A Ventrecha de Pirarucu, corte nobre do maior peixe de escamas de água doce do mundo, foi a estrela durante a experiência gastronômica “Seis Vezes Pirarucu”, realizada no restaurante Moquém do Banzeiro, na zona Centro-Sul de Manaus. O evento reuniu renomados chefs brasileiros em uma celebração dos sabores amazônicos e do manejo sustentável de pesca promovido pelas comunidades do Médio Juruá e outras áreas de pesca no Amazonas.
Com realização da Revista Prazeres da Mesa, da marca coletiva Gosto da Amazônia e da Associação dos Produtores Rurais de Carauari (ASPROC), a iniciativa destacou a excelência gastronômica do Pirarucu de manejo e sua importância socioambiental.
A experiência foi conduzida nesta terça-feira, (27) por três chefs de referência: a cozinheira da Amazônia Débora Shornik, à frente do restaurante Caxiri; a chef executiva e consultora Priscila de Deus do Chez de Deus (SP); e o chef Felipe Schaedler, anfitrião do Moquém do Banzeiro. Cada um apresentou duas criações exclusivas utilizando a Ventrecha, parte valorizada do Pirarucu, conhecida por sua textura delicada e sabor marcante. Excelente para receitas com assado.
Menu da noite:
Débora Shornik:
- Barriga na lata: Ventrecha confitada na banha de porco, vinagrete de feijão manteiguinha, mousseline de banana pacovã com puxuri e chaya crispy.
- Isca no cone: Cubos de Ventrecha frita e belisquete de macaxeira com molho de tucumã acevichado.
Priscila de Deus:
- Ventrecha na brasa: Ventrecha na brasa, molho Thai com especiarias amazônicas e cuscuz de uarini com castanhas-do-Pará.
- Pirarucu na prancha: Pirarucu com manteiga de beef tallow, arroz caldoso de yanomami defumado ao molho de tucupi, emulsão de jambu e vinagrete de pupunha.
Felipe Schaedler:
- Pirarucu empanado: Pirarucu empanado com tapioca e fonduta de queijo grana.
- Pirarucu confit: Pirarucu confit, mel de jandaíra, tomate curado e brotos.
Todos os pratos foram harmonizados com os vinhos Casa Perini Sauvignon Blanc e Casa Perini Merlot.
Manejo sustentável e protagonismo comunitário
Mais do que uma experiência gastronômica, o Seis Vezes Pirarucu foi um momento de valorização do modelo sustentável de pesca manejada, promovido pelas comunidades ribeirinhas da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Médio Juruá e da área de Acordo de Pesca de Carauari, no sudoeste do Amazonas.
A comercialização do pirarucu selvagem de manejo sustentável é feita por meio da marca coletiva Gosto da Amazônia, cuja gestão é realizada pela ASPROC, organização que há mais de três décadas atua na defesa dos direitos e na promoção da qualidade de vida dos povos extrativistas da região.
A coordenadora comercial da ASPROC, Ana Alice Britto, ressaltou que a trajetória da associação é marcada pela superação e pela busca contínua pela valorização do extrativismo sustentável. “No início, nossa luta era contra a miséria e pela liberdade. Depois de 30 anos, seguimos firmes, agora pela valorização do homem e da mulher extrativista, preservando os recursos naturais e fortalecendo cadeias produtivas como a do pirarucu. As comunidades ribeirinhas da Amazônia têm mostrado que é possível viver de forma digna da floresta. A marca Gosto da Amazônia é fruto desse esforço coletivo, que alia sustentabilidade, geração de renda e valorização do extrativismo comunitário”, destaca a gestora.
O modelo de pesca manejada do Pirarucu, regulamentado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), garante um produto natural, livre de aditivos químicos, com alto valor nutricional, rico em ômega 3 e sustentável. Entre os benefícios estão a recuperação dos estoques pesqueiros, a geração de renda para as comunidades e a proteção do território amazônico.
O evento também proporcionou um momento emocionante de falas do time da ASPROC e dos chefs, que compartilharam suas experiências com o Pirarucu e o contato com as comunidades ribeirinhas que tornam essa cadeia produtiva possível.
A chef Débora Shornik, Priscila de Deus e Felipe Schaedler falaram sobre suas impressões, emoções e aprendizados sobre a Amazônia.
“Esse evento é muito importante para nós porque quando a gente pensa ao fazer essa comparação que nem só de picanha é feito o boi, principalmente no sudeste, nem só de lombo é feito o pirarucu, a gente veio muito para falar sobre a importância da ventrecha, que é o prato que a gente mais vende nos nossos restaurantes hoje e começamos essa jornada de fazer esse jantar há uns três meses, é uma alegria muito grande poder estar com essas duas gigantes da gastronomia aqui comigo”, disse o chef Felipe Schaedler, anfitrião do Restaurante Moquém do Banzeiro.
Por sua vez, a chef Débora, do Caxiri Manaus deixou um convite para todos os colegas chefs de cozinha, “eu acho que a gente tem que se desafiar como cozinheiros, quero convidar os colegas daqui de Manaus e de fora para que a gente assuma esse lugar de embaixadores e que essa ferramenta que é a gastronomia ela é capaz sim de manter a floresta em pé, e aos consumidores, que se abram e ajudem a gente a preservar a floresta a partir do consumo dos insumos que a gente consome e não consome e vamos cozinhar muito pirarucu, à ventrecha”.
“Sempre me emociono ao falar sobre o manejo sustentável do pirarucu. Tive a honra de conhecer esse trabalho de perto durante uma expedição em 2022, e foi uma experiência muito impactante. Imagine alguém que vem da capital, onde tudo parece tão distante, fazer uma viagem de aproximadamente 36 horas para conhecer a origem desse produto. Estávamos ali, chefs de várias regiões, com o mesmo propósito: entender e valorizar a origem do pirarucu. Foi profundamente tocante perceber o quanto nós, chefs, temos a responsabilidade de levar essa mensagem adiante — a de cuidar do que é nosso. Os ribeirinhos cumprem essa missão todos os dias, e nós precisamos defendê-los, falando sobre o produto deles e protegendo quem cuida da nossa floresta”, destacou Débora.
Valorização do território amazônico
A iniciativa reforça a importância da valorização da sociobiodiversidade amazônica, conectando o trabalho das comunidades tradicionais com chefs de renome e consumidores em diferentes partes do Brasil.
“A proposta é mostrar que o Pirarucu de manejo é muito mais que um ingrediente de excelência, ele representa uma cadeia produtiva justa, que respeita o meio ambiente e transforma vidas na Amazônia”, destacou Quilvilene Cunha, manejadora de pirarucu.
A manejadora Quilvilene Cunha, da comunidade São Raimundo, destacou a importância do manejo do pirarucu para a conservação ambiental e a organização comunitária:
“O manejo do pirarucu é a alternativa que mais preserva o meio ambiente no nosso território e fortalece os arranjos das organizações comunitárias — tanto na vivência quanto na forma como se planejam e se organizam para monitorar os ambientes. A própria comunidade protagoniza todo esse processo de vigilância e preservação até o momento da captura. É um trabalho coletivo que gera resultados coletivos”, afirmou Quilvilene.
Ela também ressaltou os benefícios sociais e econômicos trazidos pelo manejo, especialmente para as mulheres. “Outras cadeias produtivas também fortalecem o território e promovem qualidade de vida, mas o pirarucu faz uma diferença concreta na vida das famílias, começando dentro de casa, com infraestrutura, eletrodomésticos e até o acesso à energia solar, como aconteceu na minha comunidade. Outro aspecto fundamental é a valorização e o reconhecimento das mulheres, que atuam e recebem igualmente os homens nesse processo”, completou.
O Seis Vezes Pirarucu foi uma realização conjunta de instituições que acreditam no potencial da gastronomia como ferramenta de transformação social, ambiental e cultural.