O pacote de medidas econômicas anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para equilibrar as contas públicas deve enfrentar resistências no Congresso Nacional. Os pontos mais controversos das propostas são o chamado voto de qualidade — poder de o governo desempatar disputas tributárias no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) — e o baixo volume no corte de gastos. O Orçamento de 2023 prevê um déficit de R$ 231,55 bilhões nas contas públicas.
As propostas anunciadas pela equipe econômica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última quinta-feira (12) estão em três medidas provisórias, dois decretos e duas portarias interministeriais. No caso mais polêmico, o do voto de qualidade, previsto em uma das MPs, não houve articulação da equipe econômica do governo petista com o Congresso.
A resistência do Parlamento pode ser um problema para Haddad e sua equipe, porque parte significativa do sucesso das medidas do pacote fiscal depende da redução dos litígios entre contribuintes e a Receita Federal — o que poderia ser resolvido parcialmente com a volta do voto de qualidade no Carf. Com a extinção do mecanismo em 2020, o governo deixou de arrecadar cerca de R$ 60 bilhões por ano, segundo Haddad.
Ao ressuscitar o voto de qualidade, a União amplia as chances de aumentar a arrecadação com vitórias da Receita em julgamentos, já que os representantes indicados ao órgão pelo governo teriam poder de desempatar disputas. Atualmente, há cerca de R$ 1 trilhão em impostos sendo discutido no Carf. A medida vai ser analisada pelo Poder Legislativo até, no máximo, o início de maio.
André Félix, advogado especialista em direito tributário, acredita que a previsão do governo sobre o retorno do voto de qualidade no Carf é otimista, e que a medida não deve passar pelo Congresso Nacional.
Para o especialista, a equipe econômica onera a cadeia produtiva e contraria as decisões do Poder Legislativo. “A decisão a favor do contribuinte é mais justa e honesta. Além disso, a equipe econômica quer que o processo administrativo seja homologatório e que os autos de infração sejam mantidos. Isso não vai levar a nada, vai aumentar o litígio. Acredito que [a medida] não vai passar no Congresso Nacional porque já não passou em outras oportunidades.”
“Não houve o mínimo de debate. O ministro não conversou com os demais setores econômicos para entender como funciona o processo administrativo tributário e fez um julgamento quanto à composição paritária do Carf. A gente fala tanto da participação maior da sociedade na política, mas o ministro quer diminuir isso”, declara Félix.
“Mexer em voto de qualidade é um baita desrespeito com o Congresso, que há dois anos legislou sobre isso”, diz o tributarista Luiz Gustavo Bichara. Para ele, essa medida parte do pressuposto de que o Carf é um órgão que tem de ajudar na arrecadação do governo.
Fernando Haddad e Luiz Inácio Lula da Silva
“Não é. O Carf é um órgão que tem de julgar as cobranças tributárias de acordo com a lei com cidadania tributária”, critica Bichara, membro da comissão de juristas instituída pelo Senado para reforma da legislação sobre processo administrativo e tributário.
Na esteira da decisão, a classe empresarial já se movimenta para pressionar o Congresso a barrar a medida. O grupo de empresários Esfera Brasil, por exemplo, disparou um apelo aos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para que não “condenem o Brasil a ainda mais atraso”.
“Trata-se de um grave e profundo retrocesso no que havia sido uma grande conquista em nome do investimento, da geração de empregos e do crescimento da economia”, declarou o grupo, em nota.
Perfil do Congresso
O economista Alessandro Azzoni disse acreditar que as propostas devem enfrentar resistência no novo Congresso, que toma posse em 1º de fevereiro, principalmente por causa do perfil dos parlamentares da nova legislatura, alinhados ao centro e à direita.
Ozzoni ressalta outra questão que ele vê como um problema na proposta de Haddad. O governo quer o fim de recursos ao Carf para valores em disputas abaixo de R$ 15 milhões, de modo que o litígio se encerraria automaticamente após o contribuinte vencer em primeira instância. “Só que, dentro da base do direito administrativo, a Receita tem que recorrer até a última instância. Nesse caso, deixar de recorrer pode configurar prevaricação”, destaca.
Outro ponto controverso diz respeito ao corte de gastos calculado pelo ministro da Fazenda. Apesar do déficit orçamentário previsto de R$ 231,55 bilhões, a equipe econômica propõe um corte de apenas R$ 50 bilhões. A maior parte da redução do déficit viria do fim de litígios com a Receita.
“O corte de gastos anunciado é pequeno frente à gigantesca máquina que nós temos. Não é o esperado, mas é um começo, ainda mais considerando que o PT faz governos mais voltados ao aumento dos gastos públicos”, declarou Ozzoni.
Pacote de recuperação fiscal
Entre as medidas provisórias e portarias divulgadas pelo governo para reduzir o rombo de R$ 231,5 bilhões nas contas do governo, que está inserido os valores aumentados pela PEC de transição para o Bolsa Família, estão:
• Lançar o programa Litígio Zero, que permitirá aos contribuintes sanar seus tributos com o governo e, ao mesmo tempo, trará recursos para os cofres públicos;
• Focar a extinção dos recursos de ofício para dívidas abaixo de R$ 15 milhões, o que possibilitará a eliminação automática de cerca de mil processos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), no valor de quase R$ 6 bilhões;
• Retornar com o voto de qualidade no Carf. Na prática, o governo aumenta as chances de vitória da Receita em julgamentos, o que vai ampliar a arrecadação. Atualmente, há cerca de R$ 1 trilhão em impostos em discussão no Carf.
*Com informações da Agência Estado