O lançamento da minissérie Adolescência, da Netflix, reacende um debate urgente sobre os riscos da violência digital entre jovens. Baseada em uma trama ficcional que gira em torno do assassinato de uma adolescente e da acusação que recai sobre um colega de escola, a produção escancara a vulnerabilidade dos adolescentes em um cenário onde o cyberbullying se dissemina de forma silenciosa e devastadora. Ao mergulhar no cotidiano escolar e digital de seus personagens, a série revela como as agressões virtuais podem escalar até limites irreversíveis — tanto para vítimas quanto para suas famílias.
A minissérie retrata de forma crua e realista os danos emocionais e psicológicos que o bullying cibernético pode causar. De acordo com um levantamento do Colégio Notarial do Brasil, os registros de bullying e cyberbullying cresceram, em média, 12% ao ano no país, alcançando um recorde histórico de mais de 120 mil notificações apenas em 2023. O estudo aponta que a maioria dos casos envolve adolescentes entre 12 e 17 anos, sendo que grande parte das agressões ocorre em ambientes escolares e se estende ao universo digital.
Para o advogado Paulo Akiyama, especialista em direito de família e com atuação recorrente em temas ligados à proteção de crianças e adolescentes, a obra cumpre um papel importante ao escancarar um problema cada vez mais presente na vida dos jovens. “O que essa série faz é traduzir em dramaturgia aquilo que muitos pais e educadores ainda não conseguiram enxergar: a internet não é um território neutro, e os danos ali causados têm efeitos reais, profundos e, por vezes, irreversíveis”, comenta.
Segundo Akiyama, o bullying digital atinge não apenas os adolescentes diretamente envolvidos, mas também desestrutura lares inteiros. “Muitos pais não percebem os sinais de alerta até que os efeitos se tornem drásticos. Quando o ambiente digital se transforma em instrumento de violência, a saúde mental dos jovens se fragiliza e o diálogo dentro de casa precisa ser resgatado com urgência”, alerta o advogado.
A responsabilidade coletiva na prevenção
A série também chama atenção para a responsabilidade compartilhada na prevenção ao cyberbullying. Escolas, pais e a própria sociedade precisam assumir o compromisso de criar ambientes mais seguros e respeitosos — tanto no mundo real quanto no digital. Akiyama destaca que as instituições de ensino têm papel fundamental nesse processo, ao promoverem ações educativas e acolhedoras. “Não basta apenas punir depois do ocorrido. As escolas precisam atuar na formação de uma cultura de empatia, onde a violência não tenha espaço para se manifestar”, pontua.
Entre as medidas práticas que podem ser adotadas, estão programas de conscientização, capacitação de professores para lidar com situações de assédio virtual, canais seguros de denúncia e estímulo a atividades que desenvolvam o senso coletivo e o respeito mútuo entre os alunos.
Em casa, o papel dos pais vai além da vigilância. O especialista afirma que estabelecer um diálogo aberto, orientar sobre os riscos da exposição digital e incentivar o equilíbrio entre a vida online e offline são medidas essenciais. “As famílias precisam conversar sobre esses temas com naturalidade, sem julgamento. Quando o adolescente percebe que tem apoio, ele se sente mais seguro para pedir ajuda”, reforça.
Adolescência, ao colocar o cyberbullying como protagonista de uma tragédia anunciada, atua como uma espécie de espelho da realidade, mostrando que o descaso com o ambiente virtual tem consequências graves. “Não estamos mais lidando com um fenômeno isolado, mas com uma ameaça cotidiana à saúde emocional dos jovens. Essa discussão precisa estar no centro das políticas educacionais e familiares”, conclui Akiyama.