Na essência do desenvolvimento humano, as experiências vivenciadas na infância não apenas ecoam por anos, mas fundamentam o futuro da saúde adulta. Pesquisas recentes comprovam como as adversidades enfrentadas nesse período crítico têm implicações duradouras, se estendendo para além dos traumas psicológicos, influenciando a incidência de doenças crônicas, comportamentos abusivos e dependências na vida adulta.
“Esse panorama não apenas destaca a importância de um olhar atento e científico sobre a educação infantil, mas também ressalta a necessidade de todos os adultos compreenderem a infância e agirem para proteger as gerações futuras”, alerta Telma Abrahão, biomédica especializada em patologia clínica e neurociência comportamental infantil.
Os estudos sobre Experiências Adversas na Infância (EAI) – ou Adverse Childhood Experiences (ACEs), na terminologia internacional – apontam para dez tipos principais de adversidades, categorizadas em abuso (físico, sexual, emocional), negligência (física, emocional) e disfunções familiares (incluindo doença mental dos pais, encarceramento parental, violência doméstica, abuso de substâncias e divórcio ou perda de um dos pais). “Essas experiências, embora distintas, compartilham a capacidade de moldar negativamente a saúde mental, física e emocional ao longo da vida”, afirma Abrahão.
Segundo Telma, autora de 15 livros e referência na interseção entre educação e neurociência, educar é um ato de amor e ciência. “É um desafio que exige compreensão profunda não apenas do conteúdo, mas do impacto emocional e psicológico de nossas interações com as crianças”, alerta.
De acordo com a especialista, a ligação entre uma infância tumultuada e a manifestação de doenças mentais como depressão e ansiedade na vida adulta está bem estabelecida na literatura científica. “Ainda mais alarmante é a associação dessas experiências com um risco elevado de desenvolvimento de doenças crônicas, como cardiopatias e diabetes, sinalizando que os efeitos das adversidades na infância vão muito além do emocional, repercutindo também no bem-estar físico”.
Essas descobertas não apenas mostram os desafios individuais enfrentados por aqueles com históricos de EAI, mas também apontam para consequências sociais mais amplas, incluindo ciclos de violência, abuso de substâncias e perpetuação de abuso e negligência. “A situação exige uma ação coletiva: o investimento em intervenções precoces, suporte educacional e políticas públicas focadas no bem-estar infantil, surgem como uma estratégia fundamental para alterar essas trajetórias de vida negativas”, afirma Abrahão.