Existe um enorme desencontro entre o potencial dos jovens brasileiros e as oportunidades que deveriam impulsioná-los. De um lado, temos cerca de 20 milhões de estudantes aptos a estagiar no país. Do outro, apenas 5,5% conseguem uma vaga, algo em torno de 1,1 milhão de jovens, segundo dados da Abres (Associação Brasileira de Estágios). É uma taxa de conversão baixíssima para um país que precisa formar novas gerações de profissionais e enfrenta uma preocupante rotatividade nos quadros corporativos. O resultado disso? Custos elevados, perda de conhecimento e descontinuidade de projetos nas empresas.
Não faltam jovens interessados, nem empresas dispostas a contratar. O que existe, na prática, é um processo que precisa ganhar eficácia, rapidez e desempenho estratégico. Ainda há programas de estágio que se apoiam em modelos tradicionais de seleção, baseados em currículos genéricos e entrevistas padronizadas, que nem sempre revelam o verdadeiro potencial. Em paralelo, estudantes sentem que não têm espaço para demonstrar quem realmente são, além das notas e cursos obrigatórios.
Mas o que realmente importa em um processo seletivo? Não é sobre saber tudo, mas saber o que importa. É preciso usar dados como indicadores de desempenho e permanência. Segundo a McKinsey (2021), habilidades como adaptabilidade, pensamento crítico e capacidade de operar um ambiente digital são mais relevantes do que competências técnicas isoladas, especialmente entre os jovens talentos.
É nesse contexto que a análise de dados se torna um recurso essencial. Hoje, mais do que olhar para o histórico acadêmico, é preciso compreender o comportamento, os valores e as capacidades cognitivas dos candidatos. Plataformas mais modernas já utilizam inteligência artificial para capturar esses elementos de forma automatizada, aplicando testes online e avaliações que apontam o estilo de aprendizagem, resiliência, empatia e o raciocínio lógico de cada candidato. O processo seletivo deixa de ser uma aposta e passa a ser uma construção.
A combinação de dados comportamentais, como capacidade de resolver problemas, trabalhar em equipe e superar desafios, com informações acadêmicas, experiências extracurriculares e alinhamento de valores com a cultura da empresa, cria um retrato muito mais completo e verdadeiro do candidato.
Na prática, um bom processo integra tecnologia e sensibilidade humana: ferramentas digitais agilizam as fases iniciais, organizam inscrições, fazem triagens automáticas e aplicam testes de perfil. Depois, vêm as etapas mais interativas, que permitem conhecer o candidato em profundidade, com simulações, resolução de casos reais e conversas que vão além do currículo, explorando propósito, visão de mundo e aspirações.
A proposta é usar todas essas etapas como peças de um quebra-cabeça que, ao final, mostre o quanto o perfil do candidato se aproxima do que a empresa realmente precisa. Assim, é possível aumentar a taxa de aderência, reduzir o turnover e transformar a experiência do estágio em algo valioso para ambos os lados. Os dados não substituem o olhar humano, eles o ampliam. E, quando usados corretamente, reduzem vieses, economizam tempo e criam condições mais justas para avaliar o potencial de jovens talentos.
Mais do que selecionar, é preciso aprender com o processo. O cruzamento de dados do recrutamento com informações sobre a performance, efetivação e crescimento dos estagiários dentro da empresa cria um ciclo virtuoso de aprendizado e melhoria contínua. Ao analisar quais competências, comportamentos e perfis estão mais associados a bons resultados, as organizações conseguem ajustar seus processos seletivos, aperfeiçoar as avaliações e até redefinir os critérios de escolha. Assim, o recrutamento deixa de ser um evento isolado e passa a ser um instrumento estratégico de desenvolvimento de talentos e fortalecimento da cultura organizacional.
Estagiários bem selecionados tendem a crescer dentro das companhias, reduzindo a rotatividade e fortalecendo o pipeline de liderança no longo prazo. Um programa de estágio bem planejado e conduzido não é apenas uma porta de entrada para o mercado: é um investimento no futuro da organização. Um bom match transforma o estágio em uma jornada de aprendizado, conexão e crescimento. E com o uso dos dados, esse match deixa de ser sorte e vira estratégia.
* Por Carolina Madureira, Product Owner na Companhia de Estágios