. Isso pode evitar medidas judiciais de despejo.
E o plano de recuperação necessita prever a alocação de recursos para o pagamento dos aluguéis essenciais ao funcionamento da empresa. Afinal, a ausência dessa previsão pode gerar consequências como o despejo forçado e a paralisação das atividades, justamente o que ocorreu no caso da Livraria Cultura.
Como já foi ressaltado, a preservação da atividade empresarial e a proteção dos credores são um dos pilares centrais do sistema de recuperação judicial e falências. Com uma nova livraria inaugurada agora, terá também esta lição sido aprendida?
Por Clóvis Fedrizzi*