Em 1993, a novelista Gloria Perez deu início a um abaixo-assinado de alcance nacional com a ambiciosa pretensão de endurecer a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072, de 1990), que não abarcava o assassinato. Ela havia acabado de perder a filha, a atriz Daniella Perez, morta a punhaladas pelo casal Guilherme de Pádua e Paula Thomaz.
Em busca de adesão, Gloria recorreu a programas de rádio e TV e a grandes shows de música. Os papéis passavam de mão em mão. Ao fim de três meses, ela conseguiu reunir 1,3 milhão de assinaturas. A novelista viajou a Brasília para entregar os calhamaços ao Congresso Nacional.
O resultado desejado logo chegaria. Em 1994, os parlamentares aprovaram e o presidente Itamar Franco sancionou a transformação do homicídio qualificado em crime hediondo, o que significa que as penas não podem ser aliviadas em nenhuma hipótese.
Se a luta de Gloria Perez pela mudança da lei fosse hoje, ela poderia atingir o mesmo objetivo sem ter que enfrentar o trabalho hercúleo de quase 30 anos atrás. O Senado dispõe de uma ferramenta on-line que permite a qualquer cidadão sugerir aos parlamentares, de forma oficial, ideias de lei. A mesma ferramenta se encarrega de receber e contabilizar os registros de apoio.
Trata-se do Portal e-Cidadania. Nele, os próprios cidadãos escrevem as ideias, que se tornam públicas e são avaliadas pela sociedade. Cada sugestão fica num link específico, que costuma ser divulgado nas redes sociais pelo autor e pelos demais interessados. Esse tipo de divulgação é importante porque atrai o apoio popular para a ideia.
Quando recebe 20 mil cliques de apoio no prazo de quatro meses, a sugestão é automaticamente enviada para a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). Essa comissão temática do Senado então decide no voto se a ideia vira um projeto de lei ou uma proposta de emenda à Constituição e passa a ser estudada, discutida e votada pelos senadores como qualquer outra proposta legislativa.
O Portal e-Cidadania foi criado em 2012. Ao longo desses dez anos, recebeu 105 mil ideias legislativas dos mais variados temas, das quais 225 alcançaram os 20 mil cliques necessários. Até o momento, a CDH transformou 28 em propostas legislativas. Algumas delas ainda estão no Senado. Outras, mais adiantadas, já foram mandadas para a Câmara dos Deputados. É apenas questão de tempo para que alguma vire lei.
Entre as 28 ideias que receberam o aval da CDH e avançam no Congresso Nacional, estão a que proíbe a distribuição de canudos e sacolas de plástico em todo o território nacional (PLS 263/2018), a que acaba com aposentadoria especial para políticos (PEC 53/2019), a que obriga santinhos de campanha eleitoral a serem feitos de material biodegradável (PL 2.276/2019) e a que proíbe fogos de artifício com barulho, para proteger a saúde de autistas, pessoas doentes e animais de estimação (PL 2.130/2019).
“O e-Cidadania é um instrumento que estimula a democracia participativa. Em vez de apenas votarem na eleição e depois assistirem aos seus representantes tomando as decisões, os cidadãos desempenham um papel mais ativo durante o mandato dos políticos, opinando, sugerindo e discutindo. Os cidadãos agora falam diretamente aos seus representantes”, explica o coordenador do e-Cidadania, Alisson Bruno Queiroz.
De Fortaleza, a assistente social Irene Jucá propôs ao Senado que o poder público seja obrigado a criar centros de cuidado integral dos autistas, com especialistas em saúde e educação. A sugestão virou um projeto de lei (PLS 169/2018), que já foi aprovado pelos senadores e agora depende da deliberação dos deputados.
Ela se baseou na própria experiência. Após incontáveis consultas com os mais variados profissionais, Irene só ouviu o diagnóstico de autismo de sua filha quando ela já tinha 21 anos de idade. Isso retardou a adoção dos tratamentos que poderiam garantir à jovem melhor desenvolvimento e mais qualidade de vida.
“Fala-se em incapacidade, mas a verdade é que as pessoas autistas são obrigadas a viver em ambientes que não favorecem o seu desenvolvimento “, ela argumenta.
Mesmo as sugestões do e-Cidadania que não alcançam os 20 mil cliques de apoio podem ser livremente “adotadas” pelos senadores, caso eles as julguem importantes, sem a necessidade do crivo da CDH, e apresentadas ao Senado como projetos de lei ou propostas de emenda à Constituição. Dez ideias já foram encampadas por parlamentares.
Entre elas, está a sugestão do aposentado Antônio Soares, que tem 81 anos e vive em Maceió. Ela, que foi assumida pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM), estabelece que a data de validade dos remédios precisa estar impressa nas embalagens em números grandes, para facilitar a vida de pessoas como ele, que já não enxergam muito bem por causa da idade (PL 546/2022).
“Eu consegui! Como sou muito pequenino, nunca imaginei que poderia dar certo”, comemorou ele quando soube que a sugestão havia virado projeto.
Com informações da Agência Senado