O livro ‘Um conto nunca contado’, do escritor indígena e antropólogo Jaime Diakara, chegou no catálogo da Valer e nas livrarias que vendem os títulos da editora amazonense nesta semana. A obra conta com a apresentação do escritor, ativista e ator indígena Daniel Munduruku. O livro é o primeiro a ser publicado, dos 20 escolhidos pela Valer, do Concurso Frauta de Barro – 2023, sem custo para autores.
‘Um conto nunca contado’ traz uma história provinda dos tempos ancestrais, tempos que se perdem, rodopiam e retornam, cumprindo o eterno retorno do mesmo. Com a obra, ouvimos a voz de outro povo, o Dessana; de um mundo no qual o homem escuta e busca conselhos com a Natureza, no qual os vivos não se distanciam dos seus Deuses e dos seus ensinamentos. Além disso, o livro tem ilustrações produzidas pelo autor.
De acordo com Neiza Teixeira, coordenadora editorial da Valer e autora do livro ‘Para aquém ou para além de nós’, ao ler o livro, não é preciso ser um profundo conhecedor dos povos indígenas brasileiros para adentrar no universo que colide com a sabedoria dessana.
“Diakara é um autor comprometido com o seu povo. Autor de obras como “Gaapi”, por exemplo, ele traz até nós o conhecimento e sabedoria indígenas, contribuindo para a formação de um pensamento para o futuro”, explicou Neiza.
Daniel Munduruku confessou que ao ler a obra de Jaime Diakara se sentiu completo, trafegando pelo mundo inominável do mistério e adentrando nele com a inocência de quem precisa contemplar o Todo para sentir-se completo.
“Foram todos esses sentimentos que eclodiram em mim quando tive a oportunidade de conhecer a obra deste grande antropólogo Jaime Diakara[…] Ele consegue ser este contador de histórias, sábio, profeta que nos remete ao princípio sem precisar explicar absolutamente nada porque a história basta a si mesma.”
Na apresentação, Daniel Munduruku ainda explica que ao ler esta obra, é justamente mergulhar na completude, porque só se pode ser completo quando a gente se percebe parte do inexplicável e inominável. “É, de fato, um mestre falando de si, de mim, de nós, num único movimento. Nesse mundo, não há inimigos ou subalternos; não há patrão e empregados; não há sábio e ignorante. Tudo faz parte de um mesmo processo que nos conduz ao seu início que é, também, seu fim.”, escreveu.
E continuou: “Esta é a magia das histórias. Este é o método pedagógico criado pela ancestralidade para não nos permitir perder o caminho e esquecer a identidade que nos guia. Jaime faz isso com coragem e sensibilidade. Não será preciso entender todos os processos que regem a cultura de seu povo, os Dessana, para mergulhar na narrativa que ele nos propõe. Não se necessita conhecer os povos indígenas brasileiros para adentrar no universo que colide com a sabedoria dessana.”.
Munduruku ainda finalizou explicando que as histórias permitem lembrar quem somos, de onde viemos, o que fazemos neste mundo e para onde iremos quando a hora de nossa passagem chegar. Elas dão sentido ao existir e mesmo ao não existir, pois nos permitem entender que somos partes de um todo que não começou em nós e não terminará em nós.
Confira um trecho do livro:
Sabia que na aldeia existia o telão?
É, a história começa assim: no universo, na boca da noite bem estrelada, na porta da maloca, saindo fumaça de cigarro, o rito do canto peculiar dos grilos da noite, o coaxar dos sapos, meus gritos e o ressoar do som da minha flauta de ossos, compunham uma noite de festa. Em meio à agitação, abria-se um telão no universo com uma imagem de um kumu, Dihputiro Porü, grande especialista e conhecedor de ritos.
Admirados, as indagações começaram a ganhar vida por ali:
- O que está acontecendo?
Sobre Jaime Diakara
Indígena do povo Dessana, do Grupo Wari Diputiro Porã. É graduado em Licenciatura em Pedagogia Intercultural Indígena pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), agente cultural, escritor, professor indígena, conhecedor sobre cosmologia Dessana, contador de história e ilustrador.
Por Bruna Chagas
Fotos: Divulgação/Editora Valer