A infância mudou nas últimas décadas. Se antes era comum ver crianças brincando na rua, subindo em árvores ou explorando o mundo sem tanta supervisão, hoje a realidade é diferente. O medo da violência, os riscos de acidentes e o excesso de telas, entre outros fatores, reduziram drasticamente a autonomia infantil. Nesse Dia Mundial da Infância, 21 de março, nos perguntamos: quais são as consequências dessa superproteção?
A cultura do supercontrole e do medo paterno/materno está transformando a infância, e isso pode ter impactos negativos no desenvolvimento emocional, cognitivo e motor das crianças, podendo aumentar o risco da criança desenvolver problemas como depressão, ansiedade, baixas habilidades motoras, má postura, baixa criatividade, baixa autoestima, sensação de falta de autonomia, sentimento excessivo de medo, dificuldade em lidar com frustrações, incapacidade de resolver problemas, dificuldade de socialização e incapacidade de resolver conflitos na vida real, fora do mundo virtual, entre outros.
“Brincar é parte fundamental do desenvolvimento humano”, diz Danielle Admoni, psiquiatra geral e psiquiatra da infância e adolescência, supervisora na residência de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp/Escola Paulista de Medicina) e especialista pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria). “Ao brincar a criança aprende muita coisa: a se arriscar, a conviver com outras pessoas e aprender a esperar, entre muitas outras. E elas estão perdendo esse aprendizado, porque ou estão presas em algum lugar ou estão nas telas”, afirma a médica.
Pesquisa da agência inglesa OnePoll, divulgada em 2022, mostrou que, das crianças entrevistadas, apenas 27% costuma brincar fora de casa.
Os motivos para a reclusão infantil são vários: medo da violência e do trânsito em cidades grandes, falta de tempo por ter a criança ter a agenda cheia de atividades extracurriculares, uso excessivo de telas com tablets, celulares e videogames, atividade que mantém as crianças mais dentro de casa e medo dos pais serem julgados como irresponsáveis por outros pais. Essa pressão social também tem um papel relevante: a ideia de que um bom pai ou uma boa mãe devem estar sempre atentos e mantendo seus filhos seguros pode gerar um controle excessivo sobre as crianças.
Para as crianças conquistarem mais liberdade e tempo de brincar, várias frentes são necessárias. Primeiro, é preciso uma mudança de mentalidade dos pais e que eles permitam pequenas doses de liberdade, e de períodos de brincadeiras não supervisionadas, para que as crianças desenvolvam autonomia. Os pais também devem encarar a tarefa de controlar o tempo de tela dos filhos, e procurar a ajuda de um profissional de saúde mental, em caso de dependência da criança. É preciso também rever a agenda de atividades e, se preciso, cortar algumas para que a criança tenha tempo para não fazer nada e criar suas brincadeiras.
É necessário também que as escolas incentivem brincadeiras livres e que desenvolvam projetos pedagógicos que incluam atividades ao ar livre ou esportivas. A proibição do uso de celulares nas escolas, que entrou em vigor neste ano, é um incentivo para que a escola permita mais movimentação e livre brincar dos alunos nos momentos de intervalo.
E por fim, mas não menos importante, as famílias precisam de espaços urbanos mais seguros. Os cidadãos podem e devem pressionar seus vereadores e prefeitos a promoverem espaços de lazer seguros nas cidades, como parques e ruas fechadas.
É somente assim, atuando em várias frentes e unindo diversos setores da sociedade – família, escolas e poder público – que conseguiremos o brincar livre na infância.