O trabalho ocupa um papel central na vida de milhões de pessoas ao redor do mundo. Para muitos, ele é fonte de realização pessoal, estabilidade financeira e uma importante rede de conexões sociais. No entanto, o mesmo ambiente que oferece segurança e propósito pode se transformar em um gatilho para o esgotamento emocional.
Com foco no bem-estar dos trabalhadores, a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu o tema “É hora de priorizar a saúde mental no local de trabalho” para o Dia Mundial da Saúde Mental deste ano, celebrado em 10 de outubro. A campanha busca alertar para a crescente crise de saúde mental entre os trabalhadores, causada por ambientes de trabalho que não equilibram demandas profissionais com o cuidado emocional.
A psicóloga Aila Cardial, que atua no acompanhamento de profissionais, destaca a importância de falar sobre o tema: “Saúde mental no trabalho vai muito além da ausência de doenças. É sobre ter um ambiente que permita um equilíbrio entre vida pessoal e profissional, em que a pressão não supere a capacidade de resiliência emocional”.
O impacto do trabalho na saúde mental: benefícios e desafios
Para muitas pessoas, o trabalho é parte essencial da identidade, pois oferece crescimento profissional, realização de metas e a sensação de pertencer a algo maior. Isto é, um emprego bem estruturado traz sentido de pertencimento, fator chave para a saúde mental.
O ambiente de trabalho também funciona como um espaço de socialização. As interações com colegas, a colaboração em projetos e o reconhecimento de bons resultados geram bem-estar. “Muitas vezes, essas conexões oferecem importante apoio emocional fora do ambiente familiar”, complementa Aila Cardial. Além disso, os benefícios financeiros garantem segurança e reduzem as preocupações com o futuro, o que ajuda a construir uma vida equilibrada.
Mas a atividade profissional pode facilmente se tornar um gatilho para transtornos psicológicos. Quando a pressão por metas rápidas, as jornadas longas e a falta de reconhecimento tornam o trabalho uma fonte de estresse contínuo, o resultado pode ser o esgotamento emocional.
Além disso, o avanço da tecnologia e a crescente integração entre vida pessoal e profissional tornaram os limites entre trabalho e descanso difusos. O trabalho remoto, amplamente adotado na pandemia, intensificou essa sobrecarga, com trabalhadores enfrentando a disponibilidade constante.
“A falta de equilíbrio entre as demandas profissionais e o bem-estar emocional pode transformar o trabalho, que deveria ser um meio de realização, em uma fonte de sofrimento”, afirma Aila Cardial. Ela alerta que os sinais de exaustão, se ignorados, podem evoluir para quadros graves de ansiedade e depressão.
Números de transtornos psicológicos no trabalho
Um exemplo de como o trabalho tem contribuído para o adoecimento dos trabalhadores é que, em 2023, o Ministério da Previdência Social registrou mais de 288 mil benefícios por transtornos mentais e comportamentais, um aumento de 38% em relação ao ano anterior.
Outro dado interessante é o do burnout, uma síndrome caracterizada pelo esgotamento físico e emocional. Entre 2020 e 2023, o número de trabalhadores afastados por burnout quadruplicou no Brasil. Só no ano passado, o INSS registrou 421 benefícios relacionados a essa condição.
Para Aila Cardial, esses números mostram o quanto as empresas ainda precisam evoluir em suas políticas de gestão. “O trabalho pode ser uma fonte de realização, mas, em um ambiente tóxico, também pode se transformar em um fator de desgaste. Quando faltam suporte e pausas adequadas, o equilíbrio emocional é o primeiro a ser comprometido”, lembra a psicóloga.
Liderança humanizada e a criação de ambientes saudáveis
Diante desse cenário, a solução passa pela mudança na forma de liderar equipes e estruturar os ambientes de trabalho. A OMS e a Federação Mundial de Saúde Mental recomendam que as empresas adotem práticas de gestão humanizada, focadas em escuta ativa, apoio emocional e transparência nas relações com os colaboradores.
“Para a criação de ambientes mais saudáveis, a liderança deve estar preparada para identificar sinais de esgotamento e agir preventivamente. Afinal, ambientes de trabalho que priorizam o bem-estar mantêm suas equipes engajadas e produtivas por mais tempo”, pontua Aila Cardial. Para ela, o treinamento de gestores para reconhecer e abordar fatores de estresse é essencial.
Outro aspecto crítico mencionado na campanha de 2024 da ONU é a importância de dar voz aos trabalhadores e permitir que tenham maior autonomia sobre suas tarefas, pois isso ajuda a reduzir a sensação de sobrecarga e promove um sentimento de realização. “Ter uma boa saúde mental no trabalho significa sentir-se produtivo, sem abrir mão da qualidade de vida”, conclui Aila.