A rápida evolução tecnológica tem gerado impactos significativos nas carreiras jurídicas, transformando a maneira como profissionais do direito conduzem suas atividades. Soluções inovadoras vêm transformando as rotinas, os fluxos de trabalho, a velocidade das entregas e mudando a forma da prestação de serviços no direito.
Essas tecnologias têm causado dúvidas sobre o futuro da profissão. Muitos jovens, que agora estão nos bancos das Faculdades de Direito, questionam-se sobre como será o exercício de sua profissão, o que devem conhecer e o que poderão delegar para as máquinas, e se o conteúdo que aprendem em seus cursos terá alguma utilidade prática no mercado de trabalho que os aguarda.
Se focamos nas consequências dessa transformação para a advocacia, temos que considerar dois efeitos: a expansão do mercado jurídico, para os que conseguirem dominar a complexa rede de prestação de serviços usando a tecnologia; e, de outro lado, a possível retração do mercado, pelo uso de Inteligência Artificial em substituição a algumas atividades.
Vamos avaliar primeiro a expansão. O meio jurídico foi fortemente impactado pela tecnologia durante a pandemia, o que impulsionou o desenvolvimento de novas soluções digitais para o setor. A tokenização, a tributação de ativos digitais e outras questões legais associadas ao blockchain já estão moldando o futuro, o que significou uma ampliação do mercado. Em 2023, estima-se que o mercado global de serviços jurídicos tenha se recuperado e atingido cerca de US$ 840 bilhões, segundo a Statista, plataforma de business intelligence.
Essa dinamização tecnológica acelera o mercado no ambiente de negócios, o que exige respostas rápidas do prestador de serviços jurídicos. A antiga crença de que o “mundo legal” não consegue acompanhar a tecnologia não faz sentido atualmente, pois nele estão os maiores impactos da digitalização. Hoje, faz mais sentido perguntar se o estudante está preparado para esse ambiente de alta concorrência.
Na esteira desse movimento, as lawtechs, startups voltadas para soluções tecnológicas para o meio jurídico, já atuam em diversas vertentes e mostram o potencial do setor. De acordo com o radar de mercado da AB2L (Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs), as startups do Direito se especializaram de uma forma tão ampla que estão dando ao mercado jurídico uma nova roupagem. Há empresas que cuidam do relacionamento entre cidadãos e empresas (Civic Techs) e resolução de conflitos online. Há até tecnologia para o mercado imobiliário, cartório (RegTechs) e tributário (TaxTechs), entre outras.
À medida que a inovação no direito avança, isso não apenas moderniza a prática jurídica, mas redefine a própria natureza da profissão. A adaptação a esse cenário dinâmico é essencial para que os profissionais do direito se destaquem em uma era em que a interseção entre tecnologia e jurisprudência molda o futuro da advocacia.
Se tudo isso revela uma expansão de mercado, a Inteligência Artificial representa um risco àqueles que não tem sua posição fixada na prestação de serviços, ou que não se renovem. Alguns programas de IA já são capazes de ler processos judiciais e entendê-los. Já houve casos, no estrangeiro, em que se comprovou o uso de programas abertos de IA para redigir sentenças. A argumentação jurídica potencialmente se transforma em uma guerra entre softwares, para os profissionais que não se dediquem a soluções criativas ou a seu uso em complemento às suas capacidades. Por exemplo, por meio de plataformas de big data analytics, é possível cruzar informações de casos julgados anteriormente com outros bancos de dados, analisando diversas variáveis possíveis para indicar como a equipe jurídica deve agir. Logo, a capacidade de colaborar efetivamente com ferramentas tecnológicas torna-se uma vantagem competitiva.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), as faculdades de direito e escritórios de advocacia deverão investir na educação do futuro bacharel em Direito e do profissional já inserido no mercado de trabalho, para o desenvolvimento de competências cruciais diante desta nova realidade. Habilidades como liderança; senso de empreendedorismo; interdisciplinaridade; habilidades digitais, criatividade e senso analítico; consciência global e cívica são alguns exemplos.
De outro lado, é função da OAB impor limites à inteligência artificial utilizada no Judiciário. É preciso ir além de um balcão digital para atender os advogados em dia de plantão, mas sim a presença física do Magistrado nos referidos plantões, seja na Justiça Federal ou Estadual. Em outras palavras, a presença do juiz humano é fundamental para ouvir as demandas da advocacia; é importante o magistrado ter a percepção real e a sensibilidade do caso concreto, isto é, ao mesmo tempo que a classe da advocacia defende suas prerrogativas, o trabalho do advogado é valorizado, defendendo os interesses do cidadão e da sociedade como um todo e fortalecendo o Estado Democrático de Direito. Portanto, não se trata apenas de preservar o mercado de trabalho, mas de defender o sistema Judiciário, como várias instituições mundiais já estão fazendo, do risco de ser controlado pelas vontades não rastreáveis do computador. Um futuro amplo, às vezes arriscado, mas sempre desafiador.
*por Thomas Law é advogado, doutor em Direito Comercial pela PUC/SP e pós doutorando pela USP, membro do IASP, IAB, UIA, APECC, Vice-presidente do CEDES – Centro de Estudos de Direito Econômico e Social, Presidente do IBCJ – Instituto Brasileiro de Ciências Jurídicas.