Segundo levantamento do IBGE, mais de 1/3 das famílias no Brasil são compostas por arranjos não tradicionais, o que evidencia a necessidade de adequar o Direito às novas dinâmicas familiares. Nesse contexto, a pensão socioafetiva ganha relevância nos tribunais brasileiros, refletindo a evolução das relações familiares contemporâneas e reconhecendo que vínculos de afeto podem gerar obrigações legais equivalentes às dos laços biológicos.
Embora não haja menção direta à pensão socioafetiva no Código Civil, os artigos 1.694 a 1.710, que tratam da obrigação alimentar, são usados como base para a análise de casos. Além disso, o princípio do melhor interesse da criança, consagrado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), reforça o entendimento de que o vínculo afetivo pode fundamentar a prestação de alimentos, desde que comprovada a dependência e a convivência estável.
De acordo com a advogada Tatiana Naumann, especialista em Direito de Famílias e Sucessões, a pensão socioafetiva é fundamentada no reconhecimento de vínculos familiares que vão além da biologia. “Quando um padrasto ou madrasta assume, de forma pública e constante, o papel de pai ou mãe, oferecendo suporte emocional, material e educacional a uma criança ou adolescente, isso pode gerar direitos e deveres recíprocos. Entre eles, a obrigação de prestar alimentos”, explica Naumann.
Tribunais em todo o país, incluindo o Superior Tribunal de Justiça (STJ), têm se debruçado sobre o tema, reconhecendo a socioafetividade como geradora de responsabilidades jurídicas. Naumann esclarece que “a relação socioafetiva só é reconhecida quando há provas robustas de que o padrasto ou madrasta assumiu, de forma inequívoca, o papel parental, garantindo cuidados, suporte emocional e material”.
Em abril do ano passado, uma comissão de juristas presidida pelo ministro Luís Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), apresentou ao Senado uma proposta de atualização do Código Civil. Este texto, se aprovado, passa a reconhecer expressamente a multiparentalidade socioafetiva, ou seja, a possibilidade de reconhecimento de mais de um vínculo paterno ou materno – e coloca no texto da lei os direitos e deveres de pais e mães socioafetivos. Mas a atualização ainda não começou a tramitar.