O avanço da reforma tributária no Congresso reacendeu debates sobre seus impactos na economia e no dia a dia dos brasileiros. Enquanto o texto promete simplificar um dos sistemas mais complexos do mundo, especialistas apontam que a carga tributária sobre o consumo pode aumentar, afetando principalmente a população de baixa renda. A pressa na regulamentação, em um cenário de transição que se estenderá até 2033, gera receios entre empresas e consumidores.
Um estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) revela que o Brasil já possui uma das maiores cargas tributárias sobre o consumo, representando cerca de 50% da arrecadação total do país. A pesquisa mostra que a tributação sobre bens e serviços no Brasil é mais regressiva, atingindo com mais força os consumidores de menor poder aquisitivo.
Para Renata Bilhim, advogada tributarista e ex-conselheira do CARF, a proposta atual traz pontos positivos, mas carrega distorções que merecem atenção. “A simplificação é importante, mas o aumento da carga sobre o consumo é um risco real. Isso penaliza quem ganha menos, pois, independentemente da renda, todos pagam a mesma alíquota sobre produtos e serviços”, afirma.
Setor de serviços deve sentir o maior impacto
Um dos setores que mais deve sofrer com a reforma é o de serviços, que inclui desde profissionais liberais, como médicos e advogados, até pequenas empresas de tecnologia. Atualmente, a alíquota média paga pelo setor varia em torno de 8,65%, considerando PIS, Cofins e ISS. Com a nova proposta, o valor pode subir para 28%, afetando diretamente o preço dos serviços oferecidos.
Segundo Renata Bilhim, os efeitos dessa mudança no setor de serviços será inevitável. “O aumento substancial de carga tributária será repassado ao consumidor final. Em atividades com margens já apertadas, como em microempresas, haverá redução de lucro e, em alguns casos, inviabilidade de operação”, explica.
Para a advogada, é essencial considerar a realidade do setor, que responde por mais de 70% do PIB brasileiro e emprega milhões de pessoas. “Tributar de forma desproporcional pode gerar desemprego e aumentar a informalidade, especialmente em atividades menores”, acrescenta.
Regressividade e impacto nos consumidores
O principal problema apontado por especialistas é a regressividade da tributação, ou seja, a cobrança que não considera a capacidade de pagamento. Produtos básicos, como alimentos e medicamentos, têm alíquotas embutidas no preço final, afetando diretamente famílias de baixa renda.
Além disso, o efeito prático da reforma só será percebido de forma gradativa. A transição completa está prevista para durar quase uma década, com mudanças iniciais a partir de 2026. Ainda assim, Renata Bilhim alerta que os primeiros sinais poderão ser sentidos já em 2025. “As empresas, prevendo aumentos, podem antecipar repasses nos preços de produtos e serviços, tornando a situação ainda mais difícil para os consumidores”, avalia.
Possíveis soluções e caminhos alternativos
Uma das alternativas apontadas por especialistas para diminuir as consequências negativas da reforma é a criação de mecanismos de compensação, como o cashback para famílias de baixa renda. A medida devolve parte dos tributos pagos em produtos essenciais, garantindo maior equilíbrio no sistema.
Outra possibilidade seria uma revisão das alíquotas setoriais, levando em conta a realidade de cada segmento da economia. Para Renata, o diálogo entre governo e sociedade é fundamental. “Não basta simplificar; é preciso encontrar um equilíbrio. As alíquotas devem ser justas e considerar o impacto social e econômico de cada setor”, pontua.
A advogada ainda destaca a importância da transparência no sistema tributário. “É preciso educar a população sobre quanto se paga em impostos e como isso afeta o custo de vida. Muitas vezes, as pessoas não sabem que mais da metade do preço de um produto é imposto”, conclui.
Diante de um cenário tão complexo, a reforma tributária traz esperança de simplificação, mas também exige cuidado na implementação. Sem medidas que garantam justiça fiscal, o risco de onerar ainda mais os consumidores mais pobres pode se tornar uma realidade.