No mês em que é comemorado o Dia Mundial do Meio Ambiente, o Instituto Incluzartiz lança o programa Amazônia, agora, projeto multidisciplinar que convida o público a se aproximar dos olhares que partem da maior floresta tropical do mundo e de seus múltiplos agentes.
Por meio da união de produções e pesquisas pensadas a partir do complexo amazônico e de visitas em capitais da Amazônia, o novo projeto permanente do instituto, que conta com patrocínio da Icatu, do VLT Carioca e do Instituto CCR, será dividido em três eixos: expositivo — que contará com uma série de exposições, coletivas e individuais, de narrativas e pesquisas em torno de artistas e da cultura visual amazônica; experimental — uma programação de estudos, conversas, oficinas e projeções de obras audiovisuais intitulada Laboratório Amazônico —; e pesquisa — ativação de parcerias e residências com outras organizações, instituições e projetos artísticos que estabeleçam intercâmbios entre vozes de diferentes estados.
Neste âmbito, será aberta no dia 24 de junho a exposição O Sagrado na Amazônia, coletiva que apresenta as diferentes manifestações do divino na região amazônica, a partir dos olhares de 30 artistas e coletivos. Com a curadoria de Paulo Herkenhoff — pesquisador que há mais de 40 anos se dedica ao fomento da produção artística no Norte do país e ao debate crítico acerca do conceito histórico de “visualidade amazônica” —, a mostra irá ocupar o térreo do Centro Cultural Inclusartiz até 17 de setembro.
“Como atividade integrante do nosso novo programa permanente, Amazônia, Agora, esta exposição tem como proposta ampliar o debate em torno das riquezas naturais e culturais brasileiras e de como suas complexidades impactam a produção de artistas e pensadores.”, declara Frances Reynolds, presidente e fundadora do Inclusartiz.
Dividida em diversos núcleos, a coletiva, concebida com a colaboração de Lucas Albuquerque — pesquisador independente e curador do programa de residências artísticas da instituição carioca —, aborda os mitos e rituais indígenas, a relação com o sagrado pautado pelo sincretismo afro-amazônico e os festejos e cultos de origem cristã, evidenciando a profunda conexão entre o homem e a natureza no território amazônico e estabelecendo a preservação ambiental como mecanismo principal para perpetuar a cultura e os saberes defendidos pelos povos representados.
O Sagrado na Amazônia conta com uma grande presença de artistas originários da região amazônica brasileira, como os artistas amazonenses Denilson Baniwa, Dhiani Pa’saro (Povo Wanano) e Rita Huni Kuin, do Acre, e também de povos da Amazônia Internacional, como a peruana Lastenia Canayo. São 75 trabalhos produzidos a partir de diversos suportes, entre pinturas, fotografias, vídeos, objetos e esculturas; além de documentos históricos.
Citados no texto de apresentação da exposição, os amazonenses Denilson Baniwa e Dhiani Pa’saro se destacam por suas poéticas. “A arte indígena contemporânea é praticada por artistas aldeados ou não. Denilson Baniwa é um artista que se utiliza de diversos meios — pintura, performance, videoarte, impressões a ink-jet e outros. Sua obra pode tratar de questões simbólicas ancestrais, denunciar o genocídio e assassinatos dos indígenas, atualizar a história da arte (como as imagens históricas de Debret) com situações contemporâneas de dominação e exclusão destes artistas da história da arte pensada como ‘completa e universal’”, destaca Paulo Herkenhoff.
Com sua obra Khaapi (2019), Dhiani Pa’saro traz referências profundas que narram a passagem de conhecimento do cacique Wanano para o filho acerca do ritual de produção da ayahuasca. Esta bebida é utilizada em rituais sagrados de conexão dos Wanano com o universo do inconsciente, em que poderão obter respostas para a caminhada coletiva do povo e também para trajetórias pessoais.
“A obra traz uma espécie de portal que abre acima das cabeças do cacique e do filho do cacique (personagens da obra). Este portal tem forma de escada e é o mundo superior que abre com a força dos cipós e das plantas. É através do ritual da ayahuasca que os Wanano conversam com as pessoas, com os ancestrais”, explica Dhiani.
Na exposição, o curador destaca também que “entre os rituais indígenas milenares, a cerimônia da ayahuasca vem se espalhando pelas cidades de todo o Brasil. O curador adjunto Lucas Albuquerque apresenta a bebida sagrada em mais detalhes por meio de um texto presente na exposição, tendo sido inclusive o introdutor de pinturas da artista Shipibo-Konibo Lastenia Canayo e do próprio Dhiani Pa’saro”, completa Herkenhoff.
Outro destaque é a obra da pintora Yaka Hunikuin, natural da Terra Indígena Kaxinawa do Rio Jordão, no Acre. Na tela Yube Shanu, a artista versa sobre a cerimônia de cura pelo nixi pae, na qual é consagrada a medicina da ayahuasca. De acordo com Paulo Herkenhoff, a cena representa o espírito do pajé, que preside a roda, o qual trata da pessoa que passa por um processo de cura, estando deitada na rede dentro da maloca.
Fotografias do paraense Guy Veloso, que registrou uma ampla gama de festas católicas na Amazônia, como a Marujada de São Benedito (Bragança, Pará) e a Festa de São Tiago (Mazagão Velho, Amapá), também compõem a seleção de obras. “O conjunto de suas imagens captura e demonstra uma Amazônia das religiões vorazes por corpos”, conta o curador.
Entre as seitas pentecostais, ele documentou batismos de fiéis da Igreja Deus é Amor. Entre as religiões afro-amazônicas, já se voltou para a Umbanda, o Candomblé e o Tambor de Mina, no Maranhão. “Neste tempo de perigosa intolerância, trago várias religiões, desde afro-brasileiras, passando pelo catolicismo até os neopentecostais, para em um ‘transe’ inter-religioso lançar um libelo à paz”, completa Guy Veloso.
Participam da exposição O Sagrado na Amazônia: Andrea Fiamenghi, Arieh Wagner Lins, Arthur Omar, Berna Reale, Chico da Silva, Claudia Andujar, Coletivo de arte MAHKU, Daiara Tukano, Denilson Baniwa, Dhiani Pa’saro, Edivânia Câmara, Elza Lima, Emanuel Nassar, Fernando Lindote, Gui Christ, Gustavo Caboco, Guy Veloso, Jair Gabriel, Lastenia Canayo, Luiz Braga, Paula Giordano, Pierre Verger, Rita Huni Kuin, Sheronawe Hakihiiwe, Teresa Bandeira, Thiago Martins de Melo, Walda Marques, Walmor Correa, Xica e Yaka Hunikuin.
Laboratório Amazônico – Também no dia 24 de junho, o público poderá conferir, sendo exibida pela primeira vez no Rio de Janeiro, a instalação de grande escala No ar (2017), da artista paulistana Laura Vinci, como primeira atividade do Laboratório Amazônico, coordenado pelo curador-chefe do Instituto Inclusartiz, Victor Gorgulho.
A obra, que ocupará os jardins do Centro Cultural Inclusartiz, consiste em um engenhoso sistema de vaporização a frio que velozmente é capaz de formar grandes massas de ar semelhantes a nuvens, curiosamente pendendo tanto para o chão do espaço quanto lentamente erguendo-se e dissipando-se no ar. Tal resultado é possível por conta da estrutura mecânica da obra, formada por pequenos bicos de aspersão que, funcionando em alta pressão, são acionados por uma bomba capaz de soltar a água com tamanha força, que suas gotas ganham uma característica incomum, ficando entre o estado gasoso e o líquido.
O Instituto Inclusartiz
Fundado em 1997 por Frances Reynolds, o Instituto Inclusartiz é uma organização cultural não governamental sem fins lucrativos sediada no Rio de Janeiro, que tem como ambição promover a arte contemporânea global por meio da formação de artistas, curadores e pesquisadores em diversas etapas de suas carreiras. Desde 2021, o instituto conta com um centro cultural na Praça da Harmonia, na Gamboa, região portuária do Rio de Janeiro. O polo cultural e criativo abriga um conjunto de iniciativas nas áreas da arte, educação e sustentabilidade, com uma programação orientada a partir de núcleos diversos: residências artísticas; educativo; comunitário; expositivo; pesquisa e publicações; sustentabilidade e engajamento social. As atividades do Instituto Inclusartiz são realizadas com patrocínio da Icatu, do VLT Carioca e do Instituto CCR. O programa expositivo conta com apoio do ateliê Thiago Barros ArteLab. Mais informações em https://inclusartiz.org/
SERVIÇO
O Sagrado na Amazônia
Abertura: sábado, 24 de junho, das 11h às 18h
Visitação: terça-feira a domingo, das 11h às 18h, até 17 de setembro
Centro Cultural Inclusartiz — Rua Sacadura Cabral, 333, Gamboa.