Sigmund Freud (1856-1939), o famoso psicanalista austríaco, escreveu: “As massas nunca tiveram sede de verdade. Elas querem ilusões e nem sabem viver sem elas”. Pois os governantes brasileiros parecem ter adotado esse pensamento como linha de conduta porque abusam da negação da verdade e da venda de ilusões.
No mundo real, mais de 60% da população brasileira ganha até 1 salário-mínimo (R$ 1.412,00/mês brutos). Em 2023, a renda média per capita nacional, sem descontos da Previdência e tributos, foi de apenas R$ 1.848,00/mês, o correspondente a 1,42 salário-mínimo. Além disso, o governo reduz o poder de compra do cidadão aplicando a carga tributária de 33% a 35% do Produto Interno Bruto (PIB) ao não fazer a correção anual da tabela do Imposto de Renda. A contrapartida, no entanto, é pífia porque o governo federal não oferece à população serviços universais de qualidade em segurança pública, educação, saúde, saneamento e habitação.
Vale recordar o pensamento do escritor e político norte-americano Harry Browne (1933-2006): “O Governo é bom em uma coisa. Ele sabe como quebrar as suas pernas apenas para depois lhe dar uma muleta e dizer: ‘veja, se não fosse pelo governo, você não seria capaz de andar!’”. Se fosse vivo, Browne assistiria um festival de ‘muletas’ no Brasil, como bolsa-família, vale-gás e tantos outros. Como se não bastasse, agora está em gestação um novo benefício com o pomposo nome de “cashback”. Mais lógico e eficaz seria atacar as causas, mas nada se fala, por exemplo, sobre a redução de impostos da cesta básica, esta sim uma medida capaz de aliviar o bolso do brasileiro de baixa renda.
Este é mais um dos muitos desacertos do setor público brasileiro, problema antigo que se acentuou sobretudo a partir de 2002, com registro de déficit público nominal crônico e crescente porque não foi combatido pelos governos. O ápice se deu em 2023, quando superou R$ 967 bilhões, o equivalente a 8,80% do PIB. Foi praticamente o dobro do registrado no ano anterior, quando ficou em R$ 480 bilhões. Em 2024, tudo caminha para a mesma direção, prevendo-se a repetição do déficit gigantesco e semelhante ao de 2023, o que implica em inevitável aumento de endividamento público para financiar a cobertura desses déficits. A dívida pública hoje brasileira já é superior a R$ 8,1 trilhões, devendo ao final desse ano superar R$ 9 trilhões. Não há possibilidade de crescimento saudável com tamanho rombo.
Espanta também a generosidade dos governos brasileiros na concessão de empréstimos expressivos para países que não têm o hábito de cumprir compromissos, sempre flertando com a inadimplência. São empréstimos expressivos, normalmente concedidos sem o mesmo rigor da aferição da capacidade de pagamento utilizada, por exemplo, em relação a um industrial brasileiro em busca de crédito para produzir e gerar empregos.
O Brasil precisa fazer uma correção de rumo com urgência, sob pena de perdurar o sofrimento de seu povo, já farto de discursos fáceis e de medidas meramente paliativas para problemas graves. A polarização política – tão em moda – não ajuda em nada. Como já disse Dalai Lama, o mundo precisa desesperadamente de mais pacificadores, restauradores da ordem e da harmonia, e até mesmo de contadores de histórias e pessoas amorosas. Essa é também uma necessidade nacional.
Os maus governantes já destruíram nosso passado, fingem ignorar o presente e podem comprometer o futuro e as novas gerações. É preciso dar um basta e construir uma nova nação. O Brasil dos sonhos dos mais de 200 milhões de brasileiros seguramente não é o país de hoje, repleto de privilégios e contaminado pela impunidade
*Por Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”.