A seca extrema vivida na Amazônia Brasileira já é a mais intensa da história do Brasil, com uma tendência de agravamento das condições climáticas no segundo semestre deste ano. Em um comparativo, a seca extrema em julho de 2023 atingiu 15 mil km² ou 1,5 milhão de hectares. Já a seca extrema de 2024 atinge atualmente 315 mil km² ou 31 milhões de hectares, uma área equivalente ao tamanho da Itália, indicando um aumento de 2000% em relação às áreas afetadas pelo processo de seca extrema.
Os dados são do estudo ‘Amazônia à Beira do Colapso – Boletim Trimestral da Seca Extrema nas Terras Indígenas da Amazônia Brasileira’, produzido pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), por meio de sua Gerência de Monitoramento Territorial Indígena (GEMTI). A publicação apresenta um panorama da seca e estiagem vividos nos territórios indígenas, apresentando dados da estiagem e seca (maio-julho de 2024), queimadas (maio-agosto de 2024) e nível dos rios (julho de 2024) na Amazônia brasileira.
O lançamento do boletim aconteceu nesta quarta-feira (25), em Nova York, durante a Semana do Clima em Nova York, plataforma que reúne líderes de governo, empresas e organizações da sociedade civil para falar sobre a questão climática. O evento contou com a presença do coordenador-geral da Coiab, Toya Manchineri; do cacique Raoni Metuktire, uma das mais conhecidas vozes da luta indígena no Brasil e no mundo; da representante da Coiab na Bacia Amazônica, Angela Kaxuyana; da deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG); e de Patricia Gualinga Montalvo, liderança indígena e defensora dos direitos indígenas do Equador. Juntas, as lideranças fizeram um apelo à comunidade internacional para o enfrentamento da crise climática da América do Sul.
Até o momento, 149 Terras Indígenas da Amazônia Brasileira estão em contexto de seca extrema ou grave. Entre esses territórios, 42 estão em processo extremo, o que significa escassez de água, seca absoluta dos rios em diversas regiões, grandes perdas de cultura, pastagens e florestas, bem como uma restrição radical do uso da água. Esses 42 territórios indígenas em seca extrema representam 53% de todas as terras indígenas da Amazônia Brasileira, atingindo mais de 3 mil domicílios indígenas, 110 escolas e 40 unidades de saúde.
Ainda segundo o boletim, o cenário é ainda mais grave quando se considera a seca extrema para além dos territórios indígenas: apenas nos estados do Amazonas, Acre e Rondônia, são mais de 300 mil domicílios, 1,6 mil escolas e 700 unidades de saúde em contexto de seca extrema e com dificuldade de acesso a direitos fundamentais, como o acesso à água potável e à alimentação.
Focos de calor e nível dos rios
O boletim também mostra que, neste ano, os focos de calor estão sendo potencializados pela seca extrema, causando um aumento de até 80% nos incêndios florestais em 2024. Só em agosto, o fogo alcançou 2,5 milhões de hectares, área correspondente a 3,5 milhões de campos de futebol. Dos 68 mil focos registrados no Brasil durante agosto, 50 mil focos estão na Amazônia, concentrando 73% de todas as áreas queimadas no período, sinalizando um aumento de 139% em comparação com o mesmo período de 2023, quando foram notificados 20 mil focos (INPE, 2024). Terras Indígenas no Mato Grosso, Pará e Tocantins compõem o ranking com maior número de focos de calor este ano.
Outro dado revelado pela publicação da GEMTI/Coiab é que, em julho deste ano, 50 canais d’água ou rios apresentaram níveis abaixo da mínima registrada para o mês, com maior concentração nos rios do estado do Amazonas.
“Esses eventos climáticos extremos impactam diretamente os povos indígenas da Amazônia Brasileira. Ao mesmo tempo que os parentes são os primeiros a sentir os efeitos das mudanças climáticas, eles também são fundamentais para o combate a esses impactos. Vale destacar que as brigadas indígenas voluntárias e federais, equipes e grupos autônomos de proteção das TIs, têm sido linha de frente no combate aos incêndios e desmatamento dentro dos nossos territórios.”, informa a gerente de Monitoramento Territorial Indígena da Coiab, Vanessa Apurinã.
Para Toya Manchineri, isso demonstra a importância do fortalecimento da demarcação dos territórios indígenas como estratégia de adaptação e mitigação aos efeitos das mudanças climáticas. “Garantir a proteção das Terras Indígenas é fundamental para aumentar a resistência climática não só da Amazônia, mas de todo o Brasil. Demarcar e proteger os territórios indígenas significa a manutenção da floresta, a conservação da biodiversidade e queda nos números de desmatamento. Precisamos de uma atuação mais firme do Estado brasileiro para combater a seca na Amazônia. Já passou da hora do Estado brasileiro reconhecer o papel dos povos indígenas como aliados contra a emergência climática”, afirma.
A publicação ‘Amazônia à Beira do Colapso – Boletim Trimestral da Seca Extrema nas Terras Indígenas da Amazônia Brasileira’ pode ser acessada em coiab.org.br/conteudos, na aba ‘Documentos’.