Com 215 milhões de habitantes e um território continental, o Brasil possui potencial para ter pelo menos cinco vezes mais rotas aéreas do que possui atualmente. Essa perspectiva não é novidade e alguns programas de incentivo já surgiram no país, em busca de alavancar um setor que vai muito além do turismo. Um deles, o Programa de Desenvolvimento da Aviação Regional (Pdar), instituído pela Lei 13.097/15, foi suspenso e nunca retomado. Após a pandemia, no entanto, nunca foi tão importante incentivar este mercado no país e no mundo.
Para o advogado e especialista em Direito Aeronáutico, João Roberto Leitão de Albuquerque Melo, o país precisa de políticas públicas que incentivem a criação de hubs de desenvolvimento numa espécie de interiorização da aviação. “Não se trata apenas de baixar o preço do combustível, mesmo sabendo que essa pauta é fundamental para o setor. Precisamos melhorar a infraestrutura de aeroportos das cidades de médio e pequeno porte, simplificar a criação de novas empresas aéreas regionais e para isso é importante o permanente diálogo com a agência reguladora e que novos incentivos sejam criados pelo Governo Federal, como política pública de desenvolvimento, e nesse aspecto, o crédito acessível para os empreendedores, através dos fundos específicos e dos bancos de fomento devem ser ampliados, com a criação de linhas de crédito para a aviação regional”, destaca.
O especialista traz um comparativo do mercado brasileiro com o norte-americano – este o maior do mundo em aviação: por aqui, dos mais de 5,5 mil municípios brasileiros, apenas pouco mais de 100 contam com voos regionais regulares. “Nos Estados Unidos, esse número é quatro vezes maior. Enquanto nós temos 460 aeronaves, eles possuem mais de cinco mil”, compara.
João Roberto, que é membro da Comissão de Direito Aeronáutico da OAB-RJ, faz outro comparativo para demonstrar a importância da atividade para a economia: “O crescimento médio anual nas cidades servidas por aviação foi de 2,08%, enquanto cidades sem aviação cresceram em média 1,61%”, afirma, referindo-se aos anos de 2010 a 2018.
Segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o país conta com 2,5 mil aeródromos. No entanto, a maior parte não conta com voos comerciais fixos ou não está habilitada para recebê-los. Destes, um terço se encontra na região Norte do Brasil, carente de soluções ágeis de deslocamento – que ficaram flagrantes, por exemplo, na pandemia de 2020. Mesmo após a flexibilização da Anac, promovida em 2021 para simplificar a regularização de pistas privadas de pouso e decolagem na Amazônia Legal, os problemas de acesso continuam.
O potencial que a aviação regional tem para promover o desenvolvimento através da conexão do interior do país é enorme, e atinge diversos setores da vida das pessoas, como o atendimento médico, transporte de remédios e vacinas, as viagens a negócios, o turismo – rural e sazonal – e até mesmo as entregas via e-commerce dos grandes centros de distribuição para o interior do Brasil, setor que só cresce no país (em comparação com o período pré-pandemia, o e-commerce brasileiro teve um aumento de faturamento de 785% nos cinco primeiros meses de 2022, segundo estudo da SmartHint).
A carga aérea também é um grande pilar do desenvolvimento regional, pois ajuda no transporte de produtos com alto valor agregado ou que estrategicamente precisam chegar na mesa no consumidor no mesmo dia. “O pequeno produtor do interior, por exemplo, poderá embarcar sua carga e fazer chegar na capital no mesmo dia, e assim criar uma frequência e um ciclo positivo de trabalho e renda”, destaca o advogado.
O combustível de aviação, que representa cerca de 30% ou mais dos custos das cias, é um dos entraves para o crescimento do setor, segundo aponta João Roberto. Algumas medidas foram tomadas nos últimos anos e ajudaram a incentivar o mercado, como a redução ou até alíquota zero do ICMS no combustível para este fim – em alguns Estados o percentual pode chegar a 18%, encarecendo ainda mais os custos de um setor que atua com margens bem apertadas de lucro. No ano passado, a Agência Nacional do Petróleo publicou uma resolução que estabelece regras para a produção de combustíveis alternativos, possibilitando que as refinarias nacionais passassem a fabricar e vender produtos que antes eram importados.
“Trata-se de um combustível usado em todo o mundo, em larga escala, e que ainda não estava disponível no Brasil. As companhias tinham que usar um combustível mais caro, que tem uma exigência de congelamento maior. Com a autorização deste novo produto, as organizações já tiveram um ganho porque puderam reduzir de forma imediata o custo da operação”, explica João Roberto. Além do preço, o acesso ao combustível é um dos fatores que gera desinteresse de empresas aéreas em operar em cidades remotas. “Em muitos destinos, não há um grande distribuidor, então a compra é feita de um fornecedor que repasse preço. Isso encarece”, esclarece o especialista.
A diversificação de frotas, incluindo aeronaves com menor capacidade de passageiros, também precisa ser parte do processo, tornando possível e rápida a interiorização do setor, já que não será preciso grandes adequações na estrutura existente para operações com aeronaves como o Cessna Grand Caravan e os ATR 72 e 42, que já estão em operação no Brasil.
“É preciso ter mais empresas regionais que possam pousar em aeroportos de pequeno e médio porte, interligando essas cidades menores às grandes capitais, onde estão os hubs. É estratégico para o desenvolvimento do Brasil, e é para as grandes empresas aéreas domésticas brasileiras que precisam da inclusão desse público para alimentar a sua grande malha. O interior precisa voar, se conectar, e esse incentivo gera desenvolvimento”, finaliza Albuquerque Melo.