Um dia, cerca de dez anos atrás, um colega bateu à porta de Gonzalo González Abad com uma pergunta inesperada.
“Se você estivesse procurando sinais de uma civilização extraterrestre tecnologicamente avançada, a anos-luz de distância de nós, como você tentaria encontrá-los?”
González Abad é cientista atmosférico do Centro Harvard-Smithsoniano de Astrofísica, nos Estados Unidos. Ele pensou por um momento e respondeu: “CFCs”, os clorofluorcarbonos.
Na Terra, diversos objetos, como latas de aerossol e refrigeradores, passaram anos liberando esses gases em imensos volumes — até que descobrimos que os CFCs estavam destruindo a camada de ozônio.
“Eles duram por muito tempo – e, com certeza, não são produzidos pela natureza”, afirma González Abad.
Por isso, se alguma população alienígena poluísse seu mundo como nós fizemos com o nosso no século 20, os nossos telescópios poderiam simplesmente detectar a presença de CFCs na atmosfera de outros planetas.
Esta seria, potencialmente, uma indicação de uma cultura rica em tecnologia em outro ponto do universo – o que os cientistas chamam de “tecnoassinatura”.
Em outras palavras, talvez não sejamos os únicos… a bagunçar com um planeta. Da mesma forma que o lixo das pessoas pode revelar os seus segredos, as civilizações extraterrestres podem se deixar mostrar por pura negligência.
Ao longo dos anos, pesquisadores vêm se debruçando bastante sobre este assunto. Eles encontraram diversas possibilidades de tecnoassinaturas — do excesso de luz até fragmentos espaciais ou gases nocivos na atmosfera de um planeta extraterrestre.
Estão surgindo telescópios suficientemente poderosos para detectar as tecnoassinaturas. E muitos cientistas esperam que eles possam ser utilizados nas próximas décadas para tentar encontrar vida em outros planetas.
O lixo está por aí, esperando para ser encontrado. Ou não.
Em busca dos poluentes
Em 2014, González Abad publicou com outros autores um estudo que discutiu a possibilidade de encontrar seres extraterrestres por meio das emissões de CFC.
Os pesquisadores calcularam que, se a concentração desses gases na atmosfera de um planeta distante atingir cerca de 10 vezes a sua concentração na Terra, talvez seja possível detectar sua presença com o telescópio espacial James Webb, que iniciou suas operações em 2022.
Basicamente, os CFCs podem permanecer na atmosfera de um planeta por dezenas de milhares de anos. Isso significa que uma civilização extraterrestre não precisaria, necessariamente, produzi-los por muito tempo para deixar traços de atividade.
O cloro na atmosfera da Terra está atualmente ali devido à emissão de CFCs de décadas passadas. Hoje, esses gases são proibidos em todo o mundo, mas existe ainda muito trabalho a fazer para sua completa eliminação.
Talvez seja possível detectar CFCs com o telescópio espacial James Webb se o planeta poluído orbitar uma pequena estrela anã branca, segundo indicam González Abad e seus colegas. Isso aumentaria as possibilidades de que quantidade suficiente de luz chegasse até a Terra.
Os cientistas conseguem procurar CFCs e diversas outras substâncias na atmosfera de planetas distantes estudando os espectros – comprimentos de onda específicos – da luz refletida por mundos alienígenas.
Como parte da luz é absorvida por certas substâncias durante a passagem pela atmosfera, as características exatas da luz emitida podem revelar quais substâncias estão presentes em um corpo distante.
Muitas das categorias de tecnoassinaturas extraterrestres já discutidas são inspiradas pelos poluentes criados pelos seres humanos aqui na Terra.
Os cientistas já consideraram, por exemplo, a possibilidade de se encontrar civilizações extraterrestres ao detectar quantidades imensas de calor residual emitidas por fontes industriais.
Outros sugeriram que, no caso de alienígenas que possam ter sucumbido a uma guerra nuclear em larga escala no seu planeta, poderíamos observar da Terra os flashes brilhantes da explosão das suas ogivas.
E existem os detritos espaciais. Será que poderíamos detectar massas de fragmentos em órbita de outro planeta? Afinal, parte deles talvez venha a atingir a Terra algum dia.
A ficção científica é repleta de histórias de seres humanos que exploraram o espaço e esbarraram em detritos extraterrestres.
No filme Alien, o Oitavo Passageiro (1979), a tripulação da nave Nostromo encontrou uma meganave alienígena acidentada. Mas, quanto menos se disser sobre o que acontece em seguida, melhor.
‘Esperar o inesperado’
Voltemos aos gases, que podem ser detectados a distâncias muito maiores. Os cientistas consideram também a busca por outros poluentes gasosos, além dos CFCs. O dióxido de nitrogênio (NO2) é um exemplo.
“A maior parte do NO2 do nosso planeta vem da atividade industrial”, diz Giada Arney, do Centro de Voos Espaciais Goddard, da Nasa.
Arney é uma das autoras de um estudo de 2021 sobre o potencial de descoberta de civilizações extraterrestres através da busca por poluição de NO2 pela galáxia.
Na Terra, cerca de 65% do NO2 é proveniente de emissões geradas pelos carros, navios, aviões e usinas de energia, entre outras fontes antropogênicas.
Ao contrário dos CFCs, o NO2 não permanece na atmosfera por milhares de anos, o que pode dificultar sua descoberta em outros planetas. Mas, por outro lado, os altos e baixos das concentrações de NO2 poderiam oferecer uma indicação dos níveis de atividade industrial em planetas específicos.
“É possível também pensar em tecnoassinaturas temporárias, que podem fornecer informações adicionais sobre o que está acontecendo na atmosfera do planeta”, explica Arney.
A cientista conta que ela e seus colegas tiveram a ideia do seu estudo quando os níveis de NO2 na atmosfera da Terra caíram abruptamente durante as medidas de isolamento da pandemia de covid-19.
Medições de campo revelaram que o nível de NO2 desabou em cerca de 30% em alguns países com rigorosas políticas de isolamento. E as reduções das emissões de NO2 também foram observadas por satélites em órbita da Terra.
Por isso, não é fora de propósito sugerir que uma civilização alienígena que esteja nos observando possa vir a constatar essa alteração.
Além da vida curta do NO2 na atmosfera, existe outra questão importante: ,uitas fontes naturais produzem o gás, desde relâmpagos até incêndios florestais.
Por isso, encontrar NO2 na atmosfera de um planeta pode não ser uma prova definitiva do desenvolvimento de motores a combustão interna por uma civilização alienígena, por exemplo, nem de qualquer outra fonte emissora desse gás.
Arney e seus colegas defendem que, na Terra, as fontes naturais sozinhas não produziriam quantidade suficiente de NO2 para que o gás fosse detectável à distância. Ou seja, observar dióxido de nitrogênio na atmosfera de outro planeta pode realmente indicar a existência de algum tipo de atividade industrial.
Os cientistas já estão estudando a luz refletida por planetas distantes, para tentar determinar quais substâncias podem estar presentes.
Em setembro de 2023, pesquisadores relataram ter detectado metano e dióxido de carbono, por meio do telescópio espacial James Webb, na atmosfera de um planeta chamado K2-18b.
O planeta orbita uma estrela anã a cerca de 120 anos-luz da Terra.
Esta foi uma descoberta importante. Ela sugere que o planeta pode ser banhado por um oceano de água.
“É a primeira vez em que conseguimos chegar perto de dizer que existe um oceano em um exoplaneta”, afirma Nikku Madhusudhan, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.
Mas ele e seus colegas também encontraram evidências de um composto ainda mais interessante na atmosfera do K2-18b: sulfóxido de dimetila (DMS).
Na Terra, apenas organismos vivos produzem esse composto, mas ele também é emitido por certas fontes industriais, como moinhos de processamento de madeira, por exemplo.
Madhusudhan destaca que este é um resultado preliminar e é preciso aguardar novas confirmações para se ter certeza da existência de DMS. Mesmo assim, em princípio, pode ser uma bioassinatura — um sinal de vida — e, quem sabe, até uma tecnoassinatura, se seres extraterrestres estiverem processando materiais de forma similar ao que fazemos na Terra.
Mas o cientista acha difícil imaginar uma civilização alienígena industrializada em um mundo que pode estar totalmente coberto pela água.
Ainda assim, Madhusudhan acredita que a busca por vida em outras partes do Universo deve considerar possibilidades que nos surpreendam.
“Precisamos esperar o inesperado”, diz.
Novos telescópios
A grande expectativa dos projetos de busca por civilizações tecnologicamente avançadas por meio dos gases poluentes é que, nas próximas décadas, nossas capacidades de observação sejam drasticamente aumentadas, segundo Jane Greaves, da Universidade de Cardiff, no Reino Unido.
“É impressionante que esses traços de gases sejam potencialmente detectáveis”, explica ela.
Greaves destaca que os próximos telescópios a serem inaugurados serão apropriados para este tipo de análise.
Além do telescópio espacial James Webb, que fica em órbita do Sol, existe o Telescópio Extremamente Grande, do Observatório Europeu do Sul. Trata-se de uma construção com base terrestre no Chile que deve iniciar operações em 2028.
A Nasa atualmente planeja desenvolver um telescópio espacial chamado de Grande Pesquisador de Infravermelho, Óptico e de Ultravioleta – Luvoir, na sigla em inglês – para os anos 2030.
Arney e seus colegas consideraram as capacidades deste equipamento ao calcular como poderiam detectar NO2 em outros planetas.
E existe o Observatório dos Mundos Habitáveis, um telescópio especificamente projetado para procurar bioassinaturas — e, por extensão, talvez tecnoassinaturas — no final da década de 2030 ou nos anos 2040.
Para Greaves, “se conseguirmos persistir por um monótono período de alguns anos, será fascinante”.
Mas os telescópios ópticos têm suas limitações.
Andrew Siemion, do Instituto Seti, nos Estados Unidos, afirma que a maior parte do trabalho da sua organização se concentra na detecção de sinais de rádio alienígenas na nossa galáxia.
O Instituto Seti foi criado para procurar vida em outras partes do Universo.
“Dedicamos talvez 5% do nosso tempo e análise a algumas dessas outras ideias”, explica ele.
Siemion destaca que as emissões de rádio podem ser detectadas “em toda a galáxia”. Isso significa que a nossa possibilidade de observá-las pode ser maior.
Ele salienta ainda que, como todas as possíveis tecnoassinaturas indicadas até agora são essencialmente baseadas em poluentes produzidos pelo seres humanos, existe o risco de considerarmos que as civilizações extraterrestres seriam muito similares à nossa.
E não existe nenhuma garantia de que isso seja verdade.
Como diz Madhusudhan, “espere o inesperado”, sem assumir uma visão antropocêntrica da vida em todo o Universo.
Com isso em mente, o Instituto Seti vem se concentrando cada vez mais na busca por anomalias nos dados e não por traços específicos que poderíamos considerar como vindos de uma população alienígena, segundo Siemion.
Qualquer ponto estranho em um conjunto de dados de observações cósmicas pode ser a indicação que estamos procurando.
“Não precisamos entrar na mente dos ETs, por assim dizer, e imaginar o que eles poderiam fazer, nem exigir que eles tenham o mesmo tipo de evolução tecnológica dos seres humanos”, explica Siemion.
Em outras palavras, não é preciso nem mesmo saber exatamente o que procurar. Precisamos apenas encontrar algo inesperado que mereça pesquisas adicionais.
Talvez todas essas tecnoassinaturas propostas, mesmo estando potencialmente no caminho certo, sejam mais um reflexo da nossa consciência cada vez maior de que os seres humanos são uma espécie bagunceira e poluidora.
Talvez haja até um grau de culpa embutido nesta suposição. Nós nos consolamos imaginando que os alienígenas cometeriam os mesmos erros que nós.
Como diz Arney, formas de vida verdadeiramente inteligentes podem não produzir tecnoassinaturas baseadas em poluentes, como CFCs, por longos períodos da sua história. Talvez o façam apenas por breves momentos e limpem suas atividades em seguida.
Neste caso, teríamos que ter sorte para procurar essas assinaturas no momento certo.
“Fico imaginando por quanto tempo a poluição irá se expressar”, afirma Arney. “Gosto de esperar que uma civilização aja de forma eficiente.”
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
Por Chris Baraniuk/ BBC Future
Foto: ESA/Hubble & NASA