“Na última semana, foi anunciado que, em 2023, foram criados 26,31% menos empregos formais no Brasil em relação a 2022, apesar da redução consistente no índice de desemprego de forma mais ampla.
A geração líquida de apenas 1.483 mil empregos formais no Brasil, aqueles com carteira assinada, pelos dados do Caged, quando havia sido previsto que seriam 1,8 milhão, reafirma a transformação estrutural no País motivada por questões que são reflexo de mudanças globais e distorções locais que merecem análise, atenção e alguma ação.
Para além do que é estrutural e global, as distorções no Auxílio Brasil, auxílio desemprego e nas mudanças sensíveis nas relações do trabalho têm gerado precarização e informalidade no emprego no País, e é preciso ser revisto para não exponenciar o problema no curto, médio e longo prazo.”
Existe uma situação de transformação estrutural do emprego formal no mundo como reflexo da evolução das relações de trabalho entre empresas e empregados, gerada, em grande parte, pelas mudanças precipitadas pelo avanço da tecnologia e do digital e que foram aceleradas no recente período da pandemia.
Ao mesmo tempo, existe uma redução dos índices de desemprego, atualmente, em 7,8% pelos dados e critérios do IBGE.
A evolução da tecnologia e do digital tornou habitual, por exemplo, que empresas de um país contratem serviços e mão de obra especializada nas áreas de tecnologia em outros países com custos mais baixos.
Índia, China e mesmo Colômbia, além de outros países da Europa Oriental, têm fornecido mão de obra especializada na área de tecnologia para desenvolvimento de serviços para os mais diversos contratantes no mundo, inclusive, aqui, do Brasil.
O período da pandemia, com a expansão acelerada do home office, também estimulou o multiemprego, ou seja, especialistas em tecnologia que trabalham como prestadores de serviços para mais de uma empresa ao mesmo tempo.
No caso brasileiro, por conta dos altos custos da contratação formal, da reconfiguração dos negócios e das potenciais contingências trabalhistas, também deve ser considerado o impacto – positivo e negativo – do crescimento dos MEIs, os microempreendedores individuais. Esse categoria teve significativa evolução, saltando de 1,65 milhão em 2011 para quase 15 milhões, agora, no final de 2023.
Ressalte-se que, perto de 53% desse crescimento, ocorreu nos últimos 3 anos, o que reforça o impacto da pandemia na transformação estrutural do emprego.
Mas outro tema, pouco discutido, envolve as distorções geradas pelos reconfigurados programas de auxílio que, na correta e necessária proposta de ajudar quem precisa de ajuda, têm equívocos que levam à redução do emprego formal com carteira assinada e mesmo à precarização, pois, pela facilidade de acesso, muitos preferem fazer “bicos” alguns dias da semana, em complemento ao valor recebido, nas suas diversas modalidades.
Em algumas regiões, criou-se uma realidade onde o registro do funcionário é uma complicação adicional para contratar, distorcendo os indicadores de emprego e desemprego do país.
Temos, no Brasil, um total de 21,3 milhões de famílias recebendo auxílios com um crescimento de 10,93% sobre o ano anterior no número de beneficiários com a necessária preocupação com a condição dos mais necessitados, mas que apresentam algumas distorções que precisam ser corrigidas. Da mesma, o o auxílio desemprego, que estimula vínculos trabalhistas passageiros e desejo de não registro no emprego seguinte para que possa ser recebido o auxílio pelo período máximo.
Essas distorções não acontecem quando grandes organizações são envolvidas, porém, o Brasil real é maior que o Brasil formal e, pelo que temos visto e acompanhado, esses estímulos à informalidade têm aumentado tais deturpações e podem explicar em parte a redução significativa de mais de 23% no emprego formal de um ano para outro, apesar da redução do quadro de desemprego, dentro dos critérios atuais.
Os impactos desse quadro vão muito além do correto entendimento da realidade expressa nos números, pois gerarão distorções futuras no sistema previdenciário, com redução no nível de contribuições e um aumento futuro relevante das aposentadorias por idade e não por tempo de emprego, o que determinará, num futuro próximo, uma nova revisão do que foi feito na Reforma Previdenciária.
O cross border também faz crescer a informalidade
Um tema pouco discutido envolve o cross border e a inconsequente isenção dos impostos de importação, estimulando a informalidade no Brasil.
O avanço do cross border, trazendo produtos de baixo valor, em especial, dos países asiáticos, tem também contribuído para a expansão da informalidade no Brasil.
O marcante crescimento das plataformas por aqui, tanto quanto em outros mercados no mundo, tem feito com que indivíduos mais familiarizados com o uso desse canal tornem-se revendedores desses produtos, trazendo e até mesmo se especializando em algumas categorias em mercados menos assistidos. E com isso, do lado positivo, criam uma renda pessoal, mas concorrendo e aumentando a informalidade com os negócios, varejo e comércio formais.
Todos esses elementos determinam a necessidade de uma ampla e imediata reflexão sobre tudo que envolve emprego, formalidade e distorções nos programas assistenciais sob pena de estarmos analisado uma realidade distorcida, com lentes também distorcidas. E agindo de forma equivocada, agravando problemas existentes.
Por Marcos Gouvêa de Souza/M&C
Foto: Marcelo Camargo/Abr