Careiro (AM) – Às margens da BR-319, o primeiro dia do Festival Saberes da Floresta foi marcado por emoção, escuta ativa e protagonismo juvenil. A abertura oficial da 2ª edição do Festival Saberes da Floresta foi realizada em sessão solene, no auditório Eliane Félix de Lima, com a presença de autoridades e colaboradores do evento.
No município de Careiro Castanho, a 124 km de Manaus, estudantes, moradores de comunidades rurais e convidados participaram do Encontro de Jovens Comunicadores, uma das atividades mais aguardadas da programação. O evento ocorreu na Escola Municipal Daniel Conrado, com mediação de Fran Araújo, diretora de Relações Institucionais da Casa do Rio. Também participaram os jornalistas Paulo Paixão, do Portal Amazônia Realidade, Bernardo Esteves, da revista Piauí, e Marcelo Rodrigues, secretário executivo do Observatório da BR-319.
Durante as rodas de conversa, temas como o futuro das comunidades, o olhar diferenciado da juventude e a importância da comunicação territorial foram discutidos com profundidade e sensibilidade. “Quando um jovem da floresta se expressa, ele não fala só por si. Ele representa toda uma realidade esquecida por séculos”, disse Antoniele Raquel, de 16 anos, aluna da Escola Municipal Daniel Conrado.
Questões como a falta de escuta real e a ausência de canais efetivos de diálogo com o poder público também foram abordadas. Para os jovens, ser ouvido é essencial para garantir dignidade e permanência em seus territórios.
Celular na mão, voz ativa no mundo
Na sequência, a Oficina de Comunicação e Criação de Conteúdo mostrou que é possível produzir jornalismo e narrativas potentes mesmo com poucos recursos. A técnica em Comunicação da Casa do Rio, Raquel Oliveira, e a universitária Luzia Célia compartilharam dicas práticas para transformar o celular em uma ferramenta de expressão, denúncia e pertencimento. “Criar, fazer sozinho, exportar. Tudo isso pode partir de onde estamos, com o que temos”, resumiu Raquel.
A oficina evidenciou que a criatividade também é resistência e que contar histórias pode ser um ato político em um festival que celebra e semeia dignidade.
Mulheres também são protagonistas desta história
No Centro de Educação Tecnológica, a técnica em enfermagem Iracema Rodrigues ministrou uma palestra sobre dignidade menstrual. “A menstruação é algo natural. Seu corpo tem essa necessidade enquanto mulher. Todo mês vai acontecer. Hoje, fizemos também a doação de coletores porque sabemos que as condições financeiras nem sempre são favoráveis para muitas famílias. O coletor substitui o absorvente descartável”, afirmou.
Desde o fim de 2023, a Casa do Rio promove rodas de conversa sobre o tema com mulheres ribeirinhas e indígenas da região do Careiro. Raquel Bastos explica que a parceria com uma ONG impulsionou a iniciativa.
“São momentos como este que mostram que a menstruação não é um tabu. Desde 2023, a Casa do Rio, em parceria com a Dona do Meu Fluxo, já distribuiu 150 coletores menstruais a mulheres e adolescentes do território. Elas passaram a entender como funciona o dispositivo e o quanto ele pode ser benéfico justamente quando mais precisam”, destacou.
Casa do Rio: sementes de um sonho coletivo
O nascimento da Casa do Rio não seguiu um roteiro convencional. Foi fruto de uma vivência transformadora no coração da Amazônia. Em 2009, ao chegar ao Rio Tupãna, Thiago Cavalli Azambuja sentiu uma conexão imediata com a floresta e suas comunidades. Reformando uma antiga casa ribeirinha e abrindo as portas para jovens sem acesso à educação, iniciou um movimento de aprendizado mútuo e protagonismo local.
“Há 16 anos, ainda tínhamos uma Amazônia com muita esperança. Hoje, vivemos um momento muito crítico na região, especialmente com as mudanças climáticas se acentuando e o desmatamento aumentando. Por isso, pensamos em criar o Centro de Saberes da Floresta, uma estrutura aqui na BR-319 para que as populações tradicionais tenham acesso a um local de encontro, discussão e proposição de políticas públicas”, pontuou Thiago.
2ª edição do festival: celebração, memória e luta
O Festival Saberes da Floresta segue até o dia 7 de junho, com oficinas, feiras, manifestações culturais e ações ambientais.
O ponto alto do evento será a construção coletiva do Manifesto dos Povos da BR-319: Uma Rodovia dos Amazônidas, carta que expressa os anseios, saberes e direitos das populações da região.
Mais do que um evento, o festival é uma celebração da Amazônia viva — uma floresta feita de gente, memória e luta.