Enquanto o mundo celebra o Dia Internacional da Mulher em 8 de março, é crucial lembrar que apesar das conquistas alcançadas ao longo do tempo, ainda há muito a ser feito na luta pelos direitos das mulheres, especialmente quando se trata do direito fundamental à vida.
Nos últimos anos, temos testemunhado um preocupante aumento nos casos de feminicídio, destacando uma realidade sombria na qual as mulheres continuam a lutar por sua segurança e bem-estar. Dados reunidos pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública registraram 722 feminicídios entre janeiro e junho de 2023, um aumento de 2,6% comparado ao mesmo período do ano anterior. As campanhas de prevenção contra este tipo de crime também estão aumentando, mas, ainda assim, resta uma pergunta: por que é tão difícil romper com o ciclo de um relacionamento tóxico?
Para a psicóloga, Josefa Ferreira, especialista do Núcleo de Sexualidade da Holiste Psiquiatria, é inegável o contexto histórico e cultural que reforça a crença de que as mulheres são propriedade dos parceiros. Outro ponto, é a dimensão da violência psicológica que o abuso coloca, e que pode atrasar um momento importantíssimo para romper o ciclo de violência: a denúncia.
“Ele não é sempre assim”: 4 fases do relacionamento abusivo
Para a vítima, é muito difícil romper com um relacionamento tóxico porque, normalmente, a violência não acontece todos os dias. A psicóloga explica que o relacionamento abusivo possui uma estrutura cíclica e isso significa que a convivência com o parceiro não vai mal o tempo todo, mas oscila entre momentos de humilhação e agressão, e situações de valorização e afeto que levam a vítima a relevar os eventos ruins.
Uma frase comum para justificar a permanência na relação é: “ele não é sempre assim”, que é uma maneira de relativizar a violência. No entanto, isso faz parte do ciclo de abuso que pode ser identificado em quatro etapas: tensão, incidente, reconciliação e lua de mel.
“Na tensão, o abusador cria situações para deixar a vítima ansiosa, com medo de que algo aconteça, no ápice desta expectativa vem o incidente, que pode ser uma agressão verbal, física, ou alguma outra atitude violenta. Logo em seguida, vem a reconciliação, o momento em que o abusador se desculpa pelo descontrole, mas coloca a culpa na parceira para tentar diminuir a gravidade do incidente. Por fim, se inicia a lua de mel, a fase da calmaria onde o abuso é esquecido até que o ciclo recomece novamente”, detalha.
Não confunda cuidado com controle
Alguns setores da sociedade ainda defendem que a mulher é propriedade do parceiro e que ele deve controlar aquilo que ela veste, suas vontades e desejos, o que faz com o corpo e sua autonomia. O problema é que, muitas vezes, as mulheres são ensinadas a enxergar essas atitudes como provas de amor e cuidado, e não como violência.
“Muitas mulheres possuem um histórico familiar parecido e acabam normalizando a relação abusiva. A violência muitas vezes é confundida com cuidado, amor e carinho. Mesmo quando descobrem que estão sendo abusadas, elas sentem vergonha e culpa pela situação, mantendo-se afastadas dos amigos e familiares e presas no discurso do abusador”, diz.
Auxilio externo
Para a especialista, é fundamental reforçar o investimento em políticas públicas voltadas à prevenção da violência doméstica para proteger as mulheres vítimas deste crime. “Para quem está de fora, em caso de agressão, o ideal é denunciar às autoridades cabíveis. Já do ponto de vista individual, é muito importante buscar ajuda profissional para se fortalecer e conseguir quebrar o ciclo de abuso sem cair em armadilhas, como promessas de mudança e de um novo final. Haverá, sim, um final feliz, mas longe desta relação violenta”, finaliza.