Hoje, a coluna “A arte pede passagem” é diferente, é uma coluna que mistura o agradecimento, a saudade e a alegria, são todos os sentimentos em um MIX de reconhecimento. É assim que sinto a música de Milton Nascimento em mim, por isso do título “o meu Bituca”.
Dispo-me aqui da jornalista, escritora, para tecer palavras como fã de um mineiro-carioca, que desde muito cedo soube o significado da palavra resiliência.
Milton, perdeu a mãe para a tuberculose com apenas 2 anos, sendo adotado por um casal e mudando para Três Pontas, interior de Minas.
Ele cita que foi inspirado nas montanhas das Gerais que começou a compor seus primeiros acordes e canções. E lá se vão 60 anos de música.
E no ano do seu aniversário de 80 anos decidiu fazer o seu último show, a sua “última estação”, assistido e apreciado por 55 mil pessoas no Mineirão, em Belo Horizonte.
Confesso que ainda não assisti ao show inteiro, pois quando comecei as lágrimas vieram à tona. Talvez, eu não queira ver o último show de Milton, pois vou ver um Nascimento extremamente emocionado, por saber que não subirá mais aos palcos, mas ao mesmo tempo tenho vontade de assistir, pois sei que como ele fala: “fora dos palcos, mas da música jamais”.
O que representa para mim Milton Nascimento
Milton Nascimento foi o único, até então, que eu não consegui entrevistar. Não, por ele não permitir e sim por minha emoção. Chorei e ele disse no meu singelo celular gravador, “muito obrigado pelo seu carinho, estar aqui é fantástico, a Amazônia é isso: um misto de mistério e magia”, antes de subir no palco do Festival Amazonas de Música, em Parintins.
Eu havia estado toda a passagem de som lá, conversando com os músicos, um deles eu já conhecia de outros shows pela capital amazonense, o Gastão Villeroy. E o conheci logo após ter feito o show “MM – Milena canta Milton”. Ops, sim caro leitor, eu sou musicista também, talvez, por isso, eu não tenha conseguido entrevistar o nosso Bituca.
Milton Nascimento foi um dos primeiros caras que eu parei para escutar pela forma de cantar e eu acho que só tinha uns 4 ou 5 anos de idade. Os fins de semana em casa era sempre com muita música.
Meu tio Júnior* que colocava toda vez o mesmo vinil para tocar na vitrola, minha mãe dizia que o disco ia furar, mas este guardo com carinho até hoje. Neste LP haviam grandes nomes: Toquinho e Vinicius, Djavan e, lógico, o nosso Bituca.
A música “Travessia” e “Morro Velho” foram as primeiras canções que ouvi deste grande compositor.
Até hoje não consigo escutar “Morro Velho” sem chorar, tanto que eu tive que retirar do show MM de 2002, não conseguia cantar sem me emocionar, pois na minha cabeça de criança, assim como na minha cabeça de mãe, não entendia como um ser humano escraviza o outro pelo tom de cor da pele, por sua crença religiosa, decedência ou sua forma de pensar sobre política.
Mas voltemos a falar de Bituca. Ao longo dos seus 60 anos de prestação do seu dom – a música. Ele fez grandes parcerias. Fez com que uma música virasse um movimento em Minas e assim nasceu “Clube da Esquina”.
Uma música, um LP, uma canção em movimento. Considerado o melhor disco da Música Brasileira “Clube da Esquina” remete-me ao tempo feliz da época do meu Ensino Médio, pois se eu disser Segundo Grau alguns podem não entender (risos), na Escola Técnica Federal do Amazonas (Etfam). Assim como esses caras, eu tinha amigos que compunham comigo, que acreditavam na música como movimento de libertação e éramos da geração “Caras Pintadas”, acho que ainda tenho esse movimento em mim, afinal de contas “sonhos não envelhecem”.
São tantas canções, são tantas letras, vou retornar a minha infância. Lembro do movimento de 1984, “Diretas Já”, uma canção “Coração Civil”, eu muito menina cantava o dia inteiro essa música “me inspire nos teus sonhos de amor. Brasil”, assim descobri o que significava utopia, pois a frase diz “quero a utopia, quero tudo e mais”. Eu não sei vocês, mas quando canto uma música que me toca, parece que sou transportada para outro lugar e todas as vezes que canto essa música, parece que estou jogada no sofá de couro da minha avó Edina (in memoriam) e sinto até o cheiro do perfume Isa que ela usava.
A música de Milton faz isso, transportar-me de estação por estação, de sentir o cheiro do sal quando canto “trabalhando sal é o amor o suor que me sai, vou viver cantando o dia contente que faz”. As conchinhas do mar, o cheiro do mar, tudo isso sinto na música desse que, com certeza, é um dos maiores artistas do mundo.
Como não se emocionar com o olhar observador, do ser discreto que no palco é grandioso. Que em 6 décadas levou a nossa música para os quatro cantos do mundo. Que fez parcerias com gigantes como: Tom Jobim, Elis Regina, Agostinho dos Santos, Elmir Deodato, Herbie Hancock e Wayne Shorter. Com Wayne, nos Estados Unidos, gravou e lançou o disco “Native Dancer” internacionalmente. A partir daí surgiram muitas parcerias com artistas internacionais: Mercedes Sosa, Bjork, Duran Duran, Paul Simon e tantos outros.
Em sua “última estação” até a empresa Estrela lançou o brinquedo do sonho de muitos, o “Ferrorama”. Como disse, tudo que vejo em Milton remete-me há um tempo de esperança e alegria.
Quando vi a pré-venda do brinquedo no stories das redes sociais do Bituca lembrei-me imediatamente de passar horas olhando a vitrine da Mesbla (que ficava do outro lado da rua do trabalho da minha avó), com aquele Ferrorama passando do lado do Papai Noel, uma árvore de Natal e um grande presépio, para lembrar que a melhor época do ano havia chegado – o Natal.
Indicado 9 vezes ao Grammy e premiado em 5. São muitos prêmios, mas o melhor é o de ter nosso Bituca “nos bailes da vida” nesses mais de 60 anos.
MM – Sonho quem sabe
Há tempos, um grande amigo músico, Manoel Passos, pede para remontar o show “MM”. E escrevendo esse pequeno texto, senti tanta vontade de subir no palco e cantar as músicas dele. Quem sabe agora eu volte minha cabeça para os estudos.
Há tempos encontrei o repertório, com os meus tons e alguns arranjos que tenho a mania de fazer na minha cabeça e enlouquecer o pianista cantarolando o que eu quero. A banda para acompanhar-me, eu já tenho, a melhor de todas, a minha família Di Bubuia. É claro que para essa “Travessia” eu tenha que convidar outros músicos para somar.
Quem sabe possa realizar o sonho de fazer esse show, que na época os arranjos foram feitos para que eu cantasse no Teatro Amazonas e lá na minha casa, é assim que chamo o nosso Teatro, não pude fazer.
Penso em muitas coisas, mas “agora não pergunto mais pra onde vai a estrada” e que após eu ver o seu último show “sei que nada será como antes”.
*Tio Júnior, o meu muito obrigado por apresentar-me Bituca (in memoriam – Covid-19/ 2021)